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sexta-feira, 7 de agosto de 2020

O Clássico Juventude Transviada & A Ufologia

 


Pânico e Pureza na América dos Anos 50

 

 

Se houvesse um dia em que eu não me sentisse confuso e com vergonha de tudo. Se eu sentisse que pertenço a algum lugar, sabe?

 


- James Dean, como Jim Stark

em “Juventude Transviada”

 

 

 

Como eles não viram isso? Essa pergunta me perseguia. A resposta era igualmente perturbadora.

O filme clássico de 1955, Juventude Transviada, é mais lembrado hoje pela icônica jaqueta vermelha e calça jeans do astro James Dean que por sua história de angústia adolescente suburbana. Na memória popular, os anos 50 foram um período plácido, de ternos cinzas de flanela, conformidade e prosperidade, uma das razões pelas quais a jaqueta vermelha se destacou de forma tão brilhante. Aquela imagem cinza é mais um produto dos sitcoms e filmes da época do que da realidade. Por baixo da superfície brilhante, o mundo moderno estava lutando para nascer, irrompendo com força total uma década mais tarde. Mas em nossa memória coletiva, os filmes dos anos 50 se desvaneceram suavemente em um passado genérico, nostálgico, que nunca existiu. De fato, mesmo hoje, a crítica mais comum a Juventude Transviada permanece sendo aquela compartilhada pelo grande crítico de filmes Roger Ebert, que escreveu no quinquagésimo aniversário do filme: “O filme não envelheceu bem... Como seu herói, Juventude Transviada quer desesperadamente dizer algo e não sabe o que é.”


Mas isso foi mesmo verdade? Para mim, não parecia. Como um homem gay, eu vi claramente uma história sobre amor entre o mesmo sexo, escondida logo atrás da cortina de decência dos anos 50, para escapar dos censores. Mas quanto mais eu lia a visão dos outros sobre o filme, mais as coisas se tornavam estranhas. Muitas pessoas não veem isso, e quando veem, elas não acham que é importante. Eu já me perguntei algumas vezes se eu tinha assistido ao mesmo filme que aqueles que professavam criticá-lo e analisá-lo. As formas completamente divergentes que as pessoas do passado e do presente reagiram ao Rebelde, pode nos dizer muito sobre a forma que a cultura molda nossa percepção do mundo à nossa volta. Acima de tudo, eu fiquei interessado em uma pergunta central: como as pessoas podem olhar para o mesmo filme e ver coisas incompativelmente diferentes?

A resposta, por estranho que pareça, tem muito a nos dizer sobre o desenvolvimento de outro produto clássico dos anos pós-guerra, o disco voador, quando olhamos para as culturas interligadas pela paranoia e segredo criados pelo Lavender Scare, o Red Scare e o pânico dos OVNIs daqueles anos – três medos com os quais os americanos se preocupavam com invasões de homossexuais, comunistas e alienígenas, todos os quais ameaçavam o imaginário pós-guerra do estilo americano de vida.


Se você não acha que há uma ligação, então não prestou atenção ao relacionamento simbiótico entre a cultura pop e os OVNIs. Afinal de contas, os discos voadores nasceram do esforço do editor de uma revista para lucrar com o avistamento de Kenneth Arnold, as abduções alienígenas cresceram do imaginário de The Outer Limits e The Twilight Zone, e os portais estelares da ufologia atual são um resultado de Stargate e seus subprodutos para a televisão. A influência vai para outro lado também, com as alegações de OVNIs alimentando filmes como O Dia Em Que A Terra Parou e Contatos Imediatos do Terceiro Grau, que então moldaram as crenças sobre OVNIs da próxima geração. Alguns vão para os dois lados. Rod Serling foi para frente e para trás, ao fazer ficção científica sobre alienígenas e discos voadores no The Twlight Zone e, então, ao fazer documentários sobre eles como em Busca dos Astronautas Antigos e The Outer Space Connection, também.


Expectativas culturais e crenças moldam o que vemos e como entendemos o que vemos. Esse processo nem sempre se move claramente em uma direção, e seus resultados não são sempre óbvios, entretanto está acontecendo diante de nossos olhos – se pudermos ver.

 

 

Juventude Transviada


Para ser totalmente honesto, eu não sabia muito sobre Juventude Transviada antes de ter visto o filme pela primeira vez, já adulto, em 2020. Eu sabia pela osmose cultural que James Dean estava nele e que ele tinha feito três filmes antes de morrer em um acidente de carro, com a idade de 24 anos. Eu até me lembrava do modelo do carro dele, Porsche 550 Spyder, que, por alguma razão, as retrospectivas consideravam muito importante. Eu não sabia de qual dos três filmes de James Dean esse era. Eu me lembro de ler vagamente que um dos três filmes era suspeito de ter um subtexto homoerótico, mas eu achei que isso não deveria ter sido terrivelmente importante, já que era pouco mencionado nas descrições comuns do filme. De fato, a página do filme na Wikipédia não fazia menção à atração entre o mesmo sexo quando eu li antes de assistir ao filme no aplicativo Turner Classic Movies em uma noite de primavera. A sinopse do TCM dizia que o filme era sobre um adolescente forçado a lidar com o pai que “usa um avental”. Literalmente verdade, mas isso não vem ao caso.

