segunda-feira, 20 de julho de 2020

Como Os Avistamentos De OVNIs Se Tornaram Uma Obsessão Americana




Em 1947, um piloto avistou uma frota de aeronaves “parecidas com discos” correndo através do céu. Foi apenas uma questão de tempo até que a paranoia se instalasse.


Em 1947, Kenneth Arnold estava pilotando seu CallAir A-2 entre Chehalis e Yakima, Washington, quando tomou um desvio para procurar por uma aeronave caída do Corpo dos Fuzileiros Navais. Havia uma recompensa para qualquer um que encontrasse o avião, e quem não gostaria de 5 mil dólares? 

Arnold voou por um tempo procurando e, acidentalmente, encontrou outra coisa - algo muito mais estranho do que aquilo que ele procurava. Enquanto ele assistia em êxtase, nove objetos voaram pelo ar em formação.

Não era nada maluco, na verdade. Você pensaria que era uma frota e continuaria com o seu dia. Mas as naves pareciam estar voando muito mais rápido que os jatos da época. Arnold, alegadamente, as cronometrou, enquanto elas voavam entre o Monte Rainier e o Monte Adams, a significativamente mais de mil e seiscentos quilômetros por hora. Quando ele pousou de volta - ele alegou depois - contou a um repórter do East Oregonian que os objetos pulavam como pires na água, se referindo ao seu movimento e não sua forma. O repórter escreveu, entretanto, que a nave se parecia com um “disco”. Essa frase logo correu pela imprensa. O termo “disco voador” apareceu um dia depois - a primeira das muitas vezes que viriam - quando o Chicago Sun escreveu a manchete “Discos Voadores Supersônicos Avistados por Piloto de Idaho”. O caminho real da descrição do disco, da boca de Arnold até nossos ouvidos, é mais complicado. O repórter se manteve fiel à transcrição e como uma análise do Centro de Aviação Nacional para Análise de Fenômenos Anômalos nota, Arnold teve várias oportunidades de corrigir a gravação antes.

“Parece impossível, mas era isso”, o artigo termina, citando Arnold.
O avistamento de Arnold marca o ponto de origem moderno da tradição dos OVNIs e sua terminologia. A história dele contém várias características arquetípicas (se tornaria, é claro, ele mesmo um arquétipo): luzes no céu, avistadas por um piloto que conhece o céu e que seria (o que os estudiosos chamam de “um observador confiável”), se movendo rápido e com uma coreografia errática que parecia inteligente. Você poderia quase trocar Arnold com os pilotos nos vídeos do Programa Avançado de Identificação de Ameaças Aeroespaciais, que esteve ativo  secretamente de por volta de 2007 até 2012, e os militares que foram a público desde então, dizendo (provavelmente honestamente!) que eles viram coisas inexplicáveis, rápidas e estranhas lá em cima. O status deles como pilotos é o que garante a credibilidade de suas histórias e abala os mais frágeis e menos experientes de nós.

Ao falar sobre sua história, Arnold conseguiu mais - e de forma diferente - atenção do que ele poderia gostar: as pessoas não acreditavam nele. Era apenas um reflexo no vidro, um meteoro. Ele tinha inventado tudo. Em seu próprio livro, Coming of the Saucers, Arnold escreveu, “Eu fui objeto de ridículo, muita perda de tempo e dinheiro, notoriedade em jornais, histórias em revistas, reflexões sobre a minha honestidade, meu caráter, meus negócios”. Ele não estava feliz com isso e de acordo com o livro de 1975 The UFO Controversy in America, Arnold disse: “Se eu visse um prédio de 10 andares voando pelo ar, eu nunca diria uma palavra sobre isso”. (Essa declaração, entretanto, continua difícil de conciliar com o fato de que ele publicou seu próprio livro, a edição completa de hoje, com a arte de capa mostrando uma mulher em roupa de banho segurando figuras do espaço sideral para alguns pilotos de discos verem.)

O avistamento de Arnold se tornou uma epidemia. Logo, outras pessoas pelos EUA começaram a ver seus discos. O céu noturno se abriu, dando origem a um período ufológico que os estudiosos se referem como uma “onda”: um período de aumento dos avistamentos. O termo também tem o toque contextual de outra definição de palavras, “um estado aumentado de agitação”. Edward Ruppelt, um oficial da Força Aérea que faria parte das investigações governamentais sobre OVNIs, escreveu que “na terminologia da Força Aérea, uma onda é uma condição, situação ou estado de ser de um grupo de pessoas caracterizado por um grau avançado de confusão que ainda não atingiu proporções de pânico”. Nesse caso, as pessoas ainda não estavam entrando em pânico por causa dos estranhos avistamentos no céu.

