terça-feira, 12 de julho de 2022

Entendendo o Não Identificado


Michael Shermer

 

Uma vantagem de ter trabalhado no ramo cético por 30 anos é a memória institucional que me permite colocar afirmações e controvérsias atuais no contexto histórico. Então, quando o New York Times publicou seu artigo sobre “O Misterioso Programa de Estudo de OVNIs do Pentágono” em dezembro de 2017, e o 60 Minutes da CBS noticiou que “OVNIs são avistados regularmente no espaço aéreo restrito dos EUA” em maio de 2021 – as notícias abrangendo a última onda de aparentes avistamentos – imediatamente me lembrei de ondas semelhantes que remontam aos relatos da década de 1890 de “aerostatos misteriosos” (mais tarde identificados como dirigíveis). A descrição dos relatos de 1896 a 1897 apresentada pelo historiador Mike Dash em seu livro Borderlands: The Ultimate Exploration of the Unknown [Fronteiras: Uma Exploração Completa do Desconhecido] soará familiar para aqueles energizados pela última rodada de vídeos de OVNIs:

 

Não apenas [os misteriosos aerostatos] eram maiores, mais rápidos e mais robustos do que qualquer coisa produzida pelos aviadores do mundo; eles pareciam ser capazes de voar distâncias enormes, e alguns estavam equipados com asas gigantes... Os arquivos de quase 1.500 jornais de todos os Estados Unidos foram vasculhados em busca de relatos, um feito surpreendente de pesquisa. A conclusão geral dos investigadores foi que um número considerável de avistamentos mais simples eram erros de identificação de planetas e estrelas, e um grande número dos mais complexos era o resultado de trotes e brincadeiras. Um pequeno resíduo permanece intrigante.

 

 

Resíduos e distorções

 

A qualificação final de “pequeno resíduo” sugere uma realidade em todas as investigações céticas e científicas. Nenhuma hipótese ou teoria em qualquer campo é responsável por 100% dos fenômenos sob investigação. O “problema do resíduo” significa que não importa quão abrangente seja uma teoria, sempre haverá um resíduo de anomalias que ela não pode explicar. O caso mais famoso da história da ciência é que a teoria gravitacional de Newton não poderia explicar a precessão da órbita do planeta Mercúrio, posteriormente explicada pela teoria da relatividade de Einstein. A teoria da evolução de Darwin por meio da seleção natural não poderia explicar anomalias como a cauda grande e colorida do pavão (que seria um alvo para os predadores), mas sua teoria da seleção sexual sim, demonstrando como as fêmeas escolhem parceiros com base em certas características que os machos desenvolvem para se destacar de outros machos e atrair fêmeas.

 

O problema do resíduo na ufologia é instrutivo porque permite que os céticos encontrem um terreno comum com os crédulos e nos permite viver confortavelmente com o fato de que não podemos explicar tudo. Por exemplo, em seu livro best-seller de 2010, UFOs: Generals, Pilots and Government Officials Go on the Record [OVNIs: Generais, Pilotos e Membros do Governo Falam Oficialmente], a ufóloga Leslie Kean observa que “cerca de 90 a 95% dos avistamentos de OVNIs podem ser explicados” como:

 

…balões meteorológicos, sinalizadores, lanternas celeste, aviões voando em formação, aeronaves militares secretas, pássaros refletindo o sol, aviões refletindo o sol, dirigíveis, helicópteros, os planetas Vênus ou Marte, meteoros ou meteoritos, lixo espacial, satélites, gás do pântano, redemoinhos, parélio, raios globulares, cristais de gelo, luz refletida nas nuvens, luzes no chão ou luzes refletidas em uma janela de cabine, inversões de temperatura, nuvens perfuradas e a lista continua!

 

Assim, toda a hipótese extraterrestre para explicar Objetos Voadores Não Identificados e Fenômenos Aéreos Não Identificados (OVNIs e UAPs, respectivamente) é baseada em um resíduo de dados que sobra após a lista acima ter sido descartada. O que sobra? Não muito, receio.

 

Kean começa pedindo aos leitores que considerem “com uma mente aberta e verdadeiramente cética” que tais avistamentos representam “um fenômeno físico sólido que parece estar sob controle inteligente e é capaz de velocidades, manobrabilidade e luminosidade além da atual tecnologia conhecida”, que o “governo dos EUA ignora rotineiramente os OVNIs e, quando pressionado, emite explicações falsas”, e que a “hipótese de que os OVNIs são de origem extraterrestre ou interdimensional é racional e deve ser levada em consideração diante dos dados que temos”. Ela, então, inicia sua exploração “em terreno muito sólido, com a crônica em primeira mão de um major-general de um dos casos de OVNI mais vívidos e bem documentados de todos os tempos” – a onda de OVNIs que sobrevoou a Bélgica entre 1989 e 1990. Aqui está o relato do major-general belga Wilfried De Brouwer sobre a primeira noite de avistamentos:

 

Centenas de pessoas viram uma majestosa nave triangular com uma envergadura de aproximadamente 40 metros e poderosos holofotes, movendo-se muito lentamente sem fazer nenhum barulho perceptível, mas, em vários casos, acelerando a velocidades muito altas.

