Por
décadas, discos voadores foram uma piada.
Então
o governo dos EUA superou o tabu.
Nos últimos três anos, oficiais de alto escalão admitiram publicamente seu espanto sobre fenômenos aéreos não identificados. Acima: Quatro objetos misteriosos avistados em Salem, Massachusetts, em 1952
No
dia 09 de maio de 2001, Steven M. Greer assumiu o púlpito no Clube Nacional de
Imprensa, na capital Washington, em busca da verdade sobre objetos voadores não
identificados. Greer, médico de um pronto-socorro na Virgínia e ufólogo franco,
acreditava que o governo havia omitido ao povo americano que sabia sobre
visitas alienígenas. Ele fundou o Projeto Disclosure, em 1993, em uma tentativa
de penetrar nos santuários da conspiração. O acerto de contas de Greer naquele
dia contou com cerca de vinte palestrantes. Ele forneceu, em apoio às suas afirmações,
um dossiê de 492 páginas intitulado “Documento Informativo do Projeto Disclosure”.
Para funcionários públicos ocupados demais para absorver um conteúdo tão vasto
de conhecimento suprimido, Greer preparou um “Resumo Executivo do Documento
Informativo do Projeto Disclosure” de 95 páginas. Depois de limpar a garganta,
o “Resumo Executivo” começava com “Um Breve Resumo”, que incluía uma série de
pontos descrevendo o que era o maior segredo da história humana.
Ao
longo de várias décadas, de acordo com Greer, um número incontável de naves
alienígenas foi observado no espaço aéreo do nosso planeta; elas conseguiam
alcançar velocidades extremas sem meios visíveis de sustentação ou propulsão, e
realizar manobras atordoantes em forças G que transformariam um piloto humano
em sopa. Algumas dessas espaçonaves extraterrestres foram “derrubadas,
recuperadas e estudadas desde pelo menos a década de 1940 e, possivelmente, já
na década de 1930”. Os esforços para fazer a engenharia reversa dessas máquinas
extraordinárias levaram a “avanços tecnológicos significativos na geração de
energia”. Essas operações foram, em sua maioria, classificadas como
“ultrassecreto cósmico”, um nível de autorização “38 níveis” acima do
normalmente concedido ao comandante-chefe. Por que, perguntou Greer, essas
tecnologias transformadoras permaneceram ocultas por tanto tempo? Isso era
óbvio. A “ordem social, econômica e geopolítica do mundo” estava em jogo.
A
ideia de que alienígenas visitaram nosso planeta tem circulado entre os
ufólogos desde os anos do pós-guerra, quando um emigrado polonês, George
Adamski, afirmou ter se encontrado com uma raça de venusianos de aparência
nórdica, que foram perturbados pelos efeitos locais e interplanetários de
testes de bomba nuclear. No verão de 1947, uma nave alienígena teria caído
perto de Roswell, no Novo México. Teóricos da conspiração acreditavam que corpos
vagamente antropomórficos haviam sido recuperados lá, e que os destroços do
acidente haviam sido confiados a empreiteiras militares privadas, que correram
para desvendar o hardware alienígena antes que os russos pudessem. (Documentos encontrados
após a queda da União Soviética sugeriam que a ansiedade sobre uma corrida
armamentista sobrecarregada por tecnologia alienígena era mútua.) Tudo isso,
alegaram os ufólogos, foi encoberto pelo Majestic 12, uma organização
para-governamental clandestina sob ordem executiva do presidente Truman. O
presidente Kennedy foi assassinado porque planejava contar a verdade ao
primeiro-ministro Khrushchev; Kennedy revelou o segredo a Marilyn Monroe,
selando assim seu destino. O deputado Steven Schiff, do Novo México, passou
anos tentando chegar ao fundo do incidente de Roswell, apenas para morrer de “câncer”.
O “Resumo
Executivo” de Greer era confuso, mas leitores perspicazes poderiam encontrar
nele respostas para muitas das perguntas mais frequentes sobre os OVNIs -
assumindo, como Greer, que os OVNIs são controlados por extraterrestres. Por
que eles são tão evasivos? Porque os alienígenas estão nos monitorando. Por quê?
Porque eles estão desconcertados com nosso desejo de “armar o espaço”. Nós
atiramos neles? Sim. Devemos atirar neles? Não. Sério? Sim. Por que não? Eles
são amigáveis. Como nós sabemos? “Obviamente, qualquer civilização capaz de
viagens interestelares regulares poderia dar fim à nossa civilização em um
nanossegundo, se essa fosse sua intenção. O fato de ainda estarmos respirando o
ar livre da Terra é um testemunho abundante da natureza não hostil dessas
civilizações extraterrestres”. (Uma pergunta óbvia parece não ter ocorrido a
Greer: por que, se essas espaçonaves são tão avançadas, elas supostamente caem
o tempo todo?)
Na
entrevista coletiva, Greer apareceu com óculos de armação fina, um terno
folgado e fúnebre e uma gravata vermelha torta com um colarinho engomado. “Eu
sei que muitos na mídia gostariam de falar sobre‘ homenzinhos verdes ’”, disse
ele. “Mas, na verdade, o assunto ri porque é muito sério. Eu tive homens
adultos chorando, que estão no Pentágono, que são membros do Congresso, e que
me disseram: ‘O que vamos fazer?’ Aqui está o que faremos. Veremos para que
este assunto seja devidamente divulgado.”
Entre
os outros palestrantes estava Clifford Stone, um sargento reformado do
Exército, que alegou ter visitado locais de quedas e visto alienígenas, tanto
vivos quanto mortos. Stone disse que catalogou 57 espécies, muitas delas humanoides.
“Há indivíduos que se parecem muito com você e comigo, que poderiam andar entre
nós e você nem notaria a diferença”, disse ele.
Leslie
Kean, jornalista investigativa independente e ufóloga novata que havia
trabalhado com Greer, assistia ao processo com inquietação. Ela publicou
recentemente um artigo no jornal Boston Globe sobre um conjunto de
evidências convincentes sobre OVNIs, e ela não conseguia entender por que um palestrante
faria uma afirmação sem fundamento sobre corpos alienígenas quando ele poderia
estar falando sobre dados concretos. Para Kean, o volume de relatos
genuinamente desconcertantes merecia um escrutínio científico,
independentemente de como você se sentia em relação aos alienígenas. “Havia
algumas pessoas boas naquela conferência, mas algumas delas estavam fazendo
afirmações ultrajantes e grandiosas”, disse Kean. “Eu soube então que tinha que
ir embora.” Greer esperava que os membros da mídia cobririam o evento, e cobriram,
com escárnio e zombaria. Ele também esperava que o Congresso realizasse
audiências. Segundo todos os relatos, isso não aconteceu.
Os
ufólogos têm fé perpétua na iminência da Revelação, um termo artístico para a
confissão arrebatadora do governo de seu profundo conhecimento sobre os OVNIs.
Nos anos que se seguiram à coletiva de imprensa, o anúncio esperado foi
aparentemente adiado pelos eventos de 11 de setembro, a Guerra ao Terror e a
crise financeira. Em 2009, Greer emitiu um “Documento Informativo Presidencial
Especial para o Presidente Barack Obama”, no qual afirmou que a inação dos
antecessores de Obama “levou a uma crise não reconhecida que será a maior de
sua presidência.” A resposta de Obama permanece desconhecida, mas em 2011 os ufólogos
entraram com duas petições na Casa Branca, às quais o Gabinete de Política de
Ciência e Tecnologia respondeu que não encontrou nenhuma evidência que
sugerisse que qualquer “presença extraterrestre contatou ou engajou qualquer
membro da raça humana.”
O
governo pode não ter mantido contato regular com civilizações exóticas, mas
estava escondendo algo de seus cidadãos. Em 2017, Kean era a autora de um livro
best-seller sobre OVNIs e era conhecida pelo que ela chamou, pegando emprestado
do cientista político Alexander Wendt, uma abordagem “militantemente agnóstica”
do fenômeno. Em 16 de dezembro daquele ano, em uma matéria de primeira página
do Times, Kean, junto com dois jornalistas do Times, revelou que
o Pentágono administrou um programa de estudo de OVNIs por dez anos. O artigo
incluía dois vídeos, gravados pela Marinha, do que estava sendo descrito nos
canais oficiais como “fenômenos aéreos não identificados”, ou UAPs. Em blogs e
podcasts, os ufólogos começaram a se referir a “dezembro de 2017” como uma
abreviatura para o momento em que o tabu começou a desaparecer. Joe Rogan, o
popular apresentador de podcast, sempre mencionou o artigo, elogiando o
trabalho de Kean por ter precipitado uma mudança cultural. “É um assunto
perigoso para qualquer um, porque você está aberto ao ridículo”, disse ele, em
um episódio de seu podcast. Mas agora “você poderia dizer: ‘Ouça, isso não é
mais algo para se zombar – existe algo aí.’”
Desde
então, funcionários de alto nível admitiram publicamente sua perplexidade em
relação aos UAPs sem vergonha ou desculpas. Em julho passado, o senador Marco
Rubio, ex-presidente em exercício do Comitê Seleto de Inteligência, falou na CBS
News sobre misteriosos objetos voadores em espaço aéreo restrito. “Não
sabemos o que são”, disse ele, “e não são nossos.” Em dezembro, em entrevista
em vídeo com o economista Tyler Cowen, o ex-diretor da CIA John Brennan
admitiu, um tanto tortuosamente, que não sabia bem o que pensar: “Alguns dos
fenômenos que vemos continuam sem explicação e podem, na verdade, ser algum
tipo de fenômeno que é o resultado de algo que ainda não entendemos e que pode
envolver algum tipo de atividade que alguns podem dizer que constitui uma forma
diferente de vida.”
No
verão passado, David Norquist, o Secretário Adjunto de Defesa, anunciou a
existência formal da Força-Tarefa de Fenômenos Aéreos Não Identificados. A Lei
de Autorização de Inteligência de 2021, assinada em dezembro passado, estipulou
que o governo tinha 180 dias para coletar e analisar dados de agências
diferentes. Seu relatório foi apresentado em junho de 2021. Em uma entrevista
recente à Fox News, John Ratcliffe, o ex-Diretor de Inteligência
Nacional, enfatizou que a questão não deve mais ser tomada levianamente.
“Quando falamos de avistamentos”, disse ele, “estamos falando de objetos que
foram vistos por pilotos da Marinha ou da Força Aérea, ou registrados por
imagens de satélite, que francamente se envolvem em ações difíceis de explicar,
movimentos que são difíceis de replicar, para os quais não temos tecnologia, ou
estamos viajando a velocidades que excedem a barreira do som sem um estrondo
sônico”.