 

 








Da esquerda: Natalie Wood, Sal Mineo e James Dean

logo antes do clímax de “Juventude Transviada”

 


E então, eu assisti ao filme. E comecei a me perguntar se estava vendo o mesmo filme. E acontece que as expectativas culturais e experiências quase que, literalmente, fazem os espectadores verem o mesmo filme de duas formas absolutamente incompatíveis. O filme é estruturado como uma tragédia grega (ou shakespeariana, como o autor do filme preferia). Como muitos melodramas dos anos 50, várias tramas se interligam ao mesmo tempo, nem sempre de forma plausível. Destacar um não é negar os outros temas e questões que existem ali. Entretanto, a tragédia climática nos compele a ver a linha que leva até a história principal, se a tragédia for para ter algum impacto e garantir seu papel climático. Que o filme não é feito para ser literal é óbvio, a partir fato de que o desenvolvimento emocional e de caráter de um adolescente, e meses de história, ocorrem em um único dia simbólico. Ser parcialmente encenado em um planetário sugere uma dimensão cósmica que se compara aos caprichos dos deuses dos mitos gregos. Os cosmos que colapsam, discutidos no planetário, espelham a falha de cada nível da sociedade, dos pais à polícia, aos amigos, para ajudar e apoiar nossos heróis.

 

Juventude Transviada, dirigido pelo cineasta Nicholas Ray, conta a história de três adolescentes, Jim (Dean), Plato (Sal Mineo) e Judy (Natalie Wood), cujas vidas se entrelaçam no curso de alguns triângulos amorosos e sentimentos de alienação parental. Inicialmente, encontramos os três em uma delegacia, onde cada um dialoga com um psicólogo da polícia (Ed Platt) depois de serem levados em custódia por vários delitos. Apesar de eles ainda não se conhecerem, suas ações nesta noite antecipam o clímax do filme para momentos grandiosos e simplistas.


A mãe e o avô dominadores de Jim, com seu pai acovardado (Jim Backus) de carona, o tiram da prisão – e é digno de nota aqui que esse é um filme sobre a masculinidade, e como tal, trata seus personagens femininos mal, mesmo para os padrões dos anos 50. Logo depois, descobrimos que a família de Jim acabou de se mudar para a cidade, parte por causa da necessidade não explicada de sua mãe de manter a família se mudando. Há a implicação de que eles se mudam para tentar manter Jim longe da delinquência, apesar de que as razões exatas para isso são, sugestivamente, pouco claras. Jim odeia a fraqueza de seu pai e exige a orientação e o apoio que ele não pode dar. De forma parecida, os outros adolescentes são alienados de seus pais. Judy tem um fascínio quase incestuoso por seu pai (menor que no roteiro original!), e ele tenta mantê-la à distância, embora de uma forma quase abusiva, enquanto os pais de Plato o abandonaram.


Quando Jim chega para seu primeiro dia na escola na manhã seguinte, as dinâmicas para o resto do filme são colocadas em seus lugares. Ele é atraído por Judy, que está namorando um membro de gangue chamado Buzz. Jim se torna amigo de Plato, que é obviamente gay, e está apaixonado por Jim, e eu não consigo acreditar em como apenas alguns telespectadores da época conseguiram perceber isso em 1955. Ele tem uma foto em estilo pinup da linda estrela de cinema Alan Ladd colada dentro de seu armário. Plato olha demoradamente para Jim. Durante uma viagem ao observatório Griffith, Plato acaricia de forma amorosa o ombro de Jim. Durante a famosa corrida para a morte entre Jim e Buzz, onde se estabelece a rivalidade porque Buzz questiona a masculinidade de Jim, Plato é visto na típica pose de interesse amoroso, contorcendo suas mãos e rezando pela segurança de Jim enquanto o suposto interesse amoroso, Judy, é brilhantemente indiferente. Depois da corrida, Jim leva Plato – não Judy – de volta para a cidade e Plato faz essa pergunta para Jim: “Ei, você quer vir para casa comigo? Digo, não há ninguém em casa e não estou cansado. Quer?”
 
Plato é um pouco mais jovem que Jim e sua inocência é, às vezes, dolorosa de assistir. Ele diz a Judy que Jim, que ele tinha conhecido desde as 7 ou 8 daquela manhã, é seu “melhor amigo” e que ele deseja que Jim o levasse para sair e o ensinasse a pescar. Ele diz que quer que Jim o ensine porque ele sabe que Jim nunca ficaria bravo com ele quando fizesse alguma gafe. Ele conta a Jim que gostaria que ele fosse seu pai. 
À Plato faltam as palavras para expressar seus sentimentos, então elas saem em uma linguagem sancionada pela sociedade.

 

Mas é igualmente o caso que Jim é atraído por Plato tanto quanto por Judy. Todo outro homem no filme trata Plato com algo entre o desprezo e o ódio homicida. Jim, em contraste, é terno e afetuoso, e parece gostar genuinamente da admiração de Plato, mesmo quando ele se comporta como um filhotinho. Os sentimentos alternados entre filiação, irmandade e amor erótico, o que mais tarde os críticos leem como indeciso, eram na verdade um indicativo de como as pessoas dos anos 50 entendiam o amor entre o mesmo sexo, seguindo as ideias psicanalíticas freudianas sobre a homossexualidade se originar de relacionamentos parentais falhos e dos modelos gregos clássicos, onde essa mistura não era confusa mas idealizada. Plato e Jim têm relacionamentos com seus pais que espelham aqueles dos psicanalistas dos anos 50, que Irving Bieber identificou (erroneamente) como indutores da homossexualidade. O nome de Plato não foi acidental. Sua história espelha e, de alguma forma, inverte o que é dito pelo Platão mais famoso no Simpósio 179e-180b sobre o amor divino entre Pátroclo e Aquiles e, de forma mais genérica, a visão platônica do amor entre os homens em seu ideal mais elevado.