 

Compare a versão dos eventos de De Brouwer com o resumo de Kean do mesmo incidente:

 

O senso comum nos diz que, se um governo tivesse desenvolvido uma enorme nave que pode pairar imóvel a apenas algumas dezenas de metros de altura e depois acelerar em um piscar de olhos - tudo sem fazer barulho - essa tecnologia teria revolucionado tanto as viagens aéreas quanto as guerras modernas e, provavelmente, a física também.

 

Observe como a nave de 40 metros de de Brouwer se torna “enorme” no relato de Kean, como “movendo-se muito lentamente” foi alterado para “pode pairar imóvel”, como “sem fazer nenhum barulho perceptível” mudou para “sem fazer barulho” e como “acelerando a velocidades muito altas” foi transformado em “acelerar em um piscar de olhos”. Essa transmutação de linguagem é comum em narrativas de OVNIs, tornando mais difícil para cientistas e céticos fornecerem explicações naturais. Tenha isso em mente ao considerarmos a última onda de avistamentos e vídeos de UAPs.

 

 

O que significa “real”?

 

Quando entusiastas de OVNIs anunciam sem fôlego que a atual onda de avistamentos foi confirmada como “real” por ninguém menos que o New York Times, a suposição é que o “jornal oficial” lançou uma investigação própria, independente dos ufólogos. Não foi isso o que aconteceu. Se você verificar o cabeçalho e artigos complementares nesse jornal, uma das coautoras é ninguém menos que Leslie Kean, que, como vimos, é tudo menos uma narradora neutra e objetiva do fenômeno OVNI e a resposta do governo a ele. (Kean passou, desde então, a escrever um novo livro e produzir uma série de documentários da Netflix chamada Surviving Death, sobre experiências de quase morte e vida após a morte.) Embora a coautora Helene Cooper trabalhe para o jornal como correspondente para assuntos do Pentágono, o outro coautor, Ralph Blumenthal, deixou o jornal em 2009 e escreveu um livro intitulado The Believer: Alien Encounters, Hard Science, and the Passion of John Mack, [O Crédulo: Encontros Alienígenas, Ciência Concreta e a Paixão de John Mack], sobre o falecido psiquiatra de Harvard que aceitou sem qualquer crítica histórias de abduções alienígenas como relatos de reais contatos imediatos do quarto grau.

 

Esse contexto é importante porque a palavra “real” – citada em quase todas as histórias da mídia desde aquela matéria do New York Times de 2017 – está dando muito trabalho. Por exemplo, o correspondente do 60 Minutes, Bill Whitaker, perguntou a Lue Elizondo, que dirigiu o Programa Avançado de Identificação de Ameaças Aeroespaciais (AATIP) do Pentágono: “Então, o que você está me dizendo é que os OVNIs, objetos voadores não identificados, são reais?” Ao que, Elizondo respondeu: “O governo já declarou oficialmente que eles são reais. Não sou eu lhe dizendo isso. O governo dos Estados Unidos está lhe dizendo isso.” Mas ninguém – nem a mídia, nem os militares, e certamente nem o governo dos Estados Unidos – está dizendo que esses avistamentos representam visitantes alienígenas. O que eles estão confirmando como “reais” são os próprios vídeos como representando algo lá fora no mundo, e não uma produção fraudulenta com efeitos visuais. Mas quando tanto os crédulos quanto o público em geral ouvem a palavra “real”, seus cérebros tendem a se corrigir automaticamente para “alienígena” (ou “ativos russos ou chineses” se estiverem exibindo um pouco de ceticismo), em vez de um efeito comum de câmeras e ilusões visuais ou, simplesmente, uma anomalia inexplicável.

 

Vejamos as três hipóteses oferecidas para esses vídeos de OVNIs/UAPs: (1) terrestre comum (efeitos de câmera/lente, ilusões visuais, balões, etc.), (2) terrestre extraordinária (aviões espiões russos ou chineses, ou drones capazes de feitos de física e aerodinâmica inéditos nos EUA) e (3) extraterrestre extraordinária (inteligência alienígena).

 

 

A hipótese terrestre comum

 

Primeiro, a seguinte avaliação do que esses vídeos provavelmente representam, feita pela tenente-comandante Alex Dietrich, que relatou ter visto uma aeronave não identificada perto de San Diego em 2004, prevê o que provavelmente virá no relatório do Pentágono a ser publicado no verão de 2021: “Só porque estou dizendo que vimos essa coisa incomum em 2004, não estou de forma alguma insinuando que era tecnologia extraterrestre, alienígena ou qualquer coisa assim.” Ela acrescentou: “Acho que o relatório será uma grande decepção. Eu não acho que vá revelar qualquer nova visão fantástica.”

