Autoridades americanas não sabem quem operava os drones que sobrevoaram impunimente um local sensível para a segurança nacional ou como impedi-los
Vista da Base Aérea de Langley, ao anoitecer, do Gosnold's Hope Park, em Hampton
O general da Força Aérea dos EUA, Mark Kelly, não tinha certeza do que fazer com os relatos de que uma frota suspeita de aeronaves não identificadas estava sobrevoando a Base Aérea de Langley, no litoral da Virgínia.
Kelly, um comandante sênior condecorado na base, subiu no telhado de um esquadrão para ver pessoalmente. Ele se juntou a um punhado de outros oficiais responsáveis por um grupo dos caças a jato mais avançados do país, incluindo F-22 Raptors.
Durante várias noites, militares relataram uma misteriosa violação de espaço aéreo restrito sobre um trecho de terra que tem uma das maiores concentrações de instalações de segurança nacional nos EUA. O show geralmente começa de 45 minutos a uma hora após o pôr do sol, outro líder sênior disse a Kelly.
O primeiro drone logo apareceu. Kelly, um piloto de caça de carreira, estimou que tinha cerca de 6 metros de comprimento e voava a mais de 160 km/h, a uma altitude de aproximadamente 900 a 1.200 metros. Outros drones seguiram, um após o outro, soando ao longe como um desfile de cortadores de grama.
Os drones seguiram para o sul, cruzando a Baía de Chesapeake, em direção a Norfolk, Virgínia, e sobre uma área que inclui a base da Seal Team Six, da Marinha, e a Estação Naval de Norfolk, o maior porto naval do mundo.
Vista da Base de Langley, na Virgínia
As autoridades não sabiam se a frota de drones, que chegou a uma dúzia ou mais nas noites seguintes, pertencia a amadores inteligentes ou forças hostis. Alguns suspeitavam que a Rússia ou a China os enviaram para testar a resposta das forças americanas.
A lei federal proíbe os militares de abater drones perto de bases militares nos EUA, a menos que representem uma ameaça iminente. A espionagem aérea não se qualifica, embora alguns legisladores esperem dar aos militares maior margem de manobra.
Os relatos dos drones chegaram ao presidente Biden e levaram a duas semanas de reuniões na Casa Branca, depois que os drones apareceram pela primeira vez em dezembro do ano passado. Autoridades de agências como o Departamento de Defesa, o FBI e o escritório de investigação de OVNIs do Pentágono se juntaram a especialistas externos para apresentar possíveis explicações, bem como ideias sobre como responder.
As incursões de drones em espaço aéreo restrito já estavam preocupando autoridades de segurança nacional. Dois meses antes, em outubro de 2023, cinco drones sobrevoaram um local do governo usado para experimentos com armas nucleares. A Área Protegida para Testes Nucleares de Nevada, do Departamento de Energia, nos arredores de Las Vegas, detectou quatro drones em três dias. Funcionários avistaram um quinto.
Autoridades americanas disseram que não sabiam quem operava os drones em Nevada, uma incursão não relatada anteriormente, ou por qual motivo. Um porta-voz disse que a instalação atualizou um sistema para detectar e combater drones.
Os avistamentos revelaram o dilema de se defender contra drones em solo americano em comparação com a facilidade de implantá-los ou combatê-los no exterior. Os drones se tornaram uma ferramenta de guerra mortal e econômica, capaz de transportar equipamentos de vigilância, explosivos ou produtos químicos letais. No entanto, abater aeronaves suspeitas sobre os EUA corre o risco de interromper ou colocar em risco as vidas de americanos que os militares juraram proteger.
No início do ano passado, um suposto balão espião chinês abarrotado de equipamentos de vigilância eletrônica flutuou pelo país durante oito dias, enquanto os líderes militares esperavam que ele chegasse a um local isolado o suficiente para derrubá-lo com segurança. Depois que o balão chegou à costa sudeste, um jato F-22 de Langley o perfurou com um míssil.
Dez meses depois, a falange de drones apareceu em Langley.
Durante 17 dias, os drones chegaram ao anoitecer, sobrevoaram e retornaram. Alguns brilharam pequenas luzes, fazendo-os parecer uma constelação se movendo no céu noturno — ou um filme de ficção científica, disse Kelly, “Contatos Imediatos em Langley”. Eles também eram quase impossíveis de rastrear, desaparecendo a cada noite, apesar da abundância de recursos implantados para capturá-los.