O clímax do filme liga esses fios em uma tragédia clássica. Depois do posicionamento diante de seus pais falhar, Jim tenta fazer a coisa certa e confessa seu papel na morte de Buzz. Mas a gangue de Buzz o vê e acha que ele os está entregando aos policiais. Eles atacam Plato na esperança de rastrear Jim, e Plato imediatamente tenta alertar Jim. Ele encontra Jim e Judy em seu esconderijo, cuja localização ele compartilhou com Jim de forma confidencial, a mansão abandonada Getty, perto do observatório Griffith, e lá os três brincam de casinha – literalmente, não figurativamente – antes de dormirem juntos. Plato quer que eles sejam algo entre uma família substituta e um trisal, e o filme faz o argumento subversivo de que eles poderiam ser felizes dessa forma, se somente a intolerância da sociedade não interferisse.

 










Nossos heróis felizes na mansão abandonada

Essa intolerância vem de duas formas, dos delinquentes juvenis da gangue de Buzz e, também, de figuras de autoridade incompreensíveis, e que, de forma despercebida, reforçam ordens morais inúteis. A gangue de Buzz invade a mansão, e Plato está aterrorizado porque acorda sozinho e pensa que Jim e Judy o abandonaram. Ele atira em um dos membros da gangue e quase atira em Jim antes de correr para o observatório Griffith, onde a polícia o prende. Plato está de coração partido e pensa em suicídio, pronto para morrer pelo que ele não pode ter. Jim e Judy chegam, e Jim tenta desarmar a situação enquanto Judy olha tudo de forma vaga. Sem usar palavras, Plato confessa seu amor por Jim, e Jim faz o mesmo à Plato, trocando sua jaqueta vermelha pela arma de Plato para poder remover as balas. Plato acaricia o casaco amorosamente e o coloca. Novamente, há uma oportunidade final para todos serem felizes juntos, mas a polícia atira e mata Plato, o vendo como uma ameaça, mesmo que, sem saber, ele tinha sido desarmado. Jim disse antes que o fim do mundo poderia chegar ao anoitecer. Plato morre antes do anoitecer e o mundo deles acaba.

 

Jim está absolutamente de coração partido e chora sobre o corpo de Plato, como um marido lamentando sua noiva, ou pai lamentando por seu filho, ou Aquiles chorando por Pátroclo. É a emoção que qualquer um mostra por outra pessoa no filme todo, mas o filme termina em uma nota discordante. Agora que Plato está morto, Jim de repente se transforma. Enquanto o corpo de Plato está sendo transportado na sua frente, ele é todo sorrisos, apresentando Judy para seus pais como sua namorada. Seus pais sorriem. A frase final é uma sentença incompleta na qual os pais parecem expressar seu alívio por Jim ser hétero, afinal. Então, apesar da polícia ter acabado de matar um jovem, a cena do crime é limpa em segundos, o observatório reaberto e a normalidade é restaurada.


É um final tão estranho e incongruente que apenas pode ser entendido como um contraste chocante no estilo de tragédia grega, nos minutos precedentes, para destacar a falsidade dos esforços de Hollywood para confinar o amor em uma caixinha. É como se também o espectador fosse intencionalmente levado a pensar sobre porque esse fim parece tão falso. Na verdade, quase se assemelha a um outro clássico dos anos 50, Vampiros de Almas, do ano seguinte, ou o episódio “A Vida é Boa”, do Twilight Zone. Talvez o último seja uma comparação melhor, com a demonstração do terror reforçando uma conformidade falsamente alegre. A vitória de Judy, que no curso do filme deu seu amor promiscuamente a seu pai, para Buzz e então para Jim, não é um triunfo. (Quando Judy confessa pela primeira vez seu amor a Jim, poucas horas depois de seu último namorado ter morrido, ele responde com “Fico feliz.”) A aceitação precoce da conformidade dos anos 50 ocorre porque os personagens viram como a sociedade pune aqueles que a transgridem.

 

 

Bastidores

 

Minha leitura, sem dúvida, está perto da correta. Ray e Dean tinham envolvimentos românticos com homens e mulheres, e Mineo tornou sua homossexualidade pública logo antes de seu assassinato em 1970. Ray tinha muito orgulho de como ele contou sua história de homossexualidade debaixo do nariz da Warner Bros. “Os Warner não sabiam o que eu estava fazendo”, Ray disse mais tarde. Ele encorajou Dean e Mineo a jogarem com o interesse de Mineo por Dean, e Dean chegou a aconselhar Mineo sobre como tornar a atração de seu personagem por Jim mais óbvia. “Olhe para mim da forma que eu olho para Natalie”, dizem que ele instruiu dessa forma.


Antes de sua morte, Mineo disse que estava orgulhoso de ter interpretado o que ele descreveu com uma leve hipérbole, como o primeiro adolescente gay em um filme. Anos depois, os envolvidos na produção do filme deram a Dean o crédito de codiretor do filme, junto com Ray. Mesmo que isso seja um exagero, os dois homens influenciaram o produto final e o levaram para a mesma direção. Mesmo o escritor do roteiro final, Stewart Stern, que algumas vezes negou qualquer intenção em representar a homossexualidade, admitiu que ele enquadrou a história ao redor dos laços profundos de amor e afeições masculinos que ele testemunhou na Segunda Guerra Mundial, onde “muitas ligações românticas foram formadas à frente de encontros heterossexuais”. Ele chamou Plato de “o personagem bicha”. O ponto, Stern pensou, é que tais ligações eram normais até a idade adulta transformar meninos guerreiros em homens de família.


É claro que Stern pensou que estava roteirizando um filme sobre as vidas de jovens de gangues do interior, e Ray tinha ideias diferentes sobre o que ele colocou no filme. Muito da ênfase de Stern sobre a atividade da gangue, incluindo uma cena de abertura de violência de gangue, foi cortada remodelando o roteiro de Stern em uma história mais ambígua sobre almas perdidas procurando por companhia e afeição, contra as regras da sociedade.