 

Os três vídeos mais vistos e discutidos foram filmados por câmeras infravermelhas montadas em jatos F/A-18 da Marinha sobrevoando a costa atlântica e a costa do sul da Califórnia. Eles foram filmados pelos pods de câmera com sistema de Infravermelho Direcional de Mira Avançada da Marinha (ATFLIR) anexados à fuselagem dos jatos, e agora são conhecidos como “Flir1” (San Diego em 2004) e “Gimbal” e “Go Fast” (litoral da Flórida em 2015).

 

O Flir1 é o vídeo do piloto da Marinha Chad Underwood de 2004. De acordo com a Popular Mechanics, veio à tona pela primeira vez em 2007 em um site de ufologia. Ele virou de conhecimento público quando foi republicado pelo New York Times no artigo original de Leslie Kean, depois republicado em 2019 pela organização ufológica do ex-vocalista e guitarrista do Blink-182, Tom DeLonge, a To the Stars Academy of Arts and Science. Em resposta, a Marinha reconheceu que os vídeos eram “reais”, o que significa que são vídeos autênticos e não fraudes. Finalmente, em 2020, o Pentágono republicou os três vídeos “para esclarecer quaisquer equívocos do público sobre se as imagens que circulavam eram reais ou não, ou se há ou não mais vídeos”. Então, quando as pessoas falam sobre esses “novos” vídeos, evidentemente são tudo menos isso.

 

O trabalho pesado de analisar esses vídeos foi feito por Mick West, um ex-designer de videogames, administrador do site metabunk.org, apresentador do podcast Tales from the Rabbit Hole e colunista da revista Skeptic. É um conjunto notável de trabalhos e espera-se que o trabalho do Pentágono tenha um padrão semelhante, ou que seus analistas pelo menos considerem as explicações de West como parte de suas próprias investigações.

 

Flir1 e Gimbal, diz West, são o que se veria se um jato estivesse se afastando da câmera, explicando assim os relatos de testemunhas oculares de que o objeto não mostrava superfícies de controle direcional ou exaustão. A aparente forma de disco do objeto Gimbal, continua West, deve-se ao brilho na lente da câmera. Como ele disse ao repórter do San Diego Union-Tribune, Andrew Dyer, “o que estamos vendo à distância é basicamente apenas o brilho de um objeto quente”, provavelmente “de um motor – talvez um par de motores de um F/ A-18 – algo assim.”

 

Em um dos vídeos, o objeto parece se afastar quase instantaneamente da tela, interpretado por alguns como indicação de velocidade extraordinária e capacidade de giro muito além de qualquer coisa que nossos jatos são capazes. Surpreendentemente, West parece ser uma das poucas pessoas entre os milhões que viram esses vídeos que notaram no canto superior esquerdo da tela o indicador de “zoom” da câmera passando de 1 para 2 no momento em que o objeto acelera para a esquerda. Quando West desacelerou a reprodução do vídeo pela metade naquele momento, a manobra extraordinária se torna bastante comum. Além disso, observa West, movimentos bruscos das câmeras podem fazer com que os objetos pareçam estar fazendo manobras extraordinárias: “As supostas acelerações impossíveis, e eventual perda do rastreamento, no vídeo do Tic-Tac foram reveladas coincidirem com (e, portanto, causadas por) movimentos bruscos da câmera, levando à conclusão de que o objeto no vídeo não estava realmente fazendo nada de especial”.

 

 

O vídeo “Go Fast” supostamente mostra um objeto sem fonte de calor (e, portanto, impulsionado por algum motor não convencional) que parece se mover incrivelmente rápido logo acima da superfície do oceano. West então conduziu o que ele descreve como “trigonometria de ensino fundamental” (com base nos números fornecidos na própria imagem do vídeo) para mostrar que, de fato, o objeto estava muito acima da superfície do oceano a cerca de 4.000 metros e, provavelmente, era apenas um balão meteorológico viajando a cerca de 30 a 40 nós. “Por causa do zoom extremo e porque a câmera está travada no objeto… o movimento do oceano no vídeo é exatamente o mesmo que o movimento do próprio avião a jato. Você está vendo algo que quase não se move e todo o movimento aparente é o efeito de paralaxe do jato voando”.