Leslie
Kean é uma mulher controlada, com um comportamento sensato e uma nuvem de
cabelos grisalhos encaracolados. Ela mora sozinha em um apartamento de canto
cheio de luz perto do extremo norte de Manhattan, onde, na parede atrás de sua
mesa, há uma imagem em preto e branco emoldurada que parece a ultrassonografia
de um Frisbee. A fotografia foi entregue a ela, junto com a documentação da
cadeia de custódia, por contatos no governo da Costa Rica; em sua opinião, é a
melhor imagem de um OVNI já tornada pública. A primeira vez que a visitei, ela
usava um blazer preto sobre uma camiseta promovendo “O Fenômeno”, um
documentário de 2020 com valores de produção surpreendentemente altos em um
gênero conhecido por imagens granuladas de proveniência duvidosa. Kean é
teimosa, mas modesta, e ela tende a falar do impacto da “história do Times”
e do novo ciclo de atenção para com os OVNIs que inaugurou, como se ela não
tivesse sido sua principal instigadora. Ela me disse: “Quando a história do New
York Times saiu, havia essa sensação de ‘era isso o que os crentes em OVNIs
sempre quiseram.’”
Kean
é sempre assiduamente educada com os “crentes em OVNIs”, embora ela se distancie
do meio ufológico. “Não é necessariamente que o que Greer estava dizendo estava
errado - talvez tenha havido visitas de extraterrestres desde 1947”, disse ela.
“É que você tem que ser estratégico sobre o que diz para ser levado a sério.
Você não coloca ninguém falando sobre corpos estranhos, mesmo que seja verdade.
Ninguém estava pronto para isso; eles nem sabiam que os OVNIs eram reais”. Kean
tem certeza de que os OVNIs são reais. Todo o resto - o que eles são, por que
estão aqui, por que nunca pousaram no gramado da Casa Branca - é especulação.
Kean
se sente mais à vontade nas fronteiras entre o paranormal e o científico; seu
último projeto examina a polêmica bolsa de estudos sobre a possibilidade de
consciência após a morte. Até recentemente, ela temia o momento inevitável nos
jantares, quando outros convidados perguntavam sobre sua linha de trabalho e
ela tinha que resmungar algo sobre OVNIs. “Então eles meio que riam”, disse
ela, “e eu tinha que dizer: ‘Na verdade, há muitas informações sérias’”. Sua
maneira direta e discreta de falar sobre dados incompreensíveis lhe dá um ar de
probidade. Durante minha visita, ao olhar para sua extensa biblioteca de textos
canônicos de ufologia - com títulos como “Contato Extraterrestre” e “Acima do Ultrassecreto”
- ela suspirou e disse: “Infelizmente, a maioria desses não são muito bons”.
Em
seu livro best-seller, “UFOs: Generals, Pilots, and Government Officials Go on
the Record” [OVNIs: Generais, Pilotos e
Oficiais do Governo Vão a Público], publicado em 2010 pela editora Random
House, Kean escreveu que “o governo dos EUA rotineiramente ignora os OVNIs e,
quando pressionado, emite falsas explicações. Sua indiferença e/ou negação são
irresponsáveis, desrespeitosas a testemunhas confiáveis, muitas vezes especialistas,
e possivelmente perigosas”. Seu livro é um lembrete abrangente de que nem
sempre foi assim. Nas décadas após a Segunda Guerra Mundial, cerca de metade de
todos os americanos, incluindo muitos no poder, aceitavam os OVNIs como algo
natural. Kean se vê como guardiã dessa história perdida. Em seu apartamento, um
espaço tranquilo decorado com um Buda birmanês e tigelas de conchas peroladas,
Kean sentou-se no chão, abriu seus arquivos e desapareceu em um monte de
memorandos desclassificados, teletipos quase ilegíveis e cópias amareladas do The
Saturday Evening Post e da Times Magazine apresentando capas de
discos voadores e longos e sérios artigos sobre o fenômeno.
Kean
cresceu na cidade de Nova York, descendente de uma das mais antigas dinastias políticas
do país. Seu avô, Robert Winthrop Kean, cumpriu dez mandatos no Congresso; ele
traçou sua ascendência, do lado paterno, a John Kean, um delegado da Carolina
do Sul do Congresso Continental, e, da mãe, a John Winthrop, um dos fundadores
puritanos da Colônia da Baía de Massachusetts. Ela fala do legado de sua
família em termos bastante abstratos, exceto quando discute o abolicionista
William Lloyd Garrison, bisavô de seu avô, a quem ela considera uma inspiração.
Seu tio é Thomas Kean, que serviu por dois mandatos como governador de Nova
Jersey e passou a presidir a Comissão do 11 de Setembro.
Kean
frequentou a Escola Spence e foi para a faculdade em Bard. Ela tem uma renda
familiar modesta e passou seus primeiros anos de vida adulta como uma “buscadora
espiritual”. Depois de ajudar a fundar um centro Zen no interior do estado de
Nova York, ela trabalhou como fotógrafa no Laboratório de Ornitologia Cornell.
No final dos anos 90, após uma visita à Birmânia para entrevistar presos
políticos, ela tropeçou em uma carreira no jornalismo investigativo. Ela
conseguiu um emprego na KPFA, uma estação de rádio em Berkeley, como produtora
e apresentadora do “Flashpoints”, um programa de notícias de cunho esquerdista,
onde cobria condenações injustas, pena de morte e outras questões de judiciais.
Em
1999, um amigo jornalista em Paris enviou-lhe um relatório de 90 páginas de uma
dúzia de generais franceses reformados, cientistas e especialistas espaciais,
intitulado “Les OVNI et la Défense: À Quoi Doit-On Se Préparer?” - “OVNIs e
Defesa: Para o Que Devemos Nos Preparar?” Os autores, um grupo conhecido como COMETA,
analisaram inúmeros relatos de OVNIs, juntamente com o radar associado e as
evidências fotográficas. Objetos observados de perto por pilotos militares e
comerciais pareciam desafiar as leis da física; os autores observaram sua “velocidade
facilmente supersônica sem estrondo sônico” e “efeitos eletromagnéticos que
interferem com a operação de rádios ou aparelhos elétricos próximos”. A grande
maioria dos avistamentos pode ser rastreada até origens meteorológicas ou
terrestres, ou não pode ser estudada, devido a evidências insignificantes, mas
uma pequena porcentagem deles parece envolver, como o relatório diz, “máquinas
voadoras completamente desconhecidas com desempenhos excepcionais que são guiadas
por uma inteligência natural ou artificial”. O grupo COMETA chegou à conclusão,
através do processo de eliminação, que “a hipótese extraterrestre” era a
explicação mais lógica.
Kean
tinha lido “Comunhão”, de Whitley Strieber, o best-seller cult de 1987 sobre
abdução alienígena, mas até receber as descobertas francesas ela nunca tivera
mais do que um leve interesse em OVNIs. “Eu passei anos na KPFA relatando sobre
os horrores do mundo, injustiça e opressão, e dando voz aos que não têm voz”,
ela lembrou. À medida que ela se familiarizava com a plenitude de episódios
estranhos, era como se ela tivesse visto além de nossa própria realidade
sombria e das limitações do pensamento convencional, e vislumbrasse um cosmos
encantado. “Para mim, isso transcendeu a luta sem fim dos seres humanos”, ela
me disse, durante uma longa caminhada pelo bairro. “Era uma preocupação
planetária”. Ela parou no meio da rua. Gesticulando em direção a um céu
fortemente nublado, ela disse: “Por que deveríamos supor que já entendemos tudo
o que há para saber, em nossa infância aqui neste planeta?”
Um
editor da seção Focus do Boston Globe, que admirava os escritos de Kean
sobre a Birmânia, concordou provisoriamente em trabalhar com ela em uma
história sobre OVNIs. Kean optou por não discutir o assunto com seus colegas da
KPFA, temendo que eles considerassem o assunto, na melhor das hipóteses,
frívolo. Ela tinha certeza, porém, de que qualquer pessoa que tivesse acesso
aos dados e conclusões do relatório francês entenderia por que ela abandonou
todo o resto. Ela se recusou a incluir qualquer aparte de ironia no artigo, que
foi publicado em 21 de maio de 2000, como um resumo direto das investigações do
COMETA. “Mas então, é claro, nada aconteceu”, disse ela. “E foi quando eu
comecei a aprender sobre o poder do estigma”.
“Por que deveríamos supor que já
entendemos tudo?” Diz Leslie Kean.
Alguns
aficionados acreditam que os OVNIs foram documentados desde os tempos bíblicos;
em “The Spaceships of Ezekiel” [As Espaçonaves de Ezequiel], publicado em 1974,
Josef F. Blumrich, um engenheiro da NASA, argumentou que a visão celestial do
profeta de rodas dentro de rodas era um encontro não com Deus, mas com uma nave
alienígena. Em “The UFO Controversy in America” [A Controvérsia dos OVNIs na
América] (1975), David Jacobs escreveu sobre uma série de avistamentos de “dirigíveis”
em todo o país em 1896 e 1897. Naves espaciais, em nossas descrições, sempre
exibiram capacidades um pouco além de nosso horizonte tecnológico, e com nossos
próprios avanços dos tempos de guerra, elas se tornaram incrivelmente
impressionantes. É geralmente aceito que a era moderna dos OVNIs começou em 24
de junho de 1947, quando um aviador particular chamado Kenneth Arnold, enquanto
voava em um CallAir A-2, viu uma formação de nove objetos ondulantes perto do Monte
Rainier. Eles tinham a forma de bumerangues ou raias manta sem cauda e, em sua
estimativa, moviam-se duas a três vezes a velocidade do som. Ele descreveu o
movimento deles como o de um “disco quicando sobre a água”. A manchete de um
jornal evocou “discos voadores”. Até o final do ano, pelo menos 850
avistamentos semelhantes haviam sido relatados no país, segundo um investigador
de OVNIs independente. Enquanto isso, os cientistas afirmaram que discos
voadores não existiam porque eles não poderiam existir. O Times citou
Gordon Atwater, um astrônomo do Planetário Hayden, que atribuiu a enxurrada de
relatos a uma combinação de um “caso leve de nervosismo meteorológico” e “hipnose
coletiva”.
Dentro
dos círculos do governo, a questão de como levar a sério o que eles rebatizaram
de “objetos voadores não identificados” provocou um profundo conflito. Em
setembro de 1947, os relatos recebidos de avistamentos tornaram-se abundantes
demais para serem ignorados pela Força Aérea. Naquele mês, em um comunicado
confidencial, o tenente-general Nathan F. Twining informou ao general
comandante das forças armadas que “o fenômeno relatado é algo real e não
visionário ou fictício”. O “Memorando Twining”, que desde então ganhou estatura
eclesiástica entre os ufólogos, expressou preocupações de que algum rival
estrangeiro - digamos, a União Soviética - havia feito um avanço tecnológico
inimaginável e iniciou um estudo confidencial, o Projeto Sign, para investigar.
Seus funcionários estavam igualmente divididos entre aqueles que pensavam que
os “discos voadores” eram de origem plausivelmente “interplanetária” e aqueles
que atribuíam os avistamentos a uma percepção equivocada desenfreada. Por outro
lado, de acordo com um memorando, 20% dos relatos de OVNIs careciam de explicações
comuns. Por outro lado, não havia evidências de dispositivos - os destroços de
um disco voador acidentado, talvez - e, como um cientista da RAND Corporation
raciocinou, a viagem interestelar era simplesmente inviável.