 

Os testes de gravação para o filme que sobreviveram, destacam esse ponto e revela o que uma versão do filme, livre da convenção social e da censura, poderia ter parecido. Em uma filmagem de teste, no set de Um Bonde Chamado Desejo, Dean, Mineo e Wood filmaram a cena da mansão abandonada. Mineo não podia tirar seus olhos de Dean, e eles se provocam e encenam uma briga cheia de risadas. Mineo se inclina e diz suas falas de forma sedutora perto do rosto de Dean. Um Dean risonho retorna o favor um minuto depois, ao rolar com Mineo e despentear seu cabelo de forma ainda mais terna e familiar com Mineo do que em suas cenas de teste com Richard Davalos para A Leste do Éden. Em outra cena, Dean tem seus braços ao redor de Wood e Mineo. Dean se inclina e beija Mineo de forma brincalhona, e Mineo pega o cigarro de Dean e sopra fumaça neste e brinca com a mão de Dean, enquanto Wood fica parada do lado, abaixada sob o braço de Dean. O contraste entre esse ensaio e os testes muito mais profissionais de Dean com os outros atores do filme é claro. Ray sabia o que queria e ele demitiu um ator escalado anteriormente para trazer Mineo a bordo, depois de assistir a performance afetuosa dele e Dean, e a química óbvia deles.

 

 










                                                        

                                                  Cena do teste de gravação de juventude Transviada

 

Há um pouco de ironia ao se definir a história como uma tragédia grega. Os próprios gregos especulavam que Homero tinha se utilizado de um truque parecido ao não usar palavras explícitas para descrever o amor entre Aquiles e Pátroclo. Ésquines, em seu Contra Timarco, poderia estar descrevendo a abordagem de Ray ao explicar Homero: “Ele, de fato, esconde a amor deles e não dá o nome apropriado à afeição entre eles, julgando que a extremidade da afeição entre eles seria inteligível para os homens instruídos de sua audiência”. Quanto mais as coisas mudam, mais você entende.

 

Reação do Público

 

Entretanto, o resultado final é uma resposta muito diferente entre os críticos e espectadores nos anos 50. As audiências gerais e críticos, literalmente, não podiam ver o que estava bem na frente deles. Para ser inteiramente honesto, eu não posso nem compreender como isso é possível, o que é o motivo de eu ter descrito o filme acima em tantos detalhes. As pessoas da época não podiam ser tão ingênuas, podiam? Afinal de contas, em 1954 o psiquiatra Fredric Wertham alegou que Batman e Robin era um “sonho realizado de dois homossexuais vivendo juntos” e Mulher Maravilha era uma servidão lésbica aficionada, alegações que chegaram até o Senado, em audiências famosas sobre o perigo dos quadrinhos e A Sedução dos Inocentes, o título do livro de Wertham. No ano anterior, o presidente Eisenhower baniu os homossexuais do serviço governamental, nos seis anos do Lavender Scare sobre os gays subversivos que, supostamente, ajudavam comunistas.


Enquanto assistia ao filme, continuei a tentar imaginar como seria possível ver aquele filme do começo ao fim e nem uma vez entender por que Plato se preocupa tanto com Jim, ou porque Jim está disposto a arriscar sua vida por Plato e fica perturbado quando ele morre.


Ao fazer uma crítica do filme em outubro de 1955, Robert J. Landry, da Variety, por exemplo, enquadrou o filme inteiro como uma exploração do efeito de pais ruins na propagação do crime nos subúrbios. Ele mencionou Mineo apenas de passagem como “um valor importante” para o filme e nunca falou da ligação entre Plato e Jim. Ele devotou duas vezes mais espaço para os “seios, batom e sentimentos sexuais” de Wood. A nomeação de Mineo para o Oscar pelo papel quase não foi mencionada pela crítica. De forma parecida, considere como Jack Moffit, do Hollywood Reporter, sem emoção, descreve o clímax do filme poucos dias depois:

 

“Temendo que Dean irá até os policiais, um grupo de jovens terroristas batem em Mineo, que se arma com uma pistola e se junta a Dean e Natalie em uma mansão abandonada, para a qual eles fugiram quando ambos perceberam seus pais insensíveis. O assustado Mineo atira em um membro da gangue e é, em retorno, atingido pela polícia. O amor de Dean por Natalie é, no final, visto com simpatia por seus pais.”

 

Ele citou a letra, mas esqueceu da música. O “no final” realmente me mata, já que os pais de Jim não tinham conhecido Judy muito menos ido contra seu namoro. Os pais de Judy não estavam nem envolvidos! Precisa de um talento especial para imaginar uma história que não está lá para evitar ver a que está. Como Landry, Moffit viu o filme como nada mais que um conto melodramático de educação falha.

O New York Times fez melhor que esses outros dois. Bosley Crowther escreveu, em 30 de outubro, que o filme estava lotado de “mentiras” ao alegar “entender” a juventude de hoje. Ele parou logo antes de censurar, mas chamou o filme de uma “distorção desesperada e perigosa” ao acusar os pais e a polícia de forçar jovens à delinquência. Ele não se importou em mencionar Plato de forma alguma, exceto para chamá-lo de “um jovem amigo” cuja morte finalmente convence Jim e Judy a retornar de forma segura para casa. Ele também viu o melhor elemento do filme como a aprovação dos pais pela nova namorada de Jim – que eu lembro a você é retratada como se jogando a qualquer macho alfa mais próximo. Moralidade!

Tais leituras persistiram durante o século XX. O crítico Peter Biskind, em seu livro de 1983 Seeing Is Believing, argumentou que o filme advoga pela conformidade ao celebrar Jim e Judy retornando aos papéis tradicionais de gênero, o qual o comportamento fora da conformidade de gênero do pai feminizado de Jim e dominador da mãe tinha interrompido. Esse é quase literalmente o oposto do significado claro da história e a intenção dos diretores e atores. O crítico popular Leonard Maltin conseguiu ser ao mesmo tempo mais e menos obtuso, resumindo o filme em seu famoso guia de filmes como uma meditação sobre “o conforto encontrado em amizades”. Não posso enfatizar o suficiente que mesmo o Turner Classic Movies, em 2020, descreve o filme todo dessa forma: “Um adolescente alienado tenta lidar com os problemas da vida e um pai que usa avental”.