 

O vídeo mais comentado é o do “Gimbal”, um objeto que parece deslizar sem esforço sobre as nuvens de fundo e depois para abruptamente e gira no ar, aparentemente sem os sistemas de propulsão necessários para realizar tal manobra. West notou que quando o objeto Gimbal gira, manchas de luz de fundo na cena também giram em perfeita união com o objeto. “Acho que o que está claro sobre o Gimbal é que ele é muito quente – é consistente com dois motores a jato próximos um do outro e o brilho desses motores fica muito maior do que a própria aeronave, então a aeronave fica obscurecida pelo brilho”, explica West. “No início do vídeo”, ele acrescenta, “parece que o objeto está se movendo rapidamente para a esquerda por causa do efeito de paralaxe, e a rotação era um artefato da câmera, e que o 'disco voador' era simplesmente o brilho infravermelho dos motores de uma aeronave voando ao longe.” Quando ele pesquisou as patentes dessa câmera, West descobriu que o mecanismo do cardã [gimbal] era responsável pela aparente rotação.

 

Desde que esses três vídeos de UAPs foram republicados pelo Pentágono em 2020, mais dois vídeos da Força-Tarefa de UAPs foram divulgados. Um mostra um triângulo voador e o segundo uma esfera submersível aparentemente em ziguezague. West observou que o UAP triangular foi filmado à noite sob a rota de voo para o Aeroporto de Los Angeles [LAX], e que o objeto piscou em perfeita sincronia com os aviões comerciais voando para Los Angeles vindo do Havaí. A forma triangular, ele supôs, era provavelmente o resultado de uma abertura de lente em formato triangular, produzindo um efeito “bokeh” levemente embaçado, em que a forma de uma pequena luz desfocada assume a forma da abertura. De fato, havia outros objetos com formato de triângulo na imagem que correspondem perfeitamente com objetos celestes que West identificou como o planeta Júpiter e algumas estrelas conhecidas.

 

Quanto ao objeto esférico “ziguezagueante”, também filmado na costa da Califórnia a partir do navio de combate Omaha, como visto no vídeo da análise de West, é a câmera que está ziguezagueando, não o objeto, e ele não “submerge” na água, ele simplesmente desaparece além do horizonte. E, como se pode ver, está de acordo com a historicamente comum coleção de fotografias e vídeos desfocados de OVNIs.

 

Abaixo estão duas das imagens do episódio do 60 Minutes, ansiosamente apresentadas no dia seguinte no programa de Tucker Carlson, na Fox News, como mais um UAP inexplicável. Se você visse essas imagens em, digamos, uma praia ou um parque, ou olhando pela janela de um avião – e você não estivesse pensando em UAPs e OVNIs – qual seria seu melhor palpite sobre o que eram? Balões Mylar, certo? É isso o que eu vejo. De qualquer forma, que imagens como essas sejam incluídas em uma história séria da mídia como supostamente não identificadas, faz você querer dar pausa:

 

 

 


 


 

A hipótese terrestre extraordinária

 

A primeira alternativa às explicações comuns para os avistamentos de OVNIs é que eles representam ativos russos ou chineses, drones, aviões espiões ou alguma tecnologia relacionada, mas ainda desconhecida (para nós), capaz de alcançar velocidades e fazer curvas que parecem desafiar toda a física e aerodinâmica conhecidas. Pilotos e observadores descrevem “vários veículos aéreos anômalos” acelerando de 24.000 metros até o nível do mar em segundos, ou fazendo curvas instantâneas e até mesmo paradas repentinas, ou disparando horizontalmente em velocidade hipersônica, quebrando a barreira do som sem criar um estrondo sônico, o que deveria ser impossível. Sem mencionar que essas acelerações e curvas rápidas matariam os pilotos instantaneamente. E esses veículos parecem conseguir fazer isso sem motor a jato aparente ou fumaça de escape visível, sugerindo que eles estão usando tecnologia antigravitacional indisponível até mesmo para os programas experimentais mais avançados empregados na DARPA.

 

Quando o correspondente do 60 Minutes, Bill Whitaker, perguntou ao ex-piloto da Marinha, tenente Ryan Graves, que tinha visto com seus próprios olhos UAPs voando em Virginia Beach em 2014, “poderia ser tecnologia russa ou chinesa?”, Graves respondeu: “Não vejo por que não”. Ele acrescentou que “se fossem jatos táticos de outro país que estivessem lá em cima, seria um problema enorme”. De fato, como o piloto de elite da Marinha e comandante do esquadrão F/A-18F no USS Nimitz, David Fravor, disse ao 60 Minutes: “Eu não sei quem está construindo, quem tem a tecnologia, quem tem o cérebro, mas há algo por aí melhor do que o nosso avião.”