O general Glen VanHerck, na época comandante do Comando Norte dos EUA e do Comando de Defesa Aeroespacial da América do Norte, disse que os drones foram vistos voando ao redor de instalações de defesa durante anos. Mas os enxames noturnos de drones sobre Langley, ele disse, eram diferentes de qualquer incursão anterior.
General Glen VanHerck chegando para uma reunião a portas fechadas com legisladores para tratar do suspeito balão de espionagem chinês, em 9 de fevereiro do ano passado, em Washington
VanHerck, que liderou a resposta militar ao balão chinês, ordenou que caças a jato e outras aeronaves voassem perto o suficiente para obter pistas dos drones. Ele recomendou que o Secretário de Defesa Lloyd Austin autorizasse um leque completo com opções de espionagem eletrônica e sondagem para descobrir mais, embora o Pentágono seja limitado no que pode fazer em solo americano.
“Se houver objetos desconhecidos na América do Norte”, disse VanHerck, o trabalho é “ir até onde estão e identificá-los”.
Solucionar esse mistério, mesmo para a superpotência mais importante do mundo, provou ser mais fácil dizer do que fazer. A polícia local foi uma das primeiras a tentar.
Por duas noites, começando em 6 de dezembro, em Hampton, Virgínia, os policiais perseguiram os drones, de carro patrulha e a pé, retransmitindo avistamentos momentâneos junto com informações de Langley pelos rádios da polícia: um foi visto na área da Marshall Street ou do Gosnold’s Hope Park.
Mais três pareceram pousar, mas retornaram ao ar antes que os policiais pudessem alcançá-los. Outro pareceu ter pousado no mar. A polícia finalmente desistiu.
O general Kelly, agora aposentado, disse que o Pentágono também estava perplexo.
O que os EUA fariam, ele perguntou, “se isso acontecesse no National Mall?”
Esse relato é baseado em entrevistas com mais de duas dúzias de funcionários do governo e outras pessoas familiarizadas com os eventos, bem como registros policiais, documentos judiciais e fotografias dos drones.
Gosnold’s Hope Park, em Hampton, Virgínia,
onde a polícia acredita que alguns dos drones pousaram brevemente.
VOANDO ÀS CEGAS
O enxame de drones foi relatado ao escritório do Pentágono do Centro Nacional de Comando Militar, que é responsável por dispersar mensagens de emergência para comandantes militares dos EUA em todo o mundo.
Um relatório foi para a Sala de Crise da Casa Branca, e o presidente soube disso em seu briefing diário.
Autoridades americanas não acreditavam que amadores estivessem operando os drones, dada a complexidade da operação. Os drones voavam em um padrão: um ou dois drones de asa fixa posicionados a mais de 30 metros no ar e quadricópteros menores, do tamanho de drones comerciais de 9 kg, geralmente abaixo e voando mais devagar. Ocasionalmente, eles pairavam.
Eles viam do norte por volta das 18:00 para atravessar a base, que fica em uma península na foz da Baía de Chesapeake, e continuavam para o sul, além do alcance do radar. Eles repetiam o padrão e então desapareciam, normalmente à meia-noite.
A Conselheira de Segurança Interna Elizabeth Sherwood-Randall convocou as sessões de análises da Casa Branca. Um oficial sugeriu usar sinais eletrônicos para bloquear os sistemas de navegação dos drones. Outros alertaram que isso poderia interromper os sistemas de emergência locais do 911 e as redes Wi-Fi.
Uma sugestão foi usar energia direcionada, uma tecnologia emergente, para desabilitar ou destruir os drones. Um oficial da FAA disse que tal arma representava um risco muito alto para aeronaves comerciais durante a temporada de viagens de férias de dezembro.
Outros sugeriram que a Guarda Costeira dos EUA atirasse redes no ar para capturar os drones. Um oficial destacou que a Guarda Costeira pode não ter autoridade para usar tal arma neste caso. Além disso, os drones eram muito difíceis de rastrear de perto.
O estaleiro onde os navios avançados da Marinha são construídos em Newport News, Virgínia,
a menos de 20 km da Base Aérea de Langley.
Autoridades de Langley pediram aos navios da Marinha e da Guarda Costeira dos EUA que ficassem de olho nos drones, mas tiveram pouca sorte. Eles eram muito menores do que aeronaves militares e nem sempre apareciam no radar. Os militares tiveram que recalibrar seus sistemas de radar, que foram configurados para ignorar qualquer coisa que se assemelhasse a um pássaro.
Analistas descobriram que os quadricópteros menores não usavam a banda de frequência usual disponível para drones comerciais prontos para uso — mais uma evidência de que os operadores dos drones não eram amadores.