Então, o que podemos extrair de tais leituras? De um lado, a confusão que os críticos do século XX mostraram é bastante óbvia. Se você não entende ou se nega a acreditar que Plato está apaixonado por Jim, ou que Jim tem pelo menos sentimentos mais que casuais por Plato, então o clímax do filme simplesmente não funciona. É apenas um sensacionalismo melodramático para chocar os valores sem consequências emocionais. É provavelmente por isso que Crowther viu o filme como uma exploração perigosa. Isso também permite ao espectador aceitar o final feliz incongruente como a mensagem real do filme, mesmo que em um nível superficial, e isso é absurdo. Biskind aceitou o absurdo para poder restaurar a heteronormatividade.


Você pode pensar que os críticos estavam simplesmente sendo recatados, mas não é isso que a evidência mostra. Os críticos não tinham problema em identificar temas não saudáveis ou homossexualmente cruéis. O Time, de forma monótona, notou a “homossexualidade reprimida” de The Strange One (1957) sobre um cadete sádico que vitimizava seus colegas de turma. Grupos conservadores que dispararam ataques em filmes anteriores sobre delinquência, como os de Marlon Brando, The Wild One (1953) e Blackboard Jungle (1955), na verdade elogiaram Juventude Transviada por destacar a importância de ter papéis de pais e mães fortes. Se eles tivessem suspeitado de algo desfavorável, eles teriam dito. A Legião Nacional da Decência, por exemplo, condenou Son of Sinbad, de 1955, como um “incitador da delinquência juvenil” e foi contra ambos Blackboard Jungle e The Wild One, mas não viu nada impróprio com Juventude Transviada. O grupo católico lhe deu cinco estrelas, declarando que ele era “moralmente irrepreensível” para crianças pequenas. E se um grupo de extremistas católicos não notou nada gay... Bem, isso diz algo.

 

Essa situação continuou até o século XXI, mesmo com a consciência da diversidade sexual entrando no consenso geral. Ideias antigas precisam de um longo período para serem abaladas. Em 2002, o crítico do Boston Globe, Jay Carr reconheceu as correntes “homoeróticas” subjacentes do filme, que ele chamou de “inconfundíveis”, todavia permaneceu perplexo em porque Judy foi tão pobremente escrita, ou porque o final feliz pareceu tão “forçado”. Porque era quase como se o personagem dela não fosse realmente importante! Levou décadas para Roger Ebert perceber que “Plato é gay e tem uma queda por Jim”. Ao refletir sobre isso em 2005, Ebert viu isso apenas como um momento menor em um filme sobre delinquência juvenil, e sugeriu que Ray não fazia ideia do que seu filme estava dizendo por baixo da superfície e que a história era, em última instância, pouco clara. Ele até declarou que o momento feliz que os jovens compartilham na mansão Getty, rejeitando as normas sociais de comportamento e decoro, foi “mais que esquisita”. O exaustivo The Making of Rebel Without a Cause, de Douglas Rathgeb, apenas menciona a homossexualidade duas vezes, nas duas vezes em avisos dos executivos do estúdio de que o filme poderia ter um toque gay.


Por contraste, o Live Fast, Die Young: The Wild Ride of Making Rebel Without a Cause, de Lawrence Frascella e Al Weisel, publicado no ano seguinte, era muito mais aberto sobre os elementos subversivos sexuais do filme e os elogiava. É do último livro que eu peguei emprestado muito dos fatos que relatei acima. Ele se seguiu de certo número de teóricos homossexuais que identificaram o filme como um momento importante para a representação homossexual em filmes. Essas discussões se tornaram famosas no famoso documentário pioneiro The Celluloid Closet (1995), e o livro de 1981, de Vito Russo, em que foi baseado, permaneceu separado, e de segunda classe, confinado em larga medida fora das discussões dominantes, é o que diz a revisão literária. Entretanto, mesmo que as críticas dominantes agora repitam muitas das primeiras ideias dos teóricos homossexuais, tais análises ainda são encaixotadas como “leitura homossexual”, como identificando que a intenção do diretor era, de certa forma, de menor valor que a construção de uma análise dominante independente ou, como as críticas dos anos 50, imaginando isso indiscriminadamente. A parte mais estranha é quando mesmo escritores recentes continuaram a se referir a Plato com a palavra “codificada”, como se alguém precisasse dizer a palavra mágica “gay” para torná-la real. As ações não são suficientes e isso marca como funciona a fórmula especial da supremacia de uma crença sobre a realidade.

Eu não pude evitar comparar isso com a recente série da Netflix, de Ryan Murphy, The Politician, que também apresentava um triângulo amoroso parecido e terminava em tragédia. Na primavera de 2020, a série argumentou estranhamente que após o personagem de River confessar seu amor por outro garoto e cometer suicídio, ele não era mesmo gay porque não tinha tido sexo anal. Ele era apenas um bom amigo. O programa, então, celebra os personagens sobreviventes ao escolherem relacionamentos heterossexuais. Eu imediatamente pensei no roteirista de Juventude Transviada, Stewart Stern, insinuando que o romance e o amor entre o mesmo sexo não eram realmente homossexuais se os personagens não fizessem sexo. Sessenta e cinco anos depois de Juventude Transviada, de alguma forma, uma produção grande está atualmente promovendo uma visão mais regressiva e menos compassiva que a de um filme dos anos 50. Pelo menos lá atrás, a morte do garoto gay foi uma tragédia ao invés de uma inconveniência.