 

Essa hipótese de que os objetos são terrestres e desenvolvidos por alguma outra nação ou corporação, ou algum gênio trabalhando sozinho, não é factível, visto que a evolução da inovação tecnológica é cumulativa. Em sua obra seminal, The Evolution of Technology [A Evolução da Tecnologia], o historiador George Basalla destrói o mito do inventor trabalhando isolado, sonhando com tecnologias novas e inovadoras por puro gênio criativo (uma lâmpada se acendendo na mente). Todas as tecnologias, Basalla demonstra, são desenvolvidas a partir de artefatos pré-existentes (objetos artificiais) ou artefatos naturais (objetos orgânicos): “Qualquer coisa nova que aparece no mundo feito”, explica ele, “é baseada em algum objeto já existente.”

 

Em seu livro de 2020, How Innovation Works [Como Funciona a Inovação], Matt Ridley usa vários exemplos para demonstrar que a inovação é um processo incremental, de baixo para cima, fortuito, que acontece como resultado direto do hábito humano de troca e que “é sempre um processo coletivo, um fenômeno colaborativo, não uma questão de gênio solitário. É gradual, fortuito, recombinante, inexorável, contagioso, experimental e imprevisível.” Exemplos de tais inovações tecnológicas e científicas cumulativas e incrementais incluem motores a vapor, motores a jato, motores de busca, dirigíveis, vaporizadores, vacinas, antibióticos, turbinas, hélices, fertilizantes, computadores, agricultura, fogão, engenharia genética, edição de genes, transporte de contêineres, ferrovias , carros, malas com rodas, telefones celulares, ferro corrugado, voo motorizado, banheiros, aspiradores de pó, telégrafo, rádio, rede social, block chain, inteligência artificial e tubos hyperloop.

 

Simplesmente não é possível que alguma nação, corporação ou indivíduo isolado – não importa quão inteligente e criativo – pudesse ter inventado e inovado a física e a aerodinâmica para criar um tipo de aeronave que pudesse estar, basicamente, séculos à frente de todas as tecnologias atuais e conhecidas. Seria como se os EUA estivessem usando telefones de discagem enquanto os russos ou chineses tivessem smartphones, ou estivéssemos pilotando biplanos enquanto eles pilotavam caças F-18 e bombardeiros furtivos, ou estivéssemos enviando cartas e memorandos via fax enquanto eles estivessem enviando por e-mail arquivos enormes pela internet, ou ainda estivéssemos fazendo experimentos com foguetes V-2 alemães capturados enquanto eles estivessem testando foguetes do nível da SpaceX. Impossível. Nós saberíamos de todos os passos que levam a tal magia tecnológica.

 

Considere o Projeto Manhattan, sem dúvida o programa mais secreto da história dos EUA até hoje, que levou ao desenvolvimento bem-sucedido de bombas atômicas em 1945. Os russos tinham uma bomba atômica em 1949. Como? Eles roubaram nossos planos através de um físico teórico e espião atômico alemão chamado Klaus Fuchs. Empresas de tecnologia modernas como Apple, Google, Intel e Microsoft são notoriamente sigilosas sobre suas invenções, aplicando extensos protocolos de segurança em seus escritórios e protegendo os direitos de propriedade intelectual por meio de patentes e ações judiciais. E, no entanto... todos os nossos computadores, telefones inteligentes, chips de computador e software são essencialmente os mesmos, ou pelo menos têm um desenvolvimento paralelo. Países e empresas roubam, copiam, fazem engenharia reversa e inovam as ideias e tecnologias uns dos outros, não deixando nenhuma entidade muito à frente ou atrás de qualquer outra.

 

Em uma citação involuntariamente reveladora no artigo de 2017 de Kean no New York Times, Harold Puthoff, um engenheiro que acredita em percepção extrassensorial e que trabalhou para a CIA em seu programa de visão remota, disse o seguinte sobre os UAPs: “Estamos mais ou menos na posição do que aconteceria se você desse a Leonardo da Vinci um abridor de porta de garagem. Antes de tudo, ele tentaria descobrir o que é esse material plástico. Ele não saberia nada sobre os sinais eletromagnéticos envolvidos ou sua função.” Como um artista do século XV teria posse de uma tecnologia do século XXI como um abridor de porta de garagem? Ele não o faria por causa das inúmeras etapas no desenvolvimento tecnológico que teriam que ocorrer ao longo dos séculos para chegar a essa inovação.

 

 

A hipótese extraterrestre extraordinária

 

Esses UAPs e OVNIs poderiam representar visitas de inteligências extraterrestres (IETs)? Isso também é altamente improvável por várias razões. Mas vamos primeiro separar duas questões que a maioria das pessoas confunde: (1) Existem IETs em algum lugar do cosmos? (2) As IETs vieram aqui? Quando expresso meu ceticismo em relação à última, as pessoas assumem que também sou cético em relação à primeira. “Você acha mesmo que estamos sozinhos neste vasto cosmos?” é uma réplica comum que ouço quando digo algo como “OVNIs não são IETs”. Portanto, deixe-me declarar publicamente que, embora não tenhamos evidências definitivas para responder afirmativamente a nenhuma das perguntas, acho altamente provável que eles estejam lá fora em algum lugar, mas não vieram aqui. Há muito o que descompactar nessa questão que explica muito por que esses UAPs provavelmente não são IETs.

