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Maurice Masse: o enigma de Valensole teria saído de uma história em quadrinhos?

Introdução da revista em quadrinhos francesa
Introdução da HQ que menciona um disco voador na Provence.

O caso de Maurice Masse, ocorrido em Valensole no dia 1º de julho de 1965, é um dos episódios mais comentados da ufologia europeia. Naquele dia, um agricultor afirmou ter visto uma nave pousada em meio a seus campos de lavanda e, ao se aproximar, teria sido paralisado por estranhos seres carecas armados com um dispositivo de raios.

Durante muito tempo, o relato foi tratado como um contato imediato de terceiro grau dos mais sólidos. No entanto, novas interpretações surgiram ao longo das décadas. Uma das mais instigantes veio do investigador e colecionador francês Raoul Robé, que encontrou paralelos curiosos entre o caso e... uma simples história em quadrinhos publicada anos antes.

Este artigo mergulha nessa hipótese alternativa, que coloca em debate até que ponto a imaginação popular, a cultura da época e um toque de humor podem transformar um fato banal em uma narrativa extraordinária.

Capa original da revista em quadrinhos francesa (1955 / 1960)
Capa da edição da revista em quadrinhos que inspirou a hipótese.
A França e a febre dos “discos voadores”

A França dos anos 50 e 60 vivia uma atmosfera peculiar. A chamada grande onda ufológica de 1954 tinha colocado o país no mapa mundial da ufologia, com centenas de relatos de discos voadores e “homenzinhos” registrados em jornais regionais.

O tema se infiltrava em todos os espaços: bares, cafés, rodas de amigos e até nas bancas de jornal. Foi nesse cenário que Maurice Masse cresceu e trabalhou, imerso em um ambiente no qual falar sobre “visitantes do espaço” era quase parte da rotina popular.

Mais do que isso: segundo o investigador francês Michel Figuet, Masse era conhecido como joueur — um homem brincalhão, provocador, alguém que sabia como inventar uma boa história para animar as conversas no café local.

O vestígio no campo

No final de junho de 1965, Masse encontrou em seu terreno um círculo irregular no solo. Ele reconheceu o sinal como algo já visto antes: um impacto de raio. O detalhe curioso é que esse vestígio físico seria mais tarde o ponto de partida para uma narrativa muito mais grandiosa.

Com esse “elemento material” em mãos, ele teria apenas precisado de inspiração para tecer uma história fantástica. E essa inspiração, sugere Raoul Robé, pode ter vindo de um lugar insuspeito: uma revista em quadrinhos.

Comparação visual entre narrativa de Masse e HQ da Dargaud
Comparação entre o relato de Maurice Masse e a ilustração da HQ da Dargaud.
A descoberta de Raoul Robé

Enquanto pesquisava coleções antigas, Robé encontrou uma revista em quadrinhos de pequeno formato, publicada em 1955 e reeditada em 1960. O enredo era surpreendentemente familiar: um disco voador pousava na Provence (a mesma região de Masse), seres carecas saíam da nave, paralisavam uma testemunha com uma arma de raios e examinavam seu corpo.

“É o suficiente para imaginar que Maurice, ao ver a coincidência entre sua região e a HQ, tenha decidido criar uma boa galéjade para entreter os amigos.” — Raoul Robé

No sul da França, galéjade é uma expressão usada para designar um conto exagerado, meio brincalhão. Não seria absurdo pensar que um agricultor espirituoso pudesse ter se inspirado no quadrinho para pregar uma peça que acabou fugindo ao controle.

Do café ao mundo

No Café des Sports, em Valensole, Masse costumava se reunir com amigos para comentar política, futebol e novidades do vilarejo. Foi provavelmente ali que contou sua aventura fantástica. A anedota correu de boca em boca e, em pouco tempo, a gendarmaria francesa entrou em cena para investigar.

Com a chegada da polícia, a imprensa local se interessou, e a história de um agricultor paralisado por extraterrestres ganhou manchetes nacionais e internacionais. Em questão de dias, Valensole deixou de ser apenas um vilarejo produtor de lavanda e se tornou palco de um dos casos ufológicos mais divulgados da França.

Imagem mostrando a cena de exame da testemunha
Cena de exame da testemunha por seres estranhos, presente na HQ.
Evolução do relato

É importante notar que, no início, Masse descreveu apenas o pouso de um objeto. Com o tempo, porém, os detalhes se multiplicaram: os seres ficaram mais nítidos, suas armas mais sofisticadas, suas intenções mais benevolentes. O processo lembra o clássico “telefone sem fio”, em que cada repetição acrescenta novos elementos.

Esse fenômeno é recorrente em ufologia. Casos como o de Marius Dewilde, em Quarouble (1954), também começaram simples e depois foram enriquecidos com narrativas mais complexas, muitas vezes sob influência cultural ou da mídia.

Seres carecas da história em quadrinhos
Representação dos “pequenos seres carecas” na HQ encontrada por Robé.
Coincidência ou invenção?

Nem todos os investigadores concordam com Robé. Gilles Fernandez, por exemplo, analisou a revista em quadrinhos completa e concluiu que as semelhanças não são tão fortes. Para ele, as diferenças superam os paralelos, e seria precipitado reduzir o caso a uma simples cópia de HQ.

No entanto, mesmo Fernandez admite que a cultura popular tem grande peso na forma como testemunhas constroem suas histórias. Afinal, somos todos influenciados por aquilo que lemos, vemos ou ouvimos em nosso cotidiano.

Capa do livro Marliens et les Cas similaires
Capa do livro *Marliens et les Cas similaires*, referência na ufologia francesa.
Quadrinhos, memória e imaginação

As revistas em quadrinhos de pequeno formato eram extremamente populares na França dos anos 50 e 60. Vendidas em bancas ou feiras, muitas vezes passavam de mão em mão entre crianças e adultos. Não era raro que um exemplar esquecido em um café ou trocado em mercados de segunda mão circulasse pela região.

Assim, não é difícil imaginar que Masse ou algum amigo tivesse tido contato com a HQ em questão. Isso bastaria para plantar a semente de uma narrativa fantástica, que encontrou terreno fértil no ambiente cultural da época.

Hoje, o encontro de Maurice Masse ainda divide opiniões: seria um contato alienígena legítimo ou uma galéjade genial que cresceu além do esperado?

O fato é que o episódio revela muito sobre como histórias se formam, circulam e ganham vida própria. Mais do que sobre alienígenas, talvez ele nos fale sobre a imaginação humana e sua capacidade de transformar coincidências em lendas.

E você, leitor: acredita que Maurice Masse viveu algo extraordinário ou apenas contou a maior piada da ufologia francesa?

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