 

 

OVNIs na Cultura dos Anos 50


Então, o que tudo isso tem a ver com os discos voadores? Pergunte a si mesmo isso: Se as audiências dos anos 50 não podiam intuir corretamente os motivos e sentimentos de seres humanos, porque poderíamos confiar que eles intuiriam os motivos e as intenções de supostos indivíduos de outros mundos que, para cunhar uma frase, são bem mais alienígenas?

 

Como vimos, as reações dos espectadores à Juventude Transviada são muito influenciadas pelas atitudes culturais, valores e crenças. A comparação mais fácil seria dizer que quem acredita em OVNIs está correto, vendo o que as massas cegas não podem ver. Mas essa não é a comparação correta. A observação mais importante é o grau que as expectativas culturais e pontos cegos podem nos prevenir de entender objetivamente o que vemos e como forçamos que isso se conforme com roteiros pré-escritos. Há também uma comparação a ser feita para o porquê o governo e a sociedade ficaram malucos com os discos voadores e o pânico gay aconteceu ao mesmo tempo em 1947 e, eventualmente, os dois foram incluídos sob o medo do comunismo. As comparações não são exatas, e nem sempre são perfeitamente confortáveis, mas elas são, todavia, informativas. Também não é coincidência que o pânico gay, o pânico comunista e o pânico dos OVNIs todos cruzaram seus caminhos na mesa do diretor do FBI J. Edgar Hoover, que viu todos os três como oportunidades para repressão doméstica e foi ele mesmo sujeito de rumores persistentes sobre sua orientação sexual.

 

Pode ser radical sugerir isso, mas não há realmente um fenômeno OVNI como tal. Como os primeiros investigadores dos OVNIs descobriram no verão de 1947 e reportaram para Hoover – alguns meses depois dos primeiros avistamentos – a narrativa dos OVNIs como naves alienígenas foi uma história que o editor de ficção científica Ray Palmer imprimiu no mundo. Palmer era o editor de histórias de ficção científica de Richard Shaver, que falou sobre civilizações perdidas, naves espaciais e encontros alienígenas, e ele os promoveu como não sendo ficção para aumentar as vendas de revistas e obter sucesso financeiro. Depois de Kenneth Arnold ter visto o que foi largamente relatado como sendo discos voadores, Palmer contratou Arnold para escrever para ele e começar a espalhar histórias de que Arnold tinha visto espaçonaves alienígenas e lançou o chamado “The Shaver Mystery”.

Se ele não tivesse feito isso, alguém teria feito, porque a Era de Ouro da Ficção Científica e os personagens como Buck Rogers e Flash Gordon tinham preparado o terreno para a crença em visitantes de outros mundos viajando em naves de metal. Mas aquela preparação cultural não apenas moldou como as pessoas da época interpretaram os discos voadores, mas também parece os ter criado. Sem uma crença cultural em espaçonaves alienígenas, o mito dos discos voadores simplesmente não poderia ter emergido de avistamentos aleatórios de luzes, rochas espaciais, pássaros, fenômenos meteorológicos incomuns, etc. Essas coisas sempre existiram, mas o desenvolvimento de uma expressão cultural primária a partir deles (entre as massas, apesar de obviamente não entre as elites intelectuais) limitaram a diversidade da experiência.
 
Se há uma lição a se aprender dos arquivos de OVNIs dos anos 50, é que não há consistência nas alegações de OVNIs inicialmente. Os discos voadores ficaram populares graças a Arnold, mas ninguém realmente sabia o que devia fazer, então os avistamentos variavam bastante. Alguns eram grandes; outros eram muito pequenos. Em um caso risível de julho de 1947, um disco de papelão, com bateria Ray-O-Vac e um pequeno motor deram início a uma investigação militar e um esforço de quem o achou para ganhar publicidade por ter encontrado um dos “discos” da qual a mídia continuava falando. Ele media 48 cm, e os investigadores do FBI decidiram que uma criança tinha feito aquilo. Luzes, sombras, reflexos de todos os tamanhos e formas de objetos entraram em cena. Nada disso realmente pertencia ao paradigma abrangente dos discos voadores. O investigador francês de fenômenos estranhos, Jacques Vallée, estava pesquisando algo quando notou que elementos do mito OVNI – luzes no céu, seres estranhos, mensagens crípticas, etc. – todos apareceram no passado, apenas não juntos, mas ele estava errado ao pensar que ninguém lá atrás entendeu a real ligação. Eles estavam cegos pela cultura, confundindo um paradigma criado pelo acaso e ficção barata dos anos 40 com a verdade eterna.

 

É senso comum observar que ninguém viu os discos voadores como naves espaciais até que os jornais e filmes começaram a dar às pessoas a linguagem e a estrutura interpretativa para identificar coisas que elas não podiam entender nos céus. Na direção oposta da ampliação dos horizontes sexuais acidentais dos filmes, a convergência das narrativas de Hollywood e da mídia em torno do conjunto de indicadores de naves alienígenas impôs uma ideia cada vez mais uniforme sobre o que poderia ser aceito como um OVNI “genuíno”. Sistematicamente, mas inconscientemente, quem acredita em OVNIs  é podado em uma diversidade de ideias cada vez menor – tudo sem qualquer evidência de fato, apenas os sistemas de crenças que se desenvolveram ao redor da ideia dos OVNIs como naves alienígenas. Coisas que não se encaixavam eram rejeitadas, ignoradas ou forçadas a se conformar, pelo menos até que os OVNIs escaparam do controle de especialistas que se auto denominavam como tal e expandiram até uma gama confusa de ameaças sobrenaturais em décadas recentes. Mas ainda estamos falando dos anos 50.