Autoridades de Langley cancelaram missões de treinamento noturnas, preocupadas com possíveis colisões com o enxame de drones, e moveram os caças a jato F-22 para outra base. Moradores da base compartilharam seus avistamentos no Starbucks local e postaram fotos borradas dos drones em grupos privados do Facebook.
Autoridades de inteligência avistaram uma embarcação navegando em águas internacionais na costa da Virgínia e suspeitaram de uma conexão. As equipes da Guarda Costeira abordaram a embarcação, mas não encontraram computadores ou outros equipamentos para dar suporte ao palpite.
Em 23 de dezembro, os drones fizeram sua última visita.
Em janeiro, as autoridades encontraram uma pista que esperavam que desvendasse o caso.
Uma foto tirada em dezembro passado dos drones que sobrevoaram a Base Aérea de Langley,
fornecida por uma testemunha ocular.
O PIOR ESPIÃO DE TODOS OS TEMPOS
Durante uma manhã chuvosa em 6 de janeiro, Fengyun Shi estacionou um Tesla alugado perto da 65th Street e Huntington Avenue em Newport News, Virgínia, a 18 km da Base Aérea de Langley. O carro estava do lado de fora de um estaleiro administrado pela HII, a empresa que constrói submarinos nucleares e a mais nova geração de porta-aviões da Classe Ford da Marinha.
Shi, um estudante da Universidade de Minnesota, disse aos moradores próximos por volta do meio da manhã que estava pilotando um drone que ficou preso em uma árvore. Enquanto ele tentava libertá-lo usando seu controle, um vizinho ligou para a polícia de Newport News, Virgínia. Os policiais perguntaram a Shi por que ele estava operando um drone em um clima tão ruim, e disseram para ele chamar o corpo de bombeiros para obter ajuda.
Shi, em vez disso, devolveu seu carro alugado uma hora depois e pegou um trem da Amtrak para a capital Washington. No dia seguinte, ele voou para Oakland, Califórnia. Por acaso, o drone caiu no chão naquele mesmo dia e acabou nas mãos de investigadores federais. Agentes do FBI descobriram que Shi havia fotografado embarcações da Marinha em doca seca, incluindo fotos tiradas por volta da meia-noite. Algumas estavam em construção no estaleiro próximo.
Uma foto do cartão SIM recuperado do drone operado por Fengyun Shi.
Fengyun Shi em um recente comparecimento ao tribunal em Norfolk, Virgínia.
Em 18 de janeiro, agentes federais prenderam Shi quando ele estava prestes a embarcar em um voo para a China com uma passagem só de ida. Shi disse aos agentes do FBI que era um entusiasta de navios e não percebeu que seu drone cruzou o espaço aéreo restrito. Os investigadores não ficaram convencidos, mas não encontraram nenhuma evidência que o ligasse ao governo chinês. Eles descobriram que ele havia comprado o drone em promoção em uma loja Costco, em São Francisco, um dia antes de viajar para Norfolk.
Promotores americanos acusaram Shi de tirar fotos ilegalmente de instalações navais confidenciais, o primeiro caso envolvendo um drone sob um critério da lei de espionagem dos EUA. O cidadão chinês de 26 anos se declarou culpado e compareceu ao tribunal federal, em Norfolk, em 2 de outubro para ser sentenciado.
O juiz Lawrence Leonard disse que não acreditava na história de Shi — que ele estava de férias e estava pilotando drones no meio da noite para se divertir. “Há buracos significativos”, disse o juiz no tribunal.
“Se ele fosse um agente estrangeiro, seria o pior espião já conhecido”, disse o advogado de Shi, Shaoming Cheng.
“Sinto muito pelo que aconteceu em Norfolk”, disse Shi antes de ser sentenciado a seis meses de prisão federal.
As autoridades americanas ainda precisam determinar quem operou os drones sobre Langley ou por quê.
“Este não é um problema de amanhã, é um problema de hoje”, disse Tom Karako, membro sênior do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, um laboratório de ideias de segurança nacional em Washington. “Não é um problema de lá — é um problema de lá, daqui e de todos os lugares.”
Autoridades americanas confirmaram este mês que mais enxames de drones não identificados foram avistados nos últimos meses perto da Base Aérea de Edwards, ao norte de Los Angeles.
Final da 1st Street N, em Hampton, Virgínia, onde a polícia acredita que
alguns dos drones passaram após deixar a Base Aérea de Langley.
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https://www.wsj.com/politics/national-security/drones-military-pentagon-defense-331871f4