Mas
coisas inexplicáveis continuaram acontecendo. Em 1948, cerca de um ano após o
avistamento de Arnold, dois pilotos em um Eastern Airlines DC-3 viram uma
grande luz em forma de charuto vindo em direção a eles a uma velocidade
tremenda antes de fazer uma curva incrivelmente abrupta e desaparecer em um céu
claro. Um piloto em um segundo avião e algumas testemunhas em terra deram
relatos compatíveis. Foi a primeira vez que um OVNI tinha sido observado de
perto: os dois pilotos descreveram ter visto uma fileira de janelas conforme ele
passava. Os investigadores do Projeto Sign redigiram um memorando ultrassecreto
da “Estimativa da Situação”, que apoiava a hipótese extraterrestre. Mas,
argumentaram os oponentes, se estivessem aqui, não teriam nos notificado?
Em
julho de 1952, essa notificação formal pareceu ter quase ocorrido, quando uma
frota de OVNIs teria violado o espaço aéreo restrito da Casa Branca. A manchete
do Times lembrava algo saído de um romance de Philip K. Dick: “OBJETOS
VOADORES PERTO DE WASHINGTON AVISTADOS POR PILOTOS E RADAR: A FORÇA AÉREA
REVELA RELATOS DE ALGO, TALVEZ ‘DISCOS VOADORES’, VIAJANDO LENTAMENTE, MAS SALTANDO
PARA CIMA E PARA BAIXO”. A Força Aérea, minimizando o incidente, disse ao
jornal que nenhuma medida defensiva foi tomada, embora posteriormente tenha
sido revelado que os militares haviam enviado jatos para interceptar os
invasores. O General John Samford, Diretor de Inteligência da Força Aérea, deu
a maior entrevista coletiva desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Samford, que
tinha o semblante sério de um homem da lei em um filme de John Ford, semicerrou
os olhos ao se referir a “uma certa porcentagem deste volume de relatos foi
feita por observadores confiáveis sobre coisas relativamente incríveis”.
No
mês de janeiro seguinte, a CIA convocou secretamente um grupo consultivo de
especialistas, liderado por Howard P. Robertson, um físico matemático da
Caltech. O “Painel Robertson” determinou não que estávamos sendo visitados por
OVNIs, mas que estávamos sendo inundados por muitos relatos de OVNIs. Este era
um problema real: se avisos de incursões genuínas sobre o território dos EUA
pudessem ser perdidos em um turbilhão de alucinações excêntricas, poderia haver
consequências graves para a segurança nacional - por exemplo, aviões espiões
soviéticos poderiam operar impunemente. A Guerra Fria tornou crucial que o
governo dos EUA fosse percebido como tendo controle total sobre seu espaço
aéreo.
Para
conter a enxurrada de relatos, o painel recomendou que “as agências de
segurança nacional tomem medidas imediatas para retirar dos Objetos Voadores
Não Identificados o status especial que receberam e a aura de mistério que
infelizmente adquiriram”. Também sugeriu que grupos civis de ufologia fossem infiltrados
e monitorados, e alistassem a mídia no esforço de desmascaramento. A campanha
culminou em um especial de TV de 1966, “UFO: Friend, Foe or Fantasy?” [OVNI:
Amigo, Inimigo, ou Fantasia?], no qual o âncora da CBS Walter Cronkite
pacientemente relegou os OVNIs ao esquecimento da terceira categoria.
Nem
todos os militares se contentaram com essa postura. O vice-almirante Roscoe
Hillenkoetter, o primeiro diretor da CIA, disse a um repórter do Times: “Nos
bastidores, oficiais de alta patente da Força Aérea estão seriamente preocupados
com os OVNIs. Mas, por meio do sigilo oficial e do ridículo, muitos cidadãos
são levados a acreditar que os objetos voadores desconhecidos são um absurdo”.
O
governo manteve um repositório público para os relatos de OVNIs: o Projeto Blue
Book, uma continuação do Projeto Sign, que operava na Base Aérea de
Wright-Patterson, perto de Dayton, Ohio. O Blue Book era uma divisão
escassamente financiada, dirigida por uma série de oficiais de baixa patente
que teriam preferido qualquer outra função. A única presença contínua do
programa, e seu único cientista interno, era um astrônomo do estado de Ohio
chamado J. Allen Hynek, um cético quanto aos OVNIs e ex-membro do Painel Robertson.
Inicialmente, Hynek assumiu uma abordagem de “senso comum”; como ele escreveu
mais tarde, "Eu senti que a falta de evidências ‘concretas’ justificava a
atitude prática ‘simplesmente não pode ser’”. 95% dos supostos OVNIs realmente
tinham uma derivação meteorológica: nuvens incomuns, balões meteorológicos,
inversões de temperatura. Esferas luminosas foram atribuídas a Vênus;
triângulos silenciosos poderiam ter ligação com tecnologia militar secreta. (O
avião espião U-2 e o SR-71 Blackbird eram frequentemente relatados como OVNIs,
uma confusão abraçada pela comunidade de contraespionagem, que estava ansiosa
para manter esses projetos em segredo.) Mas os 5% restantes, apesar dos
melhores esforços do governo, não puderam ser solucionados adequadamente.
Hynek, para sua surpresa, desenvolveu simpatia pelas pessoas que viam OVNIs;
eram muito mais propensas a serem cidadãos respeitáveis e constrangidos do
que excêntricos, embusteiros e “fanáticos por OVNIs”.
Ainda
assim, esperava-se que ele fizesse seu trabalho. A partir de 14 de março de
1966, mais de uma centena de testemunhas em Dexter e arredores, no Michigan,
relataram ter visto luzes brilhantes e grandes formas de bolas de futebol em
baixas altitudes. Hynek chegou para descobrir uma comunidade em um estado de “quase
histeria”. Em uma entrevista coletiva em 25 de março, sob pressão para evitar o
pânico, Hynek atribuiu algumas das visões à lua e às estrelas e outras à
combustão espontânea da vegetação em decomposição, ou “gás do pântano”. O povo
de Michigan considerou isso uma afronta. (“Gás do Pântano” tornou-se uma
metonímia ufológica comum para a ofuscação condescendente do governo.) Gerald
Ford, natural de Grand Rapids e na época líder da minoria da Câmara, convocou
audiências no Congresso, “na firme convicção de que o povo americano merece uma
explicação melhor do que a fornecida até agora pela Força Aérea”. Em depoimento
diante do Comitê de Serviços Armados da Câmara, Hynek recomendou a criação de
um órgão independente para avaliar os méritos do Projeto Blue Book e, finalmente,
resolver a questão da legitimidade dos OVNIs. Em dezessete anos, o Blue Book
revisou aproximadamente 12 mil casos; 701 deles permaneceram sem explicação.
No
final de 1966, Edward U. Condon, um físico da Universidade do Colorado, recebeu
300 mil dólares para conduzir tal estudo. O projeto foi atormentado por brigas
internas, especialmente após a descoberta de um memorando escrito por um
coordenador observando que uma abordagem verdadeiramente desinteressada teria
que permitir o fato de que os OVNIs poderiam existir. Isso estava fora de
questão - seu comportamento não era compatível com nossa compreensão das leis
universais. Os cientistas associados, propôs o coordenador, deveriam enfatizar
aos seus colegas que eles estavam principalmente interessados nas
circunstâncias psicológicas e sociais dos crentes em OVNIs. Em outras palavras,
avistamentos devem ser entendidos como metáforas - para a ansiedade ou
ambivalência da Guerra Fria em relação à tecnologia.
O
“Estudo Científico de Objetos Voadores Não Identificados” de mil páginas, ou
Relatório Condon, como ficou conhecido, foi concluído no final do outono de
1968. Dos 91 casos do Blue Book selecionados para análise, trinta deles
permaneceram mistérios oficiais . Em um incidente “intrigante e incomum” em 1956,
um objeto sobrenaturalmente rápido foi registrado em vários radares perto de
uma base da Força Aérea dos EUA na Inglaterra. Um dos pesquisadores do Condon
escreveu que “o comportamento aparentemente racional e inteligente do OVNI
sugere um dispositivo mecânico de origem desconhecida como a explicação mais
provável para este avistamento”. Como Tim McMillan, um tenente reformado da
polícia que escreve sobre OVNIs e a defesa nacional, me disse: “Você nem mesmo
precisava dos outros 700 casos. Você só precisava de um assim para dizer: ‘Ei,
devemos dar uma olhada nisso’”.
Condon,
que anunciou muito antes da conclusão do estudo que os OVNIs eram um completo
disparate, escreveu o resumo do relatório e sua seção “Conclusões e
Recomendações”. Ele parecia ter apenas uma familiaridade superficial com as
outras 900 páginas do relatório. Como ele disse, “Uma consideração cuidadosa do
registro, uma vez que está disponível para nós, nos leva a concluir que estudos
mais extensos sobre OVNIs provavelmente não podem ser justificados na
expectativa de que a ciência avançará assim”. Crianças em idade escolar, ele
aconselhou, não deveriam receber crédito por trabalhos envolvendo OVNIs. Os
cientistas deveriam levar seus talentos e seu dinheiro para outro lugar. O
Projeto Blue Book foi encerrado em janeiro de 1970.
Em
1972, Hynek publicou “The UFO Experience: A Scientific Inquiry” [A Experiência
OVNI: Um Inquérito Científico], uma autópsia contundente sobre o Blue Book e o
Relatório Condon, e um projeto para pesquisa sistemática. A missão do Blue Book
não era tentar explicar os OVNIs, escreveu ele; em vez disso, tinha sido para desconsiderá-los.
O Relatório Condon, que se concentrava em refutar qualquer conjectura sobre
espaçonaves alienígenas, era ainda pior. Em vez disso, o que era necessário era
uma abordagem agnóstica, tendenciosa a favor nem de naves extraterrestres, nem
do clima ou de Vênus. Os OVNIs, por definição, não eram identificados. Mas,
como Kean escreve em seu livro, o Relatório Condon autorizou cientistas e oficiais
a olhar para o outro lado; enquanto isso, “a mídia pode aproveitar o passeio
enquanto tira sarro dos OVNIs ou os relega à ficção científica”. O Painel
Robertson finalmente teve sucesso em sua missão: “A ‘era de ouro’ das
investigações oficiais, audiências no Congresso, conferências de imprensa,
estudos científicos independentes, grupos de cidadãos poderosos, livros
best-sellers e histórias de capa de revistas chegara ao fim”. Hynek fundou uma
organização independente para continuar suas pesquisas, mas morreu, aos 75
anos, em 1986, sem ter alterado o curso da opinião pública.
Assim
que ficou claro que os OVNIs seriam o trabalho de sua vida, Kean resolveu se
aliar à tradição de pesquisa em que Hynek havia sido pioneiro. Os ufólogos gostavam
de se debruçar sobre certos encontros históricos, como Roswell, onde qualquer
evidência sólida que poderia ter existido havia ficado irremediavelmente
emaranhada na mitologia. Kean escolheu se concentrar nos “casos realmente bons”
que foram relatados desde o encerramento do Blue Book, incluindo aqueles que
envolviam observadores profissionais, como pilotos e, idealmente, várias
testemunhas; aqueles que foram comprovados com fotos ou registros de radar; e
especialmente aqueles em que os especialistas eliminaram outras interpretações.