Se Arnold não tivesse dito uma palavra, a história teria, provavelmente, tomado um curso parecido. O avistamento de alguma outra pessoa poderia ter catalisado uma onda parecida - um ano mais tarde, talvez dois ou cinco. Todos os eventos se desenrolaram em um meio cultural, no final das contas. E o meio da época de Arnold - tingido pelo medo de invasores, medo de invasões e medo da tecnologia, assim como hoje - era um solo fértil para a ufologia. Talvez, em um mundo sem o encontro de Arnold, as pessoas teriam descrito o “fenômeno” de forma diferente. Talvez não teríamos o termo “disco voador” de forma alguma. Talvez poderia ter sido panquecas ou esferas. Mas Arnold e os discos é o que temos. Então a onda que se seguiu - e, realmente, todas as ondas que se seguiram - carregam sua impressão, mesmo que fraca.

Enquanto nós, humanos, gostamos de sentir que escolhemos nossas ações com autonomia, a matemática e a geometria podem, na verdade, descrever sua natureza coletiva muito bem. Então, nossas ondas de avistamentos de OVNIs tendem a ter duas formas diferentes: um pico rápido ou uma curva suave. O primeiro tipo é explosivo, com várias pessoas relatando vários OVNIs de uma vez, e então os avistamentos diminuem por volta do mesmo tempo. O segundo tem um início mais calmo, restrito e um fim mais gradual.

Talvez, durante outro tipo de onda, mais pessoas realmente viram coisas verdadeiramente estranhas, como poderia ser o caso se naves espaciais ou jatos estivessem realmente descendo. Ou talvez o aumento aconteça por causa do que os cientistas sociais chamam de “contágio perceptivo”- uma doença contagiosa, cujo único sintoma é que você, de repente, vê coisas que sempre existiram e as interpreta de forma diferente porque alguém apontou para elas. É como se um amigo te dissesse: “Todos que usam roupas da Abercrombie & Fitch têm algo a provar”. Talvez você nunca tivesse notado ninguém usando uma camiseta da Abercrombie & Fitch antes. Agora, entretanto, você não apenas os vê, mas também sente que sabe algo sobre eles.

De qualquer forma, uma relação clara também existe entre ondas na população geral e o início de programas do governo - uma simbiose que a ex-funcionária da NASA Diana Palmer Hoyt mapeou. Quando você coloca os avistamentos de cidadãos e as pesquisas dos federais lado a lado, ela notou em uma tese sobre o tópico, “o mecanismo de resposta se torna claro”: quando a população começa a ver discos, a imprensa começa a falar disso nos jornais. Confrontado com cidadãos que esperam que seus líderes desmistifiquem a mistério potencialmente perigoso, o governo tem historicamente tentado (nem sempre de boa-fé). Quando as ondas eram grandes, seus agentes analisaram os casos de OVNIs, acrescentando suas investigações às explicações cotidianas para a maioria dos avistamentos. Os cidadãos tendem a acreditar que qualquer outro avistamento futuro tenha uma origem similarmente prosaica. Não se preocupe: é apenas um balão meteorológico, uma estrela muito brilhante, Vênus, fenômenos atmosféricos.

Quando uma grande onda surge, em outras palavras, programas secretos aparecem. Você pode ver isso acontecendo hoje, quando em abril de 2019, a Marinha confirmou que, dado ao número de naves não autorizadas ou não identificadas que os militares encontraram recentemente, estava “atualizando e formalizando o processo pelo qual relatos de quaisquer incursões suspeitas podem ser feitos pelas autoridades competentes”, como a Politico relatou. Logo antes disso, o primeiro programa oficial surgiu um ano depois do avistamento de Arnold. Como os dois programas que se seguiram imediatamente, abrangendo mais de duas décadas de esforço federal, esse esforço inicial se destinava a acalmar - e redirecionar - as massas, enquanto também eram tentativas mais silenciosas para determinar se esses discos eram algo com que os militares deveriam se preocupar. A conduta geral? Desmentir e tratar publicamente o assunto de forma leve”, Hoyt notou, “e investigar secretamente, e levar o assunto a sério”.

O primeiro programa de investigação sobre OVNIs começou no ano em que o Scrabble se tornou um jogo, e no ano em que os EUA passaram o Plano Marshall, um esforço em parte para parar a ameaça da disseminação do comunismo na Europa. Também, foi por volta da época em que o país começou os testes desenfreados de mísseis no Novo México, boa parte graças aos engenheiros e cientistas alemães.