 

 

Paranoia e Perseguição na América dos Anos 50


Enquanto esse processo estava ocorrendo dentro da ufologia, o processo oposto estava ocorrendo fora da Ufologia. Nos Estados Unidos, expulsar intrusos marcou os anos pós-guerra, enquanto a sociedade parecia passar por uma reversão forçada de volta a um arranjo social pré-guerra idealizado, quase vitoriano. Qualquer coisa que não se encaixasse tinha que ser assimilada ou destruída. O governo dos EUA e seus aliados nos negócios travaram uma guerra contra os comunistas e homossexuais, limpando o governo e a sociedade de sua rejeição ameaçadora das normas sociais do pós-guerra. O senador Joseph McCarthy ligou o comunismo ao pânico aos gays, dizendo ao senado americano que as “reviravoltas mentais peculiares” da homossexualidade tornaram os gays suscetíveis à corrupção comunista. Eisenhower demitiu 5 mil gays (confirmados e suspeitos) do governo e agentes federais foram enviados para repetidos testes de colaboradores em busca de sinais de “perversão” sexual.

 

Enquanto o governo procurava com suspeita por sinais de comunismo, eles também carregavam listas de sinais imaginados de que alguém poderia ser gay. De acordo com uma lista de 1949 de maneiras de identificar homossexuais, publicada na revista Newsweek, agentes procuravam por roupas “afeminadas”, linguagem corporal e sinais sutis de reconhecimento quando o “vocabulário homossexual” era usado. Doze milhões de americanos tiveram que assinar votos de lealdade sexual, atestando sua lealdade à heterossexualidade para manterem seus trabalhos. Os paralelos entre a espionagem interna anti-gay e anti-comunista, e a fama dos infames Homens de Preto da Ufologia estão próximos de forma não confortável, emergindo dos mesmos sentimentos da paranoia os anos 50, quando qualquer desvio da conformidade ou normas sociais era um risco.


Gays, comunistas e alienígenas são todos, fundamentalmente, o mesmo. A guerra dos governos contra a crença em OVNIs é paralela aos outros esforços em purificar a sociedade dos invasores externos. Não há necessidade para ensaiar aqui os esforços do governo para minimizar os avistamentos de OVNIs e para descartar os avistamentos como fenômenos naturais não identificados, etc. Nós todos sabemos que parte desse esforço era para encobrir testes de voo e projetos dos militares e da CIA, como mais tarde o governo admitiu, e que parte disso envolvia operações psicológicas e de propaganda intencionais. Mas isso também fala dos esforços do governo em manter uma imagem de autoridade, estabilidade e controle. Os que acreditavam em OVNIs eram malucos e subversivos, sujeitos ao mesmo tipo de espionagem interna, infiltração e monitoramento que os gays e comunistas. De fato, o governo se preocupava abertamente que os grupos ufológicos fossem frontes comunistas. Em julho de 1947, o FBI se encontrou com o General George F. Schulgen, da Inteligência Aérea do Exército (e mais tarde Chefe do Estado-Maior da Força Aérea), que falou à agência que ele suspeitava que as pessoas que viam discos voadores eram “indivíduos com simpatia comunista, com uma visão para causar histeria coletiva e medo de uma arma secreta russa”. A realidade dos discos voadores – que não havia uma, e eles não eram uma ameaça real – era menos importante do que a crença paranoica de que os invasores de fora da bolha do núcleo das famílias brancas patriotas podiam destruir a América a partir de dentro.


Por volta de 1953, a mídia nacional estava especulando abertamente sobre discos voadores como invasores alienígenas e o governo dos EUA, liderados pela CIA, realizou um esforço formal para combater a crença nos OVNIs, para prevenir o que um memorando de 1952 chamou de “risco de pânico”. O relatório secreto do Painel Robertson, de 1953, concluiu em unanimidade que os OVNIs não eram um perigo para ninguém e, provavelmente, fenômenos naturais, mal entendidos visuais, balões, aeronaves, etc. Mas eles estavam preocupados que a crença pública no mito dos OVNIs era um perigo para a segurança nacional, porque quem acreditava poderia sobrecarregar os sistemas de notificação do governo no caso de uma emergência real, ou deixar a América aberta à “histeria coletiva e grande vulnerabilidade à possível guerra psicológica”. O painel recomendava um programa sustentado de educação pública (ou seja, propaganda) e “desmistificação” para retirar crenças histéricas da sociedade. J. Allen Hynek, alguém que ainda não acreditava em discos voadores, recomendou utilizar astrônomos amadores para “espalhar a mensagem” contra os OVNIs, e o painel definiu um plano para usar Hollywood para combater crenças subversivas. Tais esforços eram essenciais, eles diziam, para a “moral” da nossa nação. Eles podiam também escrever sobre comunistas e gays, cujas aparências já eram estritamente reguladas pelas produções de Hollywood para se conformar ao Código Hays, uma medida cooperativa feita para evitar a censura formal do governo. “Perversão sexual” já estava esquecida, e seria um pouco mais complicado convencer Hollywood a apresentar os OVNIs sob uma ótica de zombaria, também.


A indústria do entretenimento, de forma zelosa, seguiu em todas as frentes, não apenas dos OVNIs, mas também dos comunistas. Comunistas eram excluídos e expurgados. Os filmes apresentavam os discos voadores como alegorias para invasões comunistas, e as companhias de TV, de forma zelosa, transmitiam documentários apresentando a crença em OVNIs como sendo espaçonaves alienígenas como um espaço de malucos e subversivos. O especial sobre OVNIs de Walter Cronkite, de 1966, por exemplo, foi produzido em cooperação com especialistas do Painel Robertson para atenuar o entusiasmo público.