Um caso que ela estudou envolveu um incidente assustador na Inglaterra em 1980,
conhecido como “Roswell da Grã-Bretanha”, no qual vários oficiais da Força
Aérea dos EUA alegaram ter observado um OVNI de perto, fora da Base Aérea Bentwaters,
da RAF, na floresta de Rendlesham. O subcomandante da base fez uma gravação de
áudio contemporânea. Os detalhes do incidente, conforme descrito no livro de
Kean, são sensacionais, para dizer o mínimo. Outra testemunha, o sargento James
Penniston, disse que chegou perto o suficiente de uma nave triangular
silenciosa para sentir sua carga elétrica e notar os desenhos hieroglíficos
gravados em sua superfície.
Kean
sempre evitou a palavra “revelação”, mas estava claro para ela que, não
obstante o Relatório Condon, o governo havia ocultado um interesse persistente nos
OVNIs. Em 1976, o Major Parviz Jafari, comandante de esquadrão da Força Aérea do
Irã, foi enviado em um jato F-4 para interceptar um diamante brilhante nos
arredores de Teerã, perto da fronteira soviética. Em uma contribuição ao livro
de Kean, Jafari escreveu que, conforme ele se aproximava do objeto, ele estava “piscando
com intensas luzes vermelhas, verdes, laranjas e azuis tão brilhantes que não
fui capaz de ver a fuselagem”. Ele percebeu que suas armas e comunicações de
rádio estavam bloqueadas. Fontes da inteligência americana no Irã descreveram o
incidente em um memorando confidencial de quatro páginas enviado a Washington.
Kean leu para mim uma avaliação anexada ao documento, escrita pelo Coronel
Roland Evans: “Um relatório excelente. Este é um caso clássico, que atende a
todos os critérios necessários para um estudo válido do fenômeno OVNI”. Ela
arqueou a sobrancelha e disse: “Quer dizer, você não vê isso escrito com
frequência em um documento do governo, especialmente quando eles dizem que não
estão interessados”.
Em
2002, Larry Landsman, o diretor de projetos do Sci Fi Channel (agora Syfy),
convidou Kean para liderar um amplo “esforço público para buscar novos
registros do governo em um caso de OVNI bem documentado”, um que poderia
fornecer conteúdo para um especial de TV. Os produtores do Sci Fi contrataram
advogados, pesquisadores e um grupo de relações públicas - a empresa
PodestaMattoon, com sede em Washington. Edwin S. Rothschild, chefe do setor de
energia e meio ambiente da PodestaMattoon na época, lembrou-se de ter dito a
Kean: “A maioria das pessoas pode ter essa ideia de que há algo lá fora, mas
também há quem pense que, se você começar a falar sobre isso, você poderia ser
um maluco”. Ele continuou: “Tínhamos que traçar uma linha firme entre as
pessoas que não teriam credibilidade e aquelas que teriam”.
Kean
escolheu um incidente que ocorreu em Kecksburg, Pensilvânia, um vilarejo rural
a sudeste de Pittsburgh, em 9 de dezembro de 1965, no qual um objeto do tamanho
de um fusca supostamente caiu do céu. Segundo várias testemunhas, a massa em
forma de bolota foi removida da floresta em um caminhão enquanto os militares
guardavam a área com armas. Kean entrou com um pedido pelos arquivos da NASA
pela Lei de Liberdade de Informação, incluindo alguns que ela acreditava conter
informações sobre destroços que foram recuperados do local. A NASA alegou que
os registros relevantes haviam desaparecido em 1987. Após um recurso
infrutífero, Kean entrou com uma ação contra a NASA para forçar seu
cumprimento. Rothschild apresentou Kean a John Podesta, ex-chefe de gabinete do
presidente Clinton, que tinha um interesse bem conhecido tanto pela
transparência do governo quanto pelos OVNIs. Podesta concordou em apoiar
publicamente o processo. O caso se arrastou por quatro anos, até que Kean
ganhou um acordo. Ela recebeu centenas de documentos amplamente irrelevantes.
Podesta me disse: “Houve uma história real lá, e você sabe disso quando as
caixas estão faltando no porão e o cachorro comeu meu dever de casa. Eles
simplesmente se recusaram a admitir o que realmente aconteceu. Eu estava perfeitamente
disposta a acreditar que eram os destroços de um satélite soviético que não
queríamos devolver, mas não havia nada que oferecesse alguma clareza - e depois
de quarenta anos não havia nenhuma razão plausível para eles não confessarem e apenas
dizer o que eles achavam que era.”
Como
Kean descobriu, um legado de paranoia e obstrucionismo da Guerra Fria continuou
a atormentar a questão dos OVNIs. Em 7 de novembro de 2006, por volta das 16h,
um disco giratório de aparência metálica foi visto suspenso a aproximadamente 500
metros acima do Portão C17 no Aeroporto O'Hare de Chicago. O objeto pairou por
vários minutos antes de acelerar em uma inclinação acentuada e deixar “um
círculo quase perfeito na camada de nuvens onde a nave estivera”, como uma
testemunha anônima posteriormente disse. Quando o Chicago Tribune
publicou um relato do avistamento - nem uma única testemunha estava disposta a
declarar oficialmente -, ele se tornou o artigo mais lido no site do jornal até
então. Inicialmente, a Administração Federal de Aviação (FAA) negou ter
qualquer informação sobre o incidente, mas a pressão da mídia trouxe à tona uma
conversa telefônica gravada entre uma supervisora da United Airlines e um
controlador de tráfego aéreo. Na gravação, a supervisora, chamada Sue,
pergunta: “Ei, você viu um disco voador no C17?” Ela é recebida com risos
audíveis. “Um disco... você está vendo discos voadores?”, o controlador pergunta.
Sue responde: “Bem, isso é o que um piloto na área da rampa no C17 nos disse”.
Há uma pausa. “Você está celebrando o Natal hoje?”, o controlador pergunta e
continua: “Não vi nada, Sue, e se visse, não admitiria”.
A
FAA alegou que deve ter sido uma “nuvem perfurada” – uma nuvem cirrocumulus ou altocumulus
nitidamente perfurada com uma lacuna circular, que ocasionalmente aparece em
temperaturas abaixo de zero. De acordo com os meteorologistas entrevistados por
Kean, estava muito quente naquele dia para que ocorressem nuvens perfuradas. O
episódio despertou a indignação de Kean. Como ela colocou em seu livro, “Aqueles
que conhecem os fatos sobre o incidente de O'Hare continuam a desconfiar de
nosso governo, que demonstrou, mais uma vez, que evitará a todo custo lidar com
incidentes de OVNIs”.
Kean
procurou no exterior casos que foram tratados com maior abertura e não teve que
esperar muito. Na segunda-feira, 23 de abril de 2007, um avião de dezoito
passageiros operado pela Aurigny Air Services decolou de Southampton, na
Inglaterra, para um voo de rotina para Alderney, uma das Ilhas do Canal. O
capitão, Ray Bowyer, era piloto profissional há dezoito anos. Na década
anterior, ele havia feito a travessia de 40 minutos sobre o Canal mais de mil
vezes. Naquele dia específico, o avião decolou conforme programado e passou por
uma camada de névoa fina antes de atingir a altitude de cruzeiro. Bowyer ligou
o piloto automático e voltou sua atenção para alguns papéis.
Às
14h06, Bowyer ergueu os olhos e viu uma luz amarela brilhante bem à frente. Ele
primeiro pensou que era a luz do sol refletindo nas estufas de vidro da
indústria de tomate de Guernsey abaixo, mas a luz não piscou. Bowyer pegou seu
binóculo. Com uma ampliação de dez vezes, o brilho amarelo assumiu o contorno
de um objeto corpóreo. Tinha uma forma longa e fina de charuto, com bordas
afiadas e extremidades pontiagudas, como uma roda vista de perfil. Estava
parado e irradiava um brilho que era “difícil de descrever”, Bowyer escreveu
mais tarde, mas ele “conseguiu olhar para essa luz fantástica sem desconforto”.
Momentos depois, ele viu um segundo objeto, que parecia se mover em formação
com o primeiro. O passageiro sentado atrás de Bowyer, cujo nome não foi
divulgado, estendeu a mão para pegar o binóculo emprestado. Três fileiras
atrás, Kate Russell, uma moradora de Alderney, ergueu os olhos de seu livro, e
ela e seu marido viram os objetos “da cor do sol”. Quando o voo pousou em
Alderney, Bowyer arquivou os detalhes com a Autoridade de Aviação Civil (CAA)
da Grã-Bretanha - que tem um sistema de Relatório de Ocorrência Obrigatório -
incluindo um esboço do que ele viu. Em sua opinião profissional, cada um dos
objetos tinha o tamanho de uma “cidade razoavelmente grande”. Ele teve tempo
para uma rápida xícara de chá antes de retornar a Southampton.
Os
jornais locais fizeram referência a “Arquivo X” e a CAA recusou-se a fornecer
mais informações. Uma série de petições pela Lei de Liberdade de Informação
foram feitas por pessoas que regularmente faziam requerimentos sobre OVNIs. Uma
semana após o avistamento, o Ministério da Defesa do Reino Unido concluiu que,
como a posição de voo relatada era no espaço aéreo francês, uma identificação definitiva
não era problema do governo britânico. No entanto, três semanas depois, o
ministério britânico divulgou a documentação disponível, um pacote que incluía
dados de radar corroborantes de um controlador de tráfego aéreo na ilha vizinha
de Jersey e um depoimento de um segundo piloto comercial nas proximidades, que
tinha visto os objetos de uma direção diferente.
Dez
meses depois, David Clarke, um conhecido cético quanto aos OVNIs, junto com
três colaboradores, publicou uma auditoria. O “Relatório sobre fenômenos aéreos
observados perto das Ilhas do Canal, Reino Unido, 23 de abril de 2007” foi
elaborado com a cooperação de dezenas de especialistas na área -
meteorologistas, oceanógrafos, operadores portuários - e vários institutos
franceses e ministérios britânicos, e culminou com dezesseis hipóteses prevalecentes,
classificado por plausibilidade. Em grande parte excluídas estavam as
aberrações atmosféricas como parélio e nuvens lenticulares, e um fenômeno
sismológico extremamente raro e mal compreendido conhecido como “luzes de
terremoto”, no qual a fricção tectônica se expressa em auroras ou esferas
azuladas. O relatório concluiu: “Em resumo, não somos capazes de explicar os
avistamentos do UAP de forma satisfatória”.
Logo
após o encontro de Alderney, Kean começou a trabalhar com James Fox, o diretor do
documentário “O Fenômeno”, para organizar um evento no Clube Nacional de
Imprensa. Ela e Fox escolheram uma data que coincidiu aproximadamente com o
primeiro aniversário do avistamento de O'Hare. Entre os quatorze palestrantes
estavam o major Jafari, da “perseguição aérea acima de Teerã”, e o capitão
Bowyer, a quem Kean encorajou a expor as diferenças que havia observado entre o
tratamento oficial de encontros com OVNIs no Reino Unido e nos EUA. “Eu teria
ficado chocado se soubesse que a CAA obstruísse uma investigação, ou se a CAA
me dissesse que o que eu tinha visto era algo totalmente diferente”, disse
Bowyer no púlpito, contrastando sua experiência com o episódio em O'Hare. “Mas
parece que os pilotos nos EUA estão acostumados com esse tipo de coisa, pelo
que eu sei”.