Depois da Segunda Guerra Mundial, o governo deu a cientistas alemães (geralmente do Partido Nazista) novas identidades e vidas novas na América, como parte de uma iniciativa chamada Operação Paperclip. Ela visava trazer os foguetes americanos para os antigos padrões alemães, enquanto mantinha as mesmas conquistas da União Soviética. Com o conhecimento teutônico deles, nosso programa aéreo poderia se equiparar aos dos russos, que também tinham roubado alguns cientistas pela fronteira.

Inicialmente chamado de Projeto Disco (obviamente uma ideia ruim das relações públicas), o governo rapidamente renomeou seu primeiro programa para OVNIs de Projeto Sign. Começou em janeiro de 1948 e funcionou por um ano. Na época, foguetes da Operação Paperclip não iam para o espaço; eles eram armas. Mas alguns desses cientistas roubados (e seus colegas que não eram da Paperclip) entenderam que, com um pouco mais de impulso, os foguetes poderiam entrar em órbita. E com um pouco mais de força, eles poderiam deixar a órbita. Apesar do sonho menos bélico, o país não enviou foguetes a órbita até o fim dos anos 1950. É interessante que, ao olhar para nosso universo, nós vemos nosso próprio futuro e impomos isso aos outros, já de forma bem sucedida.
Na era de Arnold de quase voos espaciais, temores sobre quem poderia dominar ou destruir o mundo invadiam os EUA. O país tinha acabado de sair da guerra, usando bombas que podiam destruir o planeta que os soviéticos também logo possuiriam. O globo parecia frio e tênue. E o Projeto Sign tentou descobrir se os potenciais conquistadores incluíam aviões inimigos ou alienígenas hostis. Estamos em uma situação parecida hoje, com as preocupações sobre se a América vai ser dominada pela China, sobre a influência que a Rússia tem sobre nosso governo de liderança global. A sombra da tensão internacional paira e é como se aqueles focados na ameaça OVNI conseguissem capturar e redirecionar nosso medo existencial para fora (bem para fora), enquanto os colorem com assombro. 
Três meses depois do avistamento de Arnold, o tenente-general Nathan Twining mandou uma mensagem chamada “AMC [Comando Aéreo de Materiais] Opinião sobre os Discos Voadores” para o Comando Geral da Força Aérea.

O documento controverso destacava a crença do tenente-general de que, enquanto alguns poderiam ter sido resultado de “fenômenos naturais, como meteoros”, os objetos relatados eram, de fato, reais. Twining detalhou a aparência dos objetos ¬¬¬¬— em forma de disco, e do tamanho de aeronaves feitas por homens — e sugeria a possibilidade, baseado no relato de seus movimentos, que “alguns dos objetos são controlados manualmente, automaticamente ou remotamente”.

Esses objetos , ele continuou, tendiam para o metálico, geralmente não deixavam rastro. Eles eram normalmente silenciosos e rápidos. Com muito dinheiro e tempo para desenvolvimento, os EUA poderiam construir aeronaves com essas características, então talvez esses OVNIs poderiam ser nossos, parte de um projeto secreto que ele não conhecia. Também era possível que eles fossem de outro país. Mas também era possível: que eles não existissem de forma alguma.

A Força Aérea já tinha feito uma investigação discreta, não oficial, mas o Memorando de Twining, alguns alegam, introduziu as coisas a um nível oficial. Poucos meses depois, o Projeto Sign nasceu. Girava em torno de relatórios sobre OVNIs  e mandava investigadores para determinar a natureza dos hipotéticos objetos e seu nível de ameaça.

Assim que as investigações começaram , o grupo Sign se dividiu em duas facções fervorosas, ocupando fins diferentes do espectro ideológico e disputando poder sobre o projeto. Alguns pensavam que esses OVNIs não eram mesmo reais, e então não poderiam ser perigosos. Que o projeto era bobo e inconsequente. Outro grupo de pesquisadores, entretanto, pensava o oposto. E alguns desses que acreditavam, logo desenvolveram o que mais tarde foi chamado de Hipótese Extraterrestre, um termo que permanece desde então e cujo significado continua auto evidente.

A polarização da liderança — “é idiota” versus “são alienígenas ”— tem historicamente sido um problema para pilotos da Força Aérea  que querem submeter relatos de OVNIs. Eles nunca sabiam para qual polo seus casos iriam ou a qual caminho o chefe daquele polo tendia. Se um dos opositores colocasse as mãos no relatório, eles poderiam pensar que o piloto estava mentalmente não qualificado em geral, e especialmente para pilotar aviões que portavam armas e mísseis. Se o relatório deles fosse para as mãos de um entusiasta de alienígenas, entretanto, talvez o piloto se tornaria conhecido como um deles, e terminaria como um caso do tipo de Kenneth Arnold.