 

Para a primeira pergunta - eles estão lá fora em algum lugar? - a lei dos grandes números sugere que eles provavelmente estão. Uma análise de 2016 do Hubble Ultra Deep Field, feita pela NASA e pela Agência Espacial Europeia, estimou que existem pelo menos um trilhão de galáxias no Universo. Cada uma dessas galáxias tem pelo menos 100 bilhões de estrelas, o que perfaz um total de 100 milhões de trilhões de estrelas no Universo – um número quase inconcebivelmente grande que se torna ainda mais surpreendentemente incompreensível quando escrito: 100.000.000.000.000.000.000.000. Quando levamos em consideração a descoberta do Telescópio Espacial Kepler de que quase todas as estrelas têm planetas, isso acrescenta muitos zeros a esse número já absurdo.

 

Também sabemos agora que leva apenas alguns milhões de anos para estrelas e planetas fundirem nuvens de poeira e gás para formar sistemas solares. Somente em nossa galáxia, isso acontece cerca de uma vez por mês. No Universo com o número de estrelas acima, isso significaria que mil novos sistemas solares nascem a cada segundo. Em seu livro Cosmos: Possible Worlds (com uma série de televisão de mesmo nome apresentada por Neil deGrasse Tyson), Ann Druyan capturou o conceito desta forma:

 

Estale os dedos. Mil novos sistemas solares aparecem. Estale. Mil novos sistemas solares... Estale. Mil novos sistemas solares... Estale. Mil novos sistemas solares... Estale. Estale. Estale.

 

Quantas dessas estrelas têm planetas semelhantes à Terra orbitando sua estrela semelhante ao Sol em uma zona habitável propícia à evolução da vida inteligente com a qual podemos nos comunicar? Esse número geralmente é calculado usando a equação de Drake, proposta em 1961 pelo radioastrônomo Frank Drake para estimar o número de civilizações tecnológicas que residem em nossa galáxia:

 

N = R fp ne fl fi fc L

 

Na equação, N = o número de civilizações comunicativas, R = a taxa de formação de estrelas adequadas, fp = a fração dessas estrelas com planetas, ne = o número de planetas semelhantes à Terra por sistema solar, fl = a fração de planetas com vida, fi = a fração de planetas com vida inteligente, fc = a fração de planetas com tecnologia de comunicação, L = o tempo de vida das civilizações comunicantes. Na literatura da Search for Extraterrestrial Intelligence (SETI), um número conservador de 10% é frequentemente usado para os diferentes fatores da equação, onde em uma galáxia de 100 bilhões de estrelas haverá 10 bilhões de estrelas semelhantes ao Sol, um bilhão de estrelas semelhantes à Terra, 100 milhões de planetas com vida, 10 milhões de planetas com vida inteligente e um milhão de planetas com vida inteligente capaz de tecnologia de rádio. Um fator de delimitação pode ser L, dependendo de quanto tempo duram as civilizações.

 

Para minha coluna de agosto de 2002 na Scientific American sobre por que ET não ligou, encontrei um intervalo estimado para L de 50.000 anos a 10 milhões de anos, o que resultaria no número de IETs em nossa galáxia variando de 4.000 a um milhão (dependendo dos números inseridos nos outros componentes da equação de Drake). Mas usando a história das civilizações na Terra, compilei a extensão de 60 civilizações (o número de anos desde o início até o colapso), incluindo Suméria, Mesopotâmia, Babilônia, as oito dinastias do Egito, as seis civilizações da Grécia, a República e o Império Romanos, e outras no mundo antigo, além de várias civilizações desde a queda de Roma, incluindo as nove dinastias (e duas repúblicas) da China, quatro na África, três na Índia, duas no Japão, seis na América Central e do Sul e seis estados modernos da Europa e da América. Para todas as 60 civilizações em meu banco de dados, havia um total de 25.234 anos, ou L = 420,5 anos.

 

Colocar esses números na equação de Drake ajuda bastante a explicar por que as IETs ainda não chegaram aqui. Onde L = 420,5 anos, N = 3,35 civilizações em nossa galáxia. Dado o enorme tamanho de nossa galáxia (100.000 anos-luz de comprimento e 50.000 anos-luz de largura) e as vastas distâncias entre as estrelas, se houvesse apenas algumas civilizações inteligentes e comunicantes, a probabilidade de elas entrarem em contato umas com as outras é astronomicamente baixa. Quão vasto e vazio é o espaço? Se nossa estrela fosse do tamanho de uma laranja e estivesse em Los Angeles, a estrela mais próxima seria uma laranja em Chicago, a 3.200 quilômetros de distância. Em cerca de quatro bilhões de anos, a galáxia de Andrômeda colidirá com a nossa, mas as estrelas estão tão distantes umas das outras que é concebível que não haverá colisões estelares. Um último exemplo: a velocidade de nossa espaçonave mais distante, a Voyager I, é de 62.085 km/h. Se estivesse indo para o sistema estelar Alpha Centauri, o mais próximo do nosso Sol, a 4,3 anos-luz de distância (o que não está), a Voyager levaria 174.912 anos para chegar lá.