Nenhum
dos palestrantes fez menção a Roswell, corpos alienígenas, naves de engenharia
reversa ou acobertamentos do governo. Nos dois anos seguintes, Kean coletou suas
histórias e outros relatos para seu livro. Nele, ela argumentou que, por razões
de segurança e para encorajar as pessoas que viram coisas peculiares no céu a
se manifestarem, o governo precisava de algum tipo de agência para investigar
OVNIs. Muitos outros países seguiram o exemplo estabelecido pela França e abriram
e publicaram seus arquivos sobre OVNIs (Reino Unido, Dinamarca, Brasil, Rússia,
Suécia) ou formaram suas próprias organizações oficiais dedicadas ao tema
(Peru, Chile). O problema nos Estados Unidos, na visão de Kean, era que
iniciativas distintas foram conduzidas por indivíduos interessados; não havia
um único órgão para coleta de dados relevantes. Ela se encontrou com seu tio
Thomas Kean para discutir a questão dos OVNIs e sua proposta para uma agência
dedicada, no contexto de sua experiência como presidente da Comissão do 11 de
setembro. Ele me disse: “Como muitos americanos, eu tinha uma curiosidade
imensa sobre os OVNIs. O governo não confessou tudo o que tem.”
O
livro de Kean, que foi elogiado pelo físico teórico Michio Kaku como “o padrão
ouro para a pesquisa ufológica” e para o qual John Podesta contribuiu com um
prefácio, aumentou e expandiu sua influência. Em junho de 2011, Podesta
convidou Kean para fazer uma apresentação confidencial em um think tank
que ele fundou, o Center for American Progress [Centro para o Progresso
Americano]. Ao lado de um físico da Universidade Johns Hopkins e figuras
militares estrangeiras, Kean avisou ao público – oficiais da NASA, do Pentágono
e do Departamento de Transportes, junto com oficiais do Congresso e oficiais da
inteligência aposentados - que o desafio era “desfazer cinquenta anos de
reforço dos UAPs como folclore e pseudociência.”
Podesta
me disse: “Não era um bando de pessoas aparecendo como se estivessem indo para
uma convenção de memorabilia de ‘Guerra nas Estrelas’ - eram pessoas sérias da
área de segurança nacional que queriam respostas para esses fenômenos
inexplicáveis”. Logo após o evento, disse ele, um senador democrata o convidou
para uma reunião. “Achei que seria sobre cupons de alimentos e cortes de
impostos ou qualquer outra coisa, e a porta se fechou e eles disseram: 'Não
quero que ninguém saiba disso, mas estou realmente interessado em OVNIs, e sei
que você está, também. Então, o que você sabe?’”
Em
agosto de 2014, Kean visitou a Ala Oeste para se encontrar novamente com
Podesta, que era então assessor do presidente Obama. Ela reduziu sua
solicitação, propondo que uma única pessoa no Escritório de Política de Ciência
e Tecnologia fosse designada para lidar com a questão. Não deu em nada. Ela
era, no entanto, uma figura bem conhecida no meio ufológico e manteve uma
relação cordial com o Comité de Estudios de Fenómenos Aéreos Anómalos (CEFAA)
do governo chileno. Ela começou a divulgar histórias de seus arquivos de caso
com uma imprudência atípica. O trabalho de Kean neste período, principalmente
publicado no Huffington Post, mostra sinais de agitação e evangelismo.
Em março de 2012, ela escreveu um artigo chamado “OVNI Filmado sobre a Base
Aérea de Santiago”, que se referia a um vídeo fornecido pelo CEFAA. Kean
descreveu o vídeo como mostrando “um objeto em forma de cúpula, de base plana,
sem meios visíveis de propulsão... voando a velocidades muito altas para serem humanas”.
Ela perguntou: “É este o caso que os céticos sobre OVNIs temiam?”
Na
maioria das vezes, as pessoas que não acham que os OVNIs representam uma
categoria significativa de estudo consideram a visão oposta como uma
curiosidade inofensiva. O mundo está cheio de convicções estranhas e
inexplicáveis: algumas pessoas acreditam que deixar seu pescoço exposto no
inverno o deixa doente, e outras acreditam em OVNIs. Mas uma pequena fração de
descrentes, conhecidos como “desmascaradores”, espelham a crença ardente com
dúvida igualmente ardente. Quando Kean escreveu sobre o vídeo do CEFAA, os desmascaradores
aproveitaram a chance para apontar que o objeto no caso que temiam era com toda
a probabilidade uma mosca doméstica ou um besouro zumbindo ao redor das lentes
da câmera. Robert Sheaffer, o dono de um blog chamado Bad UFOs, escreveu
em sua coluna no Skeptical Inquirer: “Na verdade, o fato de um vídeo de
uma mosca voando em círculos estar sendo citado por alguns dos maiores ufólogos
do mundo como uma das melhores imagens de OVNIs de todos os tempos revela como
são extremamente levianas até mesmo as melhores fotos e vídeos de OVNIs”. Kean
consultou quatro entomologistas, que se recusaram a emitir uma posição
categórica sobre o assunto e pediu paciência com a investigação em andamento do
CEFAA.
“Um
cético informado é uma coisa muito diferente de um desmascarador em uma
missão”, ela me escreveu. “Existem muitos por aí que estão em uma missão para
desmascarar os OVNIs a todo custo. Eles não são racionais e não estão
informados”. Kean achava que eles estavam cegos pelo fanatismo. O cético
Michael Shermer, por exemplo, em uma resenha do livro de Kean, aduziu vagamente
que uma onda de triângulos negros silenciosos vistos sobre a Bélgica em 1989 e
1990 eram, provavelmente, bombardeiros secretos experimentais e secretos -
apesar de atestados oficiais de que qualquer governo seria louco em exibir seus
dispositivos mais recentes em áreas densamente povoadas da Europa Ocidental.
A
tendência de desconsiderar ou ignorar fatos inconvenientes é algo que os desmascaradores
e os crédulos têm em comum. Um obstinado pesquisador britânico mostrou de forma
convincente que o caso Rendlesham, ou Roswell da Grã-Bretanha, provavelmente
consistia em uma concatenação de um meteoro, um farol avistado através de
bosques e nevoeiro e os sons estranhos feitos por um cervo-latidor.
Relatos de testemunhas oculares estão sujeitos a muitos embelezamentos ao longo
do tempo, e sequências de coincidências improváveis podem ser facilmente
transformadas em um padrão oculto por uma mente humana propensa a mal-entendidos
e ávida por significado. O pesquisador havia desmistificado exaustivamente o
caso, e fiquei perturbado ao saber que Kean parecia não se incomodar com seu
veredito. Quando perguntei a ela sobre isso, ela fez pouco mais do que encolher
os ombros, como se sugerisse que tais relatos imprecisos violavam a navalha de
Occam. Mesmo que Rendlesham fosse “complexo”, disse ela, ainda era “um dos dez maiores
encontros com OVNIs de todos os tempos”. E, além disso, sempre houve outros
casos. Hynek, em "The UFO Experience", afirmou que avistamentos de
OVNIs representavam um fenômeno que precisava ser considerado em conjunto -
centenas e centenas de histórias incríveis contadas por pessoas críveis.
Muitos
desmascaradores de OVNIs são abertamente hostis, mas Mick West tem um jeito
brando e desarmante, que só ocasionalmente lembra a deferência performativa com
que uma ordenança pode persuadir um paciente de volta à camisa de força. Ele
cresceu em uma pequena cidade industrial no norte da Inglaterra. Sua família
não tinha televisão nem telefone, e ele aprendeu a ler com a coleção de
quadrinhos da Marvel de seu pai. Ele era muito bom em matemática e, depois de
comprar um dos primeiros computadores domésticos com o que ganhava com entrega
de jornais, ficou obcecado por videogames primitivos. Na adolescência, no
início dos anos 1980, ele adorava ficção científica e foi enfeitiçado por uma
revista chamada The Unexplained: Mysteries of Mind, Space and Time [O
Inexplicável: Mistérios da Mente, Espaço e Tempo]. O periódico estava
cheio de histórias “verdadeiras” sobre OVNIs e o paranormal - fantasmas e as
criaturas ameaçadoras da criptozoologia. Ele costumava ficar deitado na cama à
noite, como escreveu em seu livro, "Escaping the Rabbit Hole"
[Escapando da Toca do Coelho], “literalmente tremendo com o pensamento de que
algum alienígena poderia entrar em meu quarto e me levar para longe para
realizar experimentos em mim”. Uma causa particular de terror foi o “encontro
Kelly-Hopkinsville”, um caso de 1955 em que uma casa de fazenda em Kentucky
teria sido atacada por homenzinhos verdes.
À
medida que West foi aprendendo sobre ciência, ele passou a confiar que os
“alienígenas” de Kelly-Hopkinsville provavelmente eram corujas. Em vez de curar
seu interesse pelo paranormal, entretanto, essa compreensão o refinou, e ele
começou a sentir prazer no paciente desmantelamento da lógica doentia. Essa
prática tinha, para West, valor terapêutico e, como adulto, suas ansiedades
infantis se manifestaram apenas em um desconforto vestigial com a escuridão.
Nos anos 90, West mudou-se para a Califórnia, onde foi cofundador de um estúdio
de videogame; ele é mais conhecido como um dos programadores por trás da famosa
franquia Tony Hawk. Em 1999, a empresa para a qual trabalhava foi adquirida
pela Activision e, antes dos 40 anos, ele meio que se aposentou. Ele se viu
envolvido em guerras de edição da Wikipédia sobre tópicos controversos como
homeopatia, presciência científica em textos sagrados e leões vegetarianos. Ele
acabou criando seu próprio site para combater a desinformação generalizada em
torno da doença de Morgellons, uma doença sem base médica estabelecida, que é
caracterizada pela preocupação de que fibras estranhas estejam emergindo da
pele. Então ele começou a debater a teoria dos rastros químicos e a verdade
sobre o 11 de Setembro. Como ele colocou em seu livro, “Uma pequena parte do
motivo pelo qual eu desmascaro agora (e ainda ocasionalmente discuto histórias
de fantasmas) é a raiva pelo medo que esse absurdo instilou em mim quando era
uma criança”.
West
é um homem atencioso e inteligente. Seus e-mails apresentam listas numeradas e gramaticais
e matemática leve. Tudo o que ele me disse foi perfeitamente persuasivo, mas
mesmo uma hora ao telefone com ele me deixou vagamente desmoralizado. Aqueles
que sofrem de Morgellons e são histéricos quanto aos rastros químicos, ele
supôs, ficariam gratos por serem aliviados de seus medos infundados, assim como
ele havia sido libertado do perigo psíquico representado por alienígenas de
fazendas - e ele não via por que os defensores dos OVNIs devem ser diferentes.