 

Em todos os casos, o resultado foi um fracasso – mas não por um tempo. Eventualmente, quanto mais o governo tentava suprimir e censurar, mais forte a reação contra os esforços deles ricocheteavam. Movimentos de esquerda, liberação sexual, e crenças em OVNIs, todas explodiram nos anos 60. Mas, nos anos 50, parecia que a supressão estava funcionando. Em sua maioria, o povo escolheu seguir a linha do governo, pelo menos em público.

 

 

Ver Sem Acreditar


E muitos nos anos 50 escolheram a ignorância deliberada, não ver o que estava bem diante dos seus olhos. Se você não dissesse a palavra mágica certa, então o que era ruim não existiria e não teria a necessidade de se pensar a respeito. A conformidade é meio que em si uma forma de poder, e escolher acreditar em uma linha partidária ao invés da realidade se tornou um ato de patriotismo – não muito diferente dos eleitores de hoje que, com entusiasmo, repetem as mentiras oficiais do governo e se convencem de que são verdade, até que elas mudem de novo. Meu palpite é que mais pessoas viram e entenderam, mas suprimiram ativamente, ou rejeitaram o que viram, como se assim pudessem manter uma superfície plausível de conformidade. Continuo pensando sobre Robert J. Landry, que imaginou uma história muito diferente para o fim de Juventude Transviada para manter a ilusão. Apenas em 1959, Hollywood revisou o Código Hays para permitir histórias sobre homossexualidade, mas décadas se passariam antes que os filmes, e especialmente a televisão, começasse regularmente a oferecer histórias mais positivas e afirmativas sobre amor entre o mesmo sexo que Juventude Transviada fez em 1955.


Certamente, eu me desviei bastante de onde comecei e terminei, mas eu espero que as ligações estejam suficientemente claras. O que vemos e o que está mesmo lá tem apenas uma ligação parcial, filtrada pelas lentes da cultura, política e crenças. Os anos 50 foram particularmente bons ao pedir que as pessoas substituíssem a realidade com crenças politicamente corretas e tolerância com preconceito. Esses cortes foram tanto a favor ou contra o que hoje podemos identificar como as visões “corretas” sobre sexo, ciência e política, mas os processos são os mesmos não importa em qual direção eles corram.

 

Por mais que alguém queira tentar, é impossível ignorar a profundidade da tessitura intrincada da cultura que une mesmo os elementos aparentemente mais divergentes.
 

Há uma ironia final em tudo isso. Nove anos depois de Juventude Transviada ajudar a criar a exploração do gênero delinquente, The Twilight Zone ofereceu sua própria versão chamada “Black Leather Jackets”. O episódio da quinta temporada mostra seus três delinquentes ameaçadores como Marlon Brando em The Wild One, mas pega emprestado mais de Dean para a retratação de Lee Kinsolving como o sensível Scott, que desenvolve o tipo errado de sentimentos. Ele tem, também, a locação suburbana de Juventude Transviada, e vemos outra história sobre amores cruzados, dessa vez ultrapassando as fronteiras do espaço sideral. É triste que, naqueles anos, era mais fácil aceitar um jovem alienígena do que um homossexual, mas eu não posso deixar passar que “Black Leather Jackets” é um dos quatro episódios de ficção científica da TV que eu identifiquei previamente como de fontes parecidas com a da famosa fantasia de abdução alienígena de Barney Hill, enquanto sob hipnose no começo de 1964. Os relatos de Hill e sua mulher, Betty, de sua suposta abdução por alienígenas em New Hampshire, delimitaram o modelo e serviram como fonte para o mito moderno da abdução alienígena, e até das sondas anais.

 

 












Lee Kinsolving (direita) é um rebelde “alienado” com uma causa em “Black Leather Jackets”

 

Hill descreveu seu abdutor como usando o traje de Kinsolving, uma “jaqueta preta brilhante e cachecol” de “Black Leather Jackets” (e com o chapéu de Brando em The Wild One). Enquanto Kinsolving fazia as cenas do segundo papel que James Dean rejeitou naquele inverno, ele se transformou em um outro amante alienígena em The Outer Limits – um jovem literalmente alienado com problemas com o pai, o que, de novo, era extraído dos mesmos temas de Juventude Transviada. Dessa vez, a história substituiu o subtexto interracial por um filme homoerótico. (O episódio “The Children of Spider County” foi diretamente inspirado pelo romance Odd John, de 1935, sobre um alienígena comunista super gênio!


Kinsolving co-estrelou antes em The Explosive Generation (1961), junto com William Shatner e Billy Gray, de Father Knows Best, com Ed Platt ajudando a consolidar sua ligação com a exploração do gênero adolescente inaugurada por Juventude Transviada. Aquele filme instigou a alienação adolescente e a sexualidade, com uma mensagem mais esperançosa sobre o poder do ativismo jovem para superar a sufocante era da conformidade de Eisenhower – invertendo a análise pessimista de Juventude Transviada sobre os males sociais. Kinsolving, cujo agente foi anteriormente o de Dean, espelhou o estilo de Dean em algum grau, particularmente ao usar piscadas e beijos para transmitir emoção, elementos que ele trouxe de forma mais branda para The Twilight Zone e The Outer Limits. A carreira de Kinsolving atingiu o ápice com uma nomeação ao Globo de Ouro de 1960, mas ele perdeu para, de todas as pessoas, Sal Mineo.


As ligações exploradas aqui podem não ser diretas, mas a linha de influência é marcante, todavia. Ver nem sempre é acreditar, e acreditar pode significar não ver. Afinal de contas, todos se lembram da icônica jaqueta vermelha que James Dean usa em Juventude Transviada como couro vermelho. Mas isso é uma ilusão, criada pelo departamento de marketing da Warner Bros para fotos de publicidade e pôsteres. No filme, é apenas uma jaqueta bomber de nylon vermelha. A ilusão tende a superar a realidade.

 

                                             Tradução: Pamylla Oliveira

 

Artigo original:

jason colavito

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