 

Se houver IETs em nossa galáxia, as chances de elas encontrarem a Terra e nos visitarem uma única vez são incrivelmente baixas, muito menos percorrendo nosso espaço aéreo diariamente. Assim, a hipótese UAP = IET é extremamente improvável de ser verdadeira.

 

 

Raciocínio Bayesiano sobre OVNIs, ou por que afirmações extraordinárias exigem evidências extraordinárias

 

Como devemos avaliar a probabilidade de qualquer uma dessas três hipóteses – terrestre comum, terrestre extraordinária, extraterrestre extraordinária? Vamos começar aplicando o princípio da evidência proporcional, articulado no século XVIII pelo filósofo escocês David Hume em sua obra de 1748, An Inquiry Concerning Human Understanding [Investigação sobre o Entendimento Humano]: “um homem sábio proporciona sua crença à evidência”. A expressão comum para este princípio é afirmações extraordinárias exigem evidências extraordinárias, ou ECREE, na sigla em inglês. A frase foi popularizada por Carl Sagan em sua série de televisão de 1980 Cosmos, durante o episódio sobre a possibilidade de inteligência extraterrestre existir em algum lugar da galáxia, ou alienígenas terem visitado a Terra. ECREE significa que uma afirmação ordinária requer apenas evidências ordinárias, mas uma afirmação extraordinária requer evidências extraordinárias. A afirmação de que as IETs visitaram a Terra não é apenas extraordinária; há um consenso geral entre ufólogos e cientistas do SETI de que seria uma das descobertas mais extraordinárias da história da humanidade.

 

Os ufólogos afirmam que existem evidências extraordinárias na forma de dezenas de milhares de avistamentos de OVNIs. Mas o cientista do SETI Seth Shostak aponta em seu livro Confessions of an Alien Hunter: A Scientist's Search for Extraterrestrial Intelligence [Confissões de um Caçador de Alienígenas: A Busca de um Cientista por Inteligência Extraterrestre] que isso realmente argumenta contra os OVNIs serem IETs, porque até hoje nenhuma dessas dezenas de milhares de avistamentos se materializou em evidências concretas de que avistamentos de OVNIs equivale a contato com IETs. Na falta de evidências físicas ou fotografias e vídeos nítidos e claros, mais avistamentos equivalem a menos certeza, porque com tantos objetos não identificados supostamente circulando pelo nosso espaço aéreo, certamente deveríamos ter registrado um a essa altura, mas não o fizemos. E onde estão todas as fotografias e vídeos de alta definição registrados por passageiros em aviões comerciais? O já mencionado piloto da Marinha Ryan Graves disse ao correspondente do 60 Minutes, Bill Whitaker, que eles viram UAPs “todos os dias por pelo menos alguns anos”. Se for verdade, dado que quase todos os passageiros têm um smartphone com câmera de alta definição, deveria existir milhares de fotos e vídeos inconfundíveis desses UAPs. Até hoje não existe. Aqui, a ausência de evidência é evidência de ausência.

 

O princípio ECREE é uma forma específica de raciocínio, inventada no século XVIII pelo reverendo Thomas Bayes. Resumidamente, o raciocínio bayesiano tem a ver com a força das evidências para uma afirmação e com o quanto devemos revisar nossa estimativa da probabilidade de uma afirmação ser verdadeira com base nas evidências. Quando as evidências mudam, devemos alterar nossas estimativas de probabilidade de acordo. Essas estimativas de probabilidades baseadas no conhecimento prévio das condições relacionadas à afirmação são chamadas de “prévias”, ou nosso grau inicial de crença. A probabilidade de algo ser verdade determina o que é chamado de “credulidade” da crença, ou a credibilidade ou força da crença. Pense em credibilidade como a probabilidade de algo ser verdade como uma porcentagem. Por exemplo, você deve acreditar com 50% de credibilidade que um lançamento de moeda justo resultará em cara com base em seus antecedentes de que as moedas lançadas resultam em metade cara, metade coroa. Ou, se um saco contém quatro bolinhas vermelhas e uma azul, e você retira uma bolinha ao acaso, então você deve acreditar com 80% de credibilidade que a bolinha aleatória será vermelha.