Ele parecia incapaz de imaginar que alguém pudesse encontrar consolo na
perspectiva de descentramento de que não estamos sozinhos em um universo sobre
o qual sabemos muito pouco.
Em
2013, West fundou o Metabunk, um fórum on-line onde colaboradores com ideias
semelhantes examinam fenômenos anômalos. Em 6 de janeiro de 2017, outro cético
chamou sua atenção para um artigo de Kean no Huffington Post. No artigo,
“Vídeo Chocante de OVNI Divulgado pela Marinha do Chile”, Kean escreveu em
detalhes sobre um vídeo “excepcional de nove minutos”, filmado em câmeras
infravermelhas de um helicóptero, que O CEFAA estudou por dois anos. West
assistiu ao clipe com uma sensação imediata de reconhecimento. Ele postou o
link no Skydentify, um subfórum do Metabunk, postulando sua teoria de que as
formações estranhas no vídeo eram “rastros aerodinâmicos”, que ele estava
acostumado a ver quando os aviões sobrevoavam sua casa em Sacramento. Em 11 de
janeiro, a comunidade havia verificado que o suposto OVNI era o IB6830, um voo
regular de passageiros indo de Santiago para Madrid.
Investigações
ufológicas podem prosseguir apenas por meio do processo de eliminação, um
estilo de argumento altamente vulnerável a suposições errôneas. Neste caso,
como os participantes do Metabunk extrapolaram, os pilotos do helicóptero
mediram incorretamente a distância e a altitude do OVNI, e possibilidades
viáveis - como ser um avião comercial subindo após a decolagem - foram
prematuramente descartadas. West não ficou surpreso. Embora Kean considere os
pilotos “os observadores mais bem treinados do mundo para tudo o que voa”, até
Hynek determinou, em 1977, que os pilotos são particularmente propensos a
erros. (Ele afirmou, no entanto, que “eles se saem um pouco melhor em grupos.”)
Como West escreveu: “Você não pode ser um especialista no desconhecido”.
Durante
um de meus telefonemas com Kean - distrações muito prazerosas que tendiam a
absorver tardes inteiras - mencionei a ela que tinha estado em contato com Mick
West. Foi a única vez que eu a vi ficar irritada. “Se Mick estivesse realmente
interessado nessas coisas, ele não desmascararia todos os vídeos”, disse ela,
quase com pena. “Ele admitiria que pelo menos alguns deles são genuinamente
estranhos”.
Robert
Bigelow tinha três anos na primavera de 1947, quando seus avós quase foram expulsos
da estrada por um objeto brilhante nas montanhas a noroeste de Las Vegas. O
deserto de Nevada no início da era atômica era um dos poucos lugares em que uma
criança podia ver testes nucleares ou lançamentos de foguetes de seu quintal, e
os sonhos de Bigelow de exploração espacial se misturaram com sua curiosidade
sobre os OVNIs. No final dos anos 70, quando tinha vinte e poucos anos, começou
a investir em imóveis - primeiro em Las Vegas, depois no sudoeste - e acabou
fazendo fortuna com a Budget Suites of America, uma rede de hotéis de beira de
estrada . Mais tarde, ele fundou uma empresa privada, a Bigelow Aerospace, para
construir habitats infláveis para astronautas. Em 1995, ele fundou o
Instituto Nacional de Ciência da Descoberta, que se descreveu como “um
instituto de ciência de financiamento privado, envolvido na pesquisa de
fenômenos aéreos, mutilações de animais e outros fenômenos anômalos
relacionados”. Entre os consultores que ele contratou estava Hal Puthoff, cujo
trabalho em estudos paranormais datava de décadas atrás, para o Projeto
Stargate, um programa da CIA para investigar como a “visão remota”, uma forma
de percepção extrassensorial de longa distância, poderia ser útil na espionagem
da Guerra Fria. No ano seguinte, Bigelow comprou o Rancho Skinwalker, um
terreno de quase 200 hectares algumas horas a sudeste de Salt Lake City,
batizado em homenagem a uma bruxa navajo que muda de forma. Seus proprietários
anteriores descreveram ter sido expulsos por esferas cintilantes, gado
exsanguinado e criaturas lupinas a prova de balas. Em 2004, após uma suposta
diminuição da atividade paranormal doméstica, Bigelow fechou seu instituto, mas
manteve o rancho.
Em
2007, Bigelow recebeu uma carta de um oficial sênior da Agência de Inteligência
de Defesa que estava curioso sobre o Rancho Skinwalker. Bigelow o indicou a um
velho amigo do deserto de Nevada, o senador Harry Reid, o então o Líder da Maioria
no Senado, e os dois homens se encontraram para discutir o interesse comum em
OVNIs. O oficial da DIA mais tarde visitou o Rancho Skinwalker, onde, de uma
larga plataforma de observação no local, ele teria tido um encontro espectral;
conforme descreveu um afiliado de Bigelow, ele viu uma “figura topológica” que “apareceu
no ar” e “passou do formato de pretzel para o formato de tira de Möbius”.
Reid
entrou em contato com o senador Ted Stevens, do Alasca, que acreditava ter
visto um OVNI quando era piloto na Segunda Guerra Mundial, e o senador Daniel
Inouye, do Havaí. Na Lei de Dotações Suplementares de 2008, 22 milhões de
dólares do chamado orçamento negro foram reservados para um novo programa. O
Pentágono não ficou entusiasmado. Como disse um ex-oficial de inteligência:
“Alguns oficiais do governo disseram: ‘Não deveríamos estar fazendo isso, isso
é muito ridículo, é um desperdício de dinheiro.’” Ele continuou: “Então Reid
ligava para eles depois de uma reunião e dizia: ‘Quero que você faça isso. Isso
foi apropriado.’ Foi uma espécie de piada que beirou o aborrecimento e as
pessoas ficaram preocupadas que, se tudo isso fosse divulgado, que o governo
estivesse gastando dinheiro nisso, seria uma história ruim.” O Programa
Avançado de Aplicação de Sistema de Armas Aeroespaciais foi anunciado em um
edital público para examinar o futuro da guerra. Os OVNIs não foram
mencionados, mas, de acordo com Reid, o subtexto era claro. A Bigelow Aerospace
Estudos Espaciais Avançados, ou BAASS, uma subsidiária da Bigelow Aerospace,
foi a única licitante. Quando Bigelow ganhou o contrato com o governo, ele
contatou o mesmo grupo de investigadores paranormais com quem havia trabalhado
em seu instituto. Outros participantes foram recrutados dentro das fileiras do
Pentágono. Em 2008, Luis Elizondo, um oficial de contraespionagem de longa data
que trabalhava no Gabinete do Subsecretário de Defesa para Inteligência e
Segurança, foi visitado por duas pessoas que lhe perguntaram o que ele achava dos
OVNIs. Ele respondeu que não pensava sobre eles, o que aparentemente era a
resposta correta, e foi convidado a aderir.
Bigelow
acredita, como uma fonte me disse, que “há alienígenas andando por aí no
supermercado”. De acordo com um artigo de MJ Banias, no site Debrief, Bigelow
contratou investigadores para examinar relatórios sobre o Skinwalker de
criaturas parecidas com cães que cheiravam a enxofre e duendes com braços
longos e pendentes, bem como atividade de OVNIs perto do Monte Shasta. O
programa parece ter produzido pouco mais do que uma série de 38 artigos, todos públicos,
exceto um, sobre o tipo de tecnologia que um OVNI pode empregar, incluindo
trabalho sobre a viabilidade teórica da dobra espacial e “engenharia métrica do
espaço-tempo”. Os pesquisadores de Bigelow, convencidos de que destroços de
acidente estavam escondidos em algum hangar remoto, queriam acessar os dados
confidenciais do governo sobre os OVNIs. Em junho de 2009, o senador Reid
entrou com um pedido para que o programa recebesse o status de “programa de
acesso especial restrito”, ou SAP. No mês seguinte, a BAASS publicou um
“Relatório de Dez Meses” de 494 páginas. As partes do relatório que vazaram
para Tim McMillan, junto com seções adicionais que pude revisar, eram quase
exclusivamente sobre OVNIs, e as informações fornecidas não se limitavam a
meros avistamentos; incluía uma foto de um suposto dispositivo de rastreamento
que supostos alienígenas teriam implantado em um suposto abduzido. Como um
ex-funcionário do governo me disse: “O relatório chegou aqui e eu li tudo e
imediatamente concluí que divulgá-lo seria um desastre”. Em novembro de 2009, o
Departamento de Defesa negou peremptoriamente o pedido de status de SAP. (Um
representante da BAASS se recusou a comentar para este artigo.)
Logo
depois, Elizondo, o oficial de contraespionagem, foi convidado a assumir o
programa. A partir de 2010, ele transformou um estudo terceirizado de
criptídeos de Utah no Programa Avançado de Identificação de Ameaças
Aeroespaciais, ou AATIP, um esforço interno que focava nas implicações de
segurança nacional de encontros de militares com UAPs. De acordo com Elizondo,
o programa estudou uma série de incidentes em profundidade, incluindo o que
mais tarde ficou conhecido como o “encontro do Nimitz”.
O Grupo
de Batalha do Porta-Aviões Nimitz conduzia operações de treinamento em águas
restritas na costa de San Diego e Baixa Califórnia em novembro de 2004, quando
o avançado radar SPY-1 em um dos navios, o USS Princeton, começou a registrar
algumas presenças estranhas. Elas foram registradas a uma altura de 24 mil
metros, e tão baixo quanto na superfície do oceano. Após cerca de uma semana de
observações de radar, o comandante David Fravor, graduado da escola de elite de
pilotos de caça Topgun e comandante do esquadrão Black Aces, foi enviado em uma
missão de interceptação. Ao se aproximar do local, ele olhou para baixo e viu
uma turbulência na água e, pairando acima dele, um objeto oval branco que
parecia um grande Tic-Tac. Ele estimou que tivesse cerca de 12 metros de comprimento,
sem asas ou outras superfícies de voo óbvias e nenhum meio visível de
propulsão. Parecia quicar como uma bola de pingue-pongue. Dois outros pilotos,
um sentado atrás dele e outro em um avião próximo, deram relatos semelhantes.
Fravor desceu para perseguir o objeto, que reagiu às suas manobras antes de
partir abruptamente em alta velocidade. Após o retorno de Fravor ao Nimitz,
outro piloto, Chad Underwood, foi enviado para fazer o acompanhamento com
equipamentos sensoriais mais avançados. O pod de mira de sua aeronave gravou um
vídeo do objeto. O clipe, conhecido como “FLIR1” – “sensor de visão frontal
infravermelha”, a tecnologia usada para registrar o incidente - apresenta um
minuto e dezesseis segundos de um ponto cinza borrado contra um fundo de cor
metálica; nos segundos finais, o ponto parece superar o rastreamento do sensor FLIR
e faz uma fuga rápida.