Em 1953, em resposta ao clima  internacional e o aumento dos relatos de OVNIs,  a CIA promoveu uma reunião de quatro dias chamada o Painel Robertson, cujas descobertas ecoam ameaçadoramente até os dias atuais.

As conclusões do painel, sua própria  existência e, especialmente, seu patrocínio pela CIA permaneceram secretos na época e por vários anos depois. A agência não queria que as pessoas soubessem da preocupação do governo sobre os relatos de OVNIs. Mas eles se preocupavam, e de acordo com cópias abertas dos relatórios, que davam uma análise atenuada de seus medos. Se inimigos poderiam usar OVNIs — reais ou simplesmente relatados — para semear o pânico entre a população, causando caos e desconfiança, que poderia abrir os EUA para invasão física ou hipotética. Imagine um cenário  hipotético no qual os russos  saturassem a América com avistamentos de OVNIs: eles poderiam lançar uma arma e talvez ninguém iria notar porque o sistema de alarme poderia estar ocupado  perseguindo fantasmas. Mesmo sem um ato ilegal estrangeiro deliberado, se muitas pessoas ficassem muito eufóricas e ligassem em pânico sobre Vênus, o governo teria poucos recursos disponíveis para separar o joio do trigo.

Veja, o painel também alertava sobre os clubes de OVNIs, os grupos de investigadores civis que surgiram. Se uma onda ocorrer, esses grupos podem ter os ouvidos e mentes das pessoas. Tenha em mente “o possível uso de tais grupos para propósitos subversivos”. Até os dias de hoje, alguns ufólogos tomam essa sugestão de desinformação e vigilância como evidência das virtudes de seu trabalho. (Se não há nada com o que se preocupar, por que se preocupar conosco?)

O painel mais tarde reafirmou algumas das conclusões do Projeto Sign, que foi mais tarde renomeado Projeto Grudge — mais notavelmente que o que quer que os OVNIs fossem ou não, eles não pareciam representar uma ameaça à segurança nacional. A sobrecarga era perigosa, assim como o pânico, junto com o fato de que soldados poderiam ver uma aeronave espiã estrangeira e pensar que era apenas alguns desses OVNIs.

Mas nós podemos corrigir isso, sugeriu o painel. Tudo que eles tinham que fazer era treinar as pessoas e fazer alguns desmascaramentos públicos. Agências poderiam educar empregados em como reconhecer balões de altitude elevada atingidos pela luz da lua, bolas de fogo que pareciam com orbes flutuantes, nuvens noctilucentes que pareciam redes neurais extraterrestres.

O desmascaramento deveria acontecer em público. A mídia de massa, os integrantes do painel disseram, poderia também iluminar as histórias reais de OVNIs e suas explicações mundanas. Quando as pessoas vissem algo estranho, então elas iriam presumir que era como a bola de fogo que elas viram em um especial, era apenas um fenômeno terrestre com a qual eles ainda não estavam familiarizados. Se você quer saber por que as pessoas leem intenções maliciosas, que tentam manter o segredo no Relatório Robertson e nos programas de investigação, você apenas precisa ler algumas das declarações de conclusão do painel atentamente: “a ênfase contínua que o relato desses fenômenos faz, nestes tempos perigosos, resulta em uma ameaça para a ordem funcional dos órgãos protetores do corpo político. ...Agências de segurança nacional [deveriam] tomar passos imediatos para arrancar os Objetos Voadores Não Identificados do status especial que tem sido dado a eles e a aura de mistério que eles infelizmente adquiriram”.

A qualquer momento que o governo decide, a portas fechadas, arrancar algo de qualquer posto, isso é basicamente uma campanha de propaganda. E a qualquer momento que o governo decide que algo perturba a ordem, isso pode ser lido como uma licença para se impor a ordem. Com isso, se entende por que a agência não queria que seu trabalho vazasse. Pareceria ruim. Pareceria que algo poderoso teria tomado de assalto o público americano, e o governo não apenas não gostava disso, mas iria impor um fim a isso. Se você acredita que os OVNIs são um “fenômeno”, você pode ler o relatório e ver a campanha de acobertamento.

Ao manter o painel secreto, a CIA na verdade plantou as sementes da desconfiança que ela tentou não plantar para manter o segredo, para começar. Quando a existência do Painel Robertson veio a público anos mais tarde, o público pediu pela liberação completa do relatório. Primeiro, a CIA liberou o que o historiador do Escritório Nacional de Reconhecimento, Gerald Haines, chamou de uma versão “limpa”. Mais tarde, a gravação completa foi aberta. O universo OVNI nunca mais foi o mesmo. 



Tradução: Pamylla Oliveira

Link da matéria original:
https://www.wired.com/story/how-ufo-sightings-became-an-american-obsession

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