 

Para colocar de uma maneira um pouco diferente neste contexto, uma afirmação extraordinária - por exemplo, que OVNIs = IETs - tem uma baixa prioridade bayesiana por causa da baixa qualidade das evidências para isso e, portanto, a credibilidade para a hipótese de que UAPs = IETs permanece baixa, a menos que surjam melhores evidências. Até lá, deveríamos ter uma credibilidade menor na afirmação de sermos visitado por IETs. O mesmo raciocínio bayesiano se aplica aos UAPs como ativos russos ou chineses. Dado o que sabemos sobre a evolução da inovação tecnológica – que é gradual, recombinante, contagiosa, colaborativa e cumulativa – nenhuma nação ou entidade corporativa pode ter construído drones ou aeronaves com física e aerodinâmica tão extraordinárias sem que saibamos disso. Então, novamente, sem evidências extraordinárias na forma de um objeto real capturado, nossa credibilidade de que esses UAPs representam naves terrestres extraordinárias permanece baixa.

 

Isso nos deixa com explicações comuns para esses fenômenos. Não importa o quanto você seja cético em relação a elas, elas são muito mais prováveis do que qualquer uma das hipóteses extraordinárias. Por que, então, tantas pessoas querem acreditar que eles representam algo mais?

 

 

Deuses do céu para céticos

 

Em seu livro de 1982, The Plurality of Worlds [A Pluralidade dos Mundos], o historiador da ciência Steven Dick sugeriu que, quando o universo mecânico de Newton substituiu o mundo espiritual medieval, deixou um vazio sem vida que foi preenchido com a busca moderna por IETs. Em seu livro de 1995, Are We Alone? [Estamos Sós?], o físico Paul Davies se perguntou: “O que mais me preocupa é até que ponto a busca moderna por alienígenas é, no fundo, parte de uma antiga busca religiosa.” O historiador George Basalla fez uma observação semelhante em seu trabalho de 2006, Civilized Life in the Universe [Vida Civilizada no Universo]: “A ideia da superioridade dos seres celestiais não é nova nem científica. É uma crença generalizada e antiga no pensamento religioso.”

 

Em um artigo de 2017 na revista Motivation and Emotion intitulado “We Are Not Alone” [Não Estamos Sós], o psicólogo Clay Routledge e seus colegas encontraram uma relação inversa entre religiosidade e crenças em IET – ou seja, aqueles que relatam baixos níveis de crença religiosa, mas com forte desejo por significado, mostram maior crença em IETs. No Estudo 1, as pessoas analisadas que leram um ensaio “argumentando que a vida humana é, em última análise, sem sentido e insignificante no cosmo” eram estatisticamente muito mais propensas a acreditar em IETs do que aquelas que leram um ensaio sobre as “limitações dos computadores”. No Estudo 2, as pessoas que se identificaram como ateias ou agnósticas eram estatisticamente muito mais propensas a relatar acreditar em IETs do que aquelas que relataram ser religiosas (principalmente cristãs). Nos Estudos 3 e 4, as pessoas preencheram uma escala de religiosidade, uma escala de significado na vida, uma escala de bem-estar, uma escala de crença em IET e uma escala de crença religiosa sobrenatural. “Menor presença de significado e maior busca por significado foram associados a uma maior crença em IET”, relataram os pesquisadores, mas as crenças em IET não mostraram correlação com crenças sobrenaturais ou crenças de bem-estar.

 

A partir desses estudos, os autores concluem: “As crenças em IET servem a uma função existencial: a promoção do significado percebido na vida. Dessa forma, vemos a crença em IET como servindo a uma função semelhante à religião, sem depender das doutrinas religiosas tradicionais que algumas pessoas rejeitaram deliberadamente”. Com isso, eles querem dizer o sobrenatural. “Ou seja, aceitar as crenças em IET não exige que se acredite em forças ou agentes sobrenaturais que são incompatíveis com uma compreensão científica do mundo.” Se você não acredita em Deus, mas busca um significado mais profundo fora do nosso mundo, pensar que não estamos sozinhos no Universo “poderia fazer os humanos se sentirem parte de um drama cósmico maior e mais significativo”.

 

Dado que não há mais evidências para alienígenas do que há para Deus, quem acredita em qualquer um deles deve dar um salto de fé ou suspender o julgamento até que surjam evidências em contrário para mudar nossa credibilidade. Posso conceber o que pode ser uma evidência de IET - uma espaçonave capturada serviria - mas não para Deus, a menos que a divindade seja uma IET suficientemente avançada para parecer divina. Com o declínio da crença religiosa ao longo do século passado, talvez seja isso que está por trás dessa busca para entender o não identificado.

 

 

 

 

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Tradução: Tunguska

 

 

 Fonte:

https://quillette.com/2021/06/03/understanding-the-unidentified

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