A
exposição de Elizondo a casos como o encontro do Nimitz o convenceu de que os
UAPs eram reais, mas a disposição do governo de investir recursos na questão
permanecia incerta. Elizondo tentou várias vezes informar ao general James
Mattis, o Secretário de Defesa, sobre a pesquisa do AATIP, e foi barrado por
subordinados. (O assistente pessoal do general Mattis na época não se lembra de
ter sido abordado por Elizondo.)
Em
4 de outubro de 2017, a pedido de Christopher K. Mellon, um ex-subsecretário
assistente de Defesa para Inteligência, Leslie Kean foi convocada para uma
reunião confidencial no bar de um hotel de luxo perto do Pentágono. Ela foi
saudada por Hall Puthoff, o investigador paranormal de longa data, e Jim
Semivan, um oficial da CIA, que a apresentou a um homem robusto, de pescoço
grosso, tatuado e um cavanhaque aparado chamado Luis Elizondo. O dia anterior
havia sido seu último dia de trabalho no Pentágono. Durante as três horas
seguintes, Kean foi levada através de documentos que provavam a existência do
que foi, até onde todos sabiam, a primeira investigação governamental sobre
OVNIs desde o encerramento do Projeto Blue Book, em 1970. O programa que Kean
passou anos fazendo lobby tinha existido o tempo todo.
Após
a renúncia de Elizondo, ele e outros participantes importantes do AATIP -
incluindo Mellon, Puthoff e Semivan - ingressaram quase imediatamente na To
the Stars Academy of Arts & Science, uma operação dedicada à educação,
entretenimento e pesquisa relacionada a OVNIs, organizada por Tom DeLonge, um
ex-líder da banda pop-punk Blink-182. Mais tarde naquele mês, DeLonge convidou
Elizondo para subir no palco em um evento de lançamento. Elizondo anunciou que
eles estavam “planejando fornecer imagens nunca antes divulgadas de sistemas
reais do governo dos EUA - não fotos borradas de amador, mas dados reais e
vídeos reais.”
Kean
foi informada de que ela poderia ficar com os vídeos, junto com a documentação
da cadeia de custódia, se pudesse publicar uma história no Times. Kean
logo desenvolveu dúvidas sobre DeLonge, depois que apareceu no podcast de Joe
Rogan para discutir sua crença de que o que caiu em Roswell foi um OVNI
construído na Argentina por cientistas nazistas fugitivos, mas ela tinha plena
confiança em Elizondo. “Ele tinha uma gravidade incrível”, disse-me Kean. Ela
ligou para Ralph Blumenthal, um velho amigo e ex-funcionário do Times
trabalhando em uma biografia do psiquiatra de Harvard e pesquisador de abduções
alienígenas John Mack; Blumenthal enviou um e-mail a Dean Baquet, o editor
executivo do jornal, para dizer que queriam publicar “uma história sensacional
e altamente confidencial” em que um “alto oficial da inteligência dos EUA que
se demitiu abruptamente no mês passado” decidiu expor “um programa
profundamente secreto, há muito mitificado, mas agora confirmado”. Depois de
uma reunião com representantes da filial da capital Washington, o Times
concordou. O jornal designou uma correspondente veterana do Pentágono, Helene
Cooper, para trabalhar com Kean e Blumenthal.
No
sábado, 16 de dezembro de 2017, sua história – “AURAS BRILHANTES E ‘DINHEIRO NEGRO’:
O MISTERIOSO PROGRAMA DE ESTUDO DE OVNIS DO PENTÁGONO”- apareceu on-line; foi
impresso na primeira página no dia seguinte. Acompanhando a matéria estavam
dois vídeos, incluindo o “FLIR1”. O senador Reid foi citado como tendo dito: “Não
estou constrangido, envergonhado ou arrependido de ter feito isso”. O Pentágono
confirmou que o programa existia, mas disse que havia sido encerrado em 2012,
em favor de outras prioridades de financiamento. Elizondo afirmou que o
programa havia continuado sem um financiamento contínuo. O artigo não se deteve
na realidade do fenômeno OVNI - o único caso real discutido em alguma extensão
foi o encontro do Nimitz - mas sobre a existência da iniciativa secreta. O
artigo do Times atraiu milhões de leitores. Kean percebeu uma mudança
quase imediatamente. Quando as pessoas perguntavam a ela em jantares o que ela
fazia para viver, elas não riam mais de sua resposta, mas caíam em êxtase. Kean
deu todo o crédito a Elizondo e Mellon por terem se apresentado, mas ela me
disse: “Eu nunca teria imaginado que poderia ter acabado escrevendo para o Times.
É o ápice de tudo que eu sempre quis fazer - apenas este milagre que aconteceu
nesta grande estrada, grande jornada.”
Era
difícil dizer, no entanto, o que exatamente o AATIP havia realizado. Elizondo
passou a apresentar o seriado documental do History Channel “Unidentified”, no
qual ele invoca solenemente seu juramento de segurança como uma frase de
efeito. Ele insistiu comigo que o AATIP havia feito avanços importantes na
compreensão dos “cinco observáveis” do comportamento dos UAPs, incluindo “capacidades
que desafiam a gravidade”, “baixa observabilidade” e “viagem transmídia”.
Quando pressionei para obter detalhes, ele me lembrou de seu juramento de
segurança.
Talvez
sem surpresa para um projeto do Pentágono que começou como uma investigação de
um empreiteiro sobre duendes e lobisomens, e foi reencarnado sob a égide de um
músico mais conhecido por um álbum chamado “Enema of the State”, o AATIP foi
sujeitado a um escrutínio intenso. Kean é inabalável em sua convicção de que
ela e um informante expuseram algo formidável, mas um ex-oficial do Pentágono
recentemente sugeriu que a história era mais complicada: o programa que ela
revelou foi de pouca importância em comparação com o que ela colocou em
movimento. O fascínio generalizado com a ideia de que o governo se preocupava
com OVNIs havia inspirado o governo a, finalmente, se preocupar com OVNIs.
Um
mês após a publicação do artigo do Times, a pasta do Pentágono sobre os
UAPs foi transferida para um oficial de inteligência civil com uma patente
equivalente à de um general de duas estrelas. Este sucessor - que não quis o
nome divulgado, para que os fanáticos por OVNIs não enxameiam sua porta - tinha
lido o livro de Kean. Ele canalizou a cascata de interesse da mídia para
argumentar que, sem um processo para lidar com observações não categorizáveis,
burocracias rígidas negligenciariam qualquer coisa que não segue um padrão. No
auge da Guerra Fria, o governo temia que o barulho de fantasmagoria lúgubre
pudesse abafar os sinais relevantes para a segurança nacional ou mesmo fornecer
cobertura para incursões adversárias; agora, parecia, a preocupação era que
informações valiosas não estavam sendo relatadas. (O encontro do Nimitz não foi
objeto de investigação oficial até anos após o incidente, quando um arquivo perdido
caiu na mesa de alguém que decidiu que ele merecia ser investigado.) “O que
precisávamos”, disse o ex-oficial do Pentágono, “era algo como os centros de fusão
pós-11 de Setembro, onde um cara do DOD pode falar com um cada do FBI e um cara
do NRO - tudo o que aprendemos com a Comissão do 11 de Setembro.”
No
verão de 2018, o sucessor de Elizondo brandiu o artigo de Kean para apresentar
este caso aos membros do Congresso. De acordo com o ex-funcionário do
Pentágono, um membro do Comitê de Serviços Armados do Senado inseriu uma pauta
no anexo secreto da Lei de Autorização de Defesa Nacional de 2019, aprovada em
agosto de 2018, que obrigava o Pentágono a continuar as investigações. “A
questão dos UAPs está sendo levada muito a sério agora, mesmo em comparação com
o que acontecia há dois ou três anos”, disse o ex-oficial do Pentágono.
A
atividade se intensificou. Em abril de 2019, a Marinha revisou suas diretrizes
oficiais para pilotos, incentivando-os a relatar UAPs sem medo de desprezo ou
censura. Em junho, o senador Mark Warner, da Virgínia, admitiu ter sido
informado sobre a questão dos UAPs. Em setembro, um porta-voz da Marinha
anunciou que o vídeo “FLIR1”, junto com dois vídeos associados a avistamentos
na Costa Leste em 2015, mostrava “incursões em nossos campos de treinamento
militar por fenômenos aéreos não identificados”. O rótulo “não identificado”
recebeu um aval institucional.
Os
desmascaradores não ficaram impressionados com a designação e o trabalho deles
continuou em ritmo acelerado. Mick West dedicou vários vídeos do YouTube à sua
afirmação de que o “FLIR1” mostra, com toda a probabilidade, um avião distante.
Ele afirmou que o restante das evidências disponíveis do encontro do Nimitz era
ainda mais instável: ele suspeita que as presenças captadas pelo USS Princeton
eram, provavelmente, pássaros ou nuvens, registrados por um sistema de radar
novo e provavelmente mal calibrado – o USS Roosevelt, na Costa Leste, também
recebeu uma atualização tecnológica antes de uma série de avistamentos
semelhantes em 2014 e 2015 - e que o objeto em forma de Tic-Tac que o
comandante Fravor viu era algo como um balão-alvo. Ele não tem explicação para
o que os outros pilotos viram, mas aponta que as percepções estão sujeitas à
ilusão e a memória é maleável.
Nossos
melhores pilotos e operadores de radar foram tão ineptos que foram incapazes de
reconhecer um avião em espaço aéreo restrito? Ou o governo estava usando a
palavra “não identificado” para ocultar algum programa altamente confidencial
que um ramo das Forças Armadas estava testando sem se preocupar em notificar os
pilotos do Nimitz? O ex-oficial do Pentágono me garantiu que West “não sabe
toda a história. Há dados que ele nunca verá - há muito mais que eu definiria
como confidencial.” Ele continuou: "Se Mick West alimenta o estigma que
permite que um adversário em potencial voe por todo o seu quintal, então, legal
- só porque parece estranho, acho que vamos ignorar.”
O
objetivo de usar o termo “não identificado”, disse ele, era “ajudar a remover o
estigma”. Ele me disse: “Em algum momento, precisávamos apenas admitir que
existem coisas no céu que não podemos identificar.” Apesar do fato de que a
maioria dos adultos carrega uma tecnologia de câmera excepcionalmente boa em
seus bolsos, a maioria das fotos e vídeos de OVNIs permanece irritantemente
indistinta, mas o ex-oficial do Pentágono deu a entender que o governo possui
importante documentação visual; Elizondo e Mellon disseram a mesma coisa. De
acordo com Tim McMillan, nos últimos dois anos, os investigadores de UAPs do
Pentágono distribuíram dois documentos secretos de inteligência, em redes
seguras, que supostamente contêm imagens e vídeos de espetáculos bizarros,
incluindo um objeto em forma de cubo e um grande triângulo equilátero emergindo
do oceano. Um relatório abordou o assunto de tecnologia “alienígena” ou “não
humana”, mas também forneceu uma litania de possibilidades prosaicas. O ex-oficial
do Pentágono advertiu: “’Não identificado’ não significa homenzinhos verdes -
apenas significa que há algo lá.” Ele continuou: “Se tudo o que vimos são
balões meteorológicos ou um quadricóptero projetado para se parecer com outra
coisa, ninguém vai perder o sono por causa disso.”
Elizondo
nunca falou com Mattis, mas seu sucessor conseguiu apresentar informações a
Mark Esper, o Secretário de Defesa, bem como ao diretor de Inteligência
Nacional, ao Comitê Seleto de Inteligência do Senado, ao Comitê de Serviços
Armados do Senado e a vários membros do Estado-Maior Conjunto. Autoridades do
governo no Japão divulgaram posteriormente à mídia que haviam discutido o
assunto em uma reunião com Esper em Guam. Quando perguntei ao ex-oficial do
Pentágono sobre outros governos estrangeiros, ele hesitou e depois disse: “Não
teríamos avançado sem informar os aliados próximos. Isso era maior do que o
governo dos EUA.”
Em
junho de 2020, o senador Marco Rubio acrescentou uma pauta à Lei de Autorização
de Inteligência de 2021 solicitando - embora não exigindo - que o Diretor de
Inteligência Nacional, junto com o Secretário de Defesa, produzisse “uma
análise detalhada de dados de fenômenos aéreos não identificados e relatórios
de inteligência.” Essa pauta, que lhes permitiu 180 dias para elaborar o relatório,
baseou-se muito nas propostas de Mellon, e estava claro que esse esforço
conjunto, pelo menos em teoria, era uma interação mais produtiva e mais
econômica da visão original para o AATIP. Mellon me disse: “Isso cria uma
abertura e uma oportunidade, e agora o objetivo é garantir que não deixemos
essa janela se fechar.”
Ainda
assim, o ex-oficial do Pentágono me disse que “foi só em agosto de 2020 que o
esforço se tornou real.” Naquele mês, o Subsecretário de Defesa, David
Norquist, anunciou publicamente a existência da Força-Tarefa de Fenômenos
Aéreos Não Identificados, cujo relatório foi divulgado em junho de 2021. A Lei
de Autorização de Inteligência foi finalmente aprovada em dezembro. O ex-oficial
do Pentágono teme que o apetite por revelações tenha sido indiferentemente
alimentado. “O público, eu espero, não espera ver as joias da coroa”, disse
ele.
West
estava indiferente. “Eles são apenas fãs de OVNIs”, disse ele sobre Reid e
Rubio. “Eles estão convencidos de que há algo de errado nisso e estão tentando
forçar a revelação”. O ex-oficial do Pentágono admitiu que havia “muitos
governantes entusiastas do assunto que assistem ao History Channel e consomem
essas coisas 24 horas por dia, 7 dias por semana.” Mas, disse ele, o clima
atual não foi de forma alguma definido por “um pequeno grupo de crédulos.”
Praticamente
todos os astrobiólogos suspeitam que não estamos sozinhos. Seth Shostak, o
astrônomo sênior do Instituto SETI, apostou que encontraremos provas
incontestáveis de vida inteligente até 2036. Os astrônomos determinaram que
pode haver centenas de milhões de exoplanetas potencialmente habitáveis
apenas em nossa galáxia. A viagem interestelar por seres vivos ainda parece
uma possibilidade extremamente remota, mas os físicos sabem desde o início dos
anos 90 que a viagem mais rápida do que a luz é possível em teoria, e novas
pesquisas trouxeram isso um pouco mais perto de ser alcançável na prática.
Esses avanços - junto com a inferência adicional de que a nossa civilização é
medíocre ou mesmo inferior, que poderia estar milhões ou bilhões de anos atrás
de nossos vizinhos distantes - emprestaram uma plausibilidade básica à ideia de
que os OVNIs têm origens extraterrestres.
Tal
perspectiva, como escreveu Hynek em meados dos anos 80, “superaquece os
circuitos mentais humanos e explode os fusíveis em um mecanismo de proteção
para a mente”. Sua influência desestabilizadora era clara. Eu começaria
entrevistas com fontes que pareciam lúcidas e prudentes e que insistiam, como
Kean, que estavam interessadas apenas em dados verificados e que usavam o termo
“OVNI” no sentido estritamente literal - se os objetos eram espaçonaves, drones
ou nuvens, simplesmente não sabíamos. Uma hora depois, eles me revelariam que
os alienígenas viveram em bases secretas sob o oceano por milhões de anos,
alteraram geneticamente os primatas para se tornarem nossos ancestrais e
ensinaram matemática aos sumérios.
Desde
2017, Kean cobre o assunto dos OVNIs para o Times, compartilhando autoria
com Ralph Blumenthal em um punhado de histórias. Eles ficaram longe de pilares
do gênero como os agroglifos e as Linhas de Nazca, mas o artigo mais recente
deles, publicado em julho passado, foi para um território marginal. Nele, eles se
referiam a “uma série de slides de acesso público” de proveniência um tanto
incerta, mas, aparentemente, mostrados em briefings do Congresso, que
mencionavam veículos “de outro mundo” e “recuperação de acidentes”. Kean me
disse de uma forma estranhamente hesitante, mas ainda assim prosaica, que ela
havia começado a aceitar a ideia de que fragmentos de OVNIs foram acumulados em
algum lugar. Em 2019, Luis Elizondo sugeriu a Tucker Carlson que tais detritos
existiam. (Ele então rapidamente invocou seu juramento de segurança.) Kean
citou Jacques Vallée, talvez o mais famoso ufólogo vivo, e em quem foi baseado
o personagem de François Truffaut em “Contatos Imediatos do Terceiro Grau”, que
tem trabalhado com Garry Nolan, um imunologista de Stanford , para analisar o
suposto material de uma queda para publicação científica. (Vallée se recusou a
falar sobre isso oficialmente, temendo que isso pudesse prejudicar o processo
de revisão por pares, mas me disse: “Esperamos que seja o primeiro caso de OVNI
publicado em uma revista científica referenciada.”)
Na
história, Kean e Blumenthal escreveram que Harry Reid “acreditava que haviam
ocorrido acidentes com veículos de outros mundos e que os materiais recuperados
foram estudados secretamente por décadas, muitas vezes por empresas
aeroespaciais sob contratos governamentais.” No dia seguinte à sua publicação,
o Times teve de anexar uma errata: o senador Reid não acreditava que os
destroços do acidente tivessem sido alocados para estudo por empreiteiros
militares privados; ele acreditava que OVNIs podem ter caído e que, se
sim, deveríamos estudar os destroços. Quando perguntei a Reid sobre a
confusão, ele me disse que admirava Kean, mas que nunca tinha visto nenhuma
prova de destroços - algo que Kean nunca havia realmente afirmado. Ele não
deixou dúvidas em nossa conversa quanto à sua avaliação pessoal. “Disseram-me
durante décadas que a Lockheed tinha alguns desses materiais recuperados”,
disse ele. “E tentei obter, pelo que me lembro, uma aprovação secreta do Pentágono
para que eu desse uma olhada nas coisas. Eles não aprovariam isso. Eu não sei
quais eram todos os números, que tipo de classificação era, mas eles não me
deram isso.” Ele me disse que o Pentágono não havia dado um motivo. Eu
perguntei se era por isso que ele havia solicitado o status de SAP para o AATIP.
Ele disse: “Sim, é por isso que eu queria que eles dessem uma olhada nisso. Mas
eles não me deram a autorização.” (Um representante da Lockheed Martin
recusou-se a comentar este artigo.)
O
ex-oficial do Pentágono me disse que considerou as evidências de Kean
insuficientes. “Há termos nos slides de Leslie que não usamos - coisas que
nunca diríamos”, disse ele. “Não passa no teste de cheiro.” Mas, quando
perguntei se ele achava que poderia haver destroços recuperados em algum lugar,
ele parou por um tempo surpreendentemente longo. Ele finalmente disse: “Eu não
poderia dizer sim, como Lue” - Luis Elizondo - “disse. Sinceramente não sei.”
Ele continuou: “Existem caras que passaram suas vidas estudando coisas como
Roswell e morreram sem respostas. Todos nós vamos morrer sem respostas? ”
Nem
todo mundo precisa de respostas ou espera que o governo as forneça. Em
fevereiro, conversei com Vincent Aiello, um podcaster e ex-piloto de caça, que
servia no Nimitz na época do encontro. Ele me disse que a impressão
generalizada da história do comandante Fravor naquela época, treze anos antes
de se tornar uma sensação nos noticiários, era que parecia muito distante, mas
que a fofoca e as risadas no navio cessaram depois de um ou dois dias. “A
maioria dos aviadores militares tem um trabalho a fazer e o faz bem”, disse
ele. “Por que perseguir os grandes mistérios da vida quando é para isso que
serve Geraldo Rivera?”
Os
mistérios não deram sinal de que diminuiriam. No início de abril, o eminente
jornalista de assuntos ufológicos George Knapp, junto com o documentarista
Jeremy Kenyon Lockyer Corbell, mais conhecido por sua participação em uma
cruzada mal gerida para “invadir” a Área 51 de Nevada, divulgou um vídeo e uma
série de fotos que, aparentemente, vazaram dos relatórios confidenciais de
inteligência da Força-Tarefa de UAPs. O vídeo, feito com óculos de visão
noturna, mostra três triângulos no ar, piscando intermitentemente com uma
incandescência assustadora enquanto giram contra um céu estrelado. Kean me
mandou uma mensagem: “Dando um grande furo”. Ela estava tentando descobrir toda
a história do vídeo, mas duvidava que qualquer uma de suas fontes estaria
disposta a autenticar algo tão quente. No dia seguinte, o Departamento de
Defesa confirmou que o vídeo era real e disse que havia sido feito por
militares da Marinha. Mick West argumentou, de forma persuasiva, que as
pirâmides eram um avião e duas estrelas, distorcidas por um artefato de lente.
Kean, por sua vez, me disse que ela estava “apenas começando a analisar a
situação”, mas disse que West estava “sendo razoável”. O Pentágono recusou mais
comentários.
O
governo pode ou não se preocupar em solucionar o enigma dos OVNIs. Mas, ao
erguer as mãos e admitir que há coisas que simplesmente não consegue entender,
ele relaxou o controle do tabu. Para muitos, isso tem sido um conforto. Em
março, conversei com um tenente-coronel da Força Aérea que disse que há cerca
de uma década, durante o combate, ele teve um encontro prolongado com um OVNI,
que foi captado por dois dos sensores de seu avião. Por todos os motivos
usuais, ele nunca relatou oficialmente o avistamento, mas, de vez em quando,
ele contava o episódio a um amigo próximo durante uma cerveja. Ele não quis seu
nome revelado. “Por que estou lhe contando essa história?”, ele perguntou.
“Acho que só quero disponibilizar esses dados - espero que isso ajude outra
pessoa de alguma forma.”
O
objeto que ele encontrou tinha cerca de 12 metros de comprimento, desobedecia
aos princípios da aerodinâmica como ele os entendia e parecia exatamente com um
Tic-Tac gigante. “Quando a história do comandante Fravor saiu no New York
Times, todos os meus amigos ficaram de queixo caído. Até meu antigo chefe
me ligou e disse: ‘Eu li sobre o Nimitz e queria dizer que sinto muito por ter
chamado você de idiota.’”
* * *
Tradução: Tunguska
Fonte: newyorker
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