sexta-feira, 15 de maio de 2020

UFOs na Arte Renascentista

UFOs na Arte Renascentista

Artigo cedido por Laura Elias

Muitas obras de arte antigas mostram detalhes que são indicados como sendo a prova de que os UFOs nos visitam desde sempre. Essas imagens, que vão desde pinturas de cavernas até arte sacra em igrejas, realmente intrigam e atiçam nossa curiosidade, mas será que realmente o que vemos nelas são UFOs? Como desvendar esse mistério?

Por James C. Stewart
Tradução Melissa Moscoso

O mundo da Ufologia é um reino sedutor, se não frustrante, de fumaça e espelhos. Para cada observação genuína acompanhada de evidências fotográficas e filmagens, há centenas de montagens, dirigíveis e nuvens identificadas incorretamente. Para piorar as coisas, programas de televisão, feitos em estilo documentário, acendem a imaginação pública sem nenhuma informação de fundo, contexto ou ensinamentos. Inevitavelmente, a informação transformada em sensacionalismo serve apenas para confundir e desinformar o telespectador.

Uma das áreas mais fascinantes de pesquisa ufológica, na opinião deste autor, ainda é a Ufoarqueologia, uma vez que a perspectiva de encontrarmos UFOs, buscando-os ao longo da história, é realmente atraente. Mas como tudo em Ufologia, essa área também pode servir como uma lição em relação às armadilhas da percepção. Muitas vezes a vontade é tanta, que se vê UFOs onde não estão.

Neste artigo vamos examinar três obras feitas durante a Idade Média, costumeiramente citadas como evidências para encontros com objetos voadores não identificados. Segundo muitos pesquisadores, as obras retratam a ação dos UFOs em contextos religiosos, o que levou muitas pessoas a especularem que os objetos não estão retratados apenas para compor a cena, mas porque efetivamente participaram dos eventos. Seria isso verdade?

Ceticismo saudável

Por meio de estudos sobre o simbolismo bíblico predominante durante a Idade Média e o Renascimento, esclarecemos a confusão criada pela má interpretação de ícones religiosos e a confusão com temas contemporâneos imponentes, como é o caso da Ufologia. Por outro lado, em relação ao papel do terceiro exemplo que iremos utilizar, explicações ainda são esperadas. Usando a pesquisa do historiador de arte Diego Cuoghi publicada na revista Skeptic Magazine, a pesquisa desmantela as explicações aceitas e as substitui por um sinal de interrogação.

Não há aqui qualquer intenção de se apontar dedos a este ou aquele pesquisador ou de criticar aqueles que sempre viram elementos ufológicos em determinadas obras. Nossa intenção é enriquecer a pesquisa e apresentar uma visão embasada em estudos, que oferece uma outra maneira de se interpretar as imagens criadas pelos artistas de então. Nesse campo, nada é definitivo, e nosso estudo precisa se embasar em realidades e não naquilo que gostaríamos que fosse real.

Não nos seria possível, mesmo por questões de espaço, explorar o grande número de pinturas do Renascimento nas quais se pensa existir objetos voadores, satélites, formas geométricas estranhas e homens ou seres pilotando foguetes flamejantes. No entanto, um exame de três das obras mais conhecidas pelos ufólogos pode lançar alguma luz sobre esse intrigante assunto.

A Anunciação

      A primeira obra que vamos analisar é a Anunciação com Santo Emídio, feita pelo artista Carlo Crivelli, em 1486, que hoje se encontra na Galeria Nacional em Londres, na Inglaterra. A pintura é um trabalho brilhante, emblemático da Renascença em seu estilo, perspectiva e sensibilidade decorativa. A Anunciação refere-se ao anúncio do Arcanjo Gabriel, à Virgem Maria, de que ela iria conceber o filho de Deus. É um tema frequente na arte cristã, e pode ser encontrado em algumas de suas primeiras peças, incluindo um afresco na Catacumba de Priscila, em Roma, datado do século IV.

Crivelli escolheu colocar o santo romano Emídio, que viveu entre os anos de 275 e 303, na cena. Talvez obscurecido hoje, Emídio foi suficientemente importante para ser incluído em um dos momentos marcantes do cristianismo, que segundo se sabe, ocorrereu cerca de 300 anos antes do nascimento do santo. E essa é apenas uma das anomalias na peça. Por exemplo, foi dito que a vinda de Jesus teria sido anunciada a Maria em "Nazaré, uma cidade da Galiléia". No entanto, na interpretação de Crivelli, a Anunciação é feita em Ascoli Piceno, uma vila italiana que declara Emídio como seu primeiro bispo e seu santo padroeiro. Nós podemos, inclusive, vê-lo segurando um modelo da cidade, enquanto um evento bíblico é transformado em um ambiente realista, em torno dele.

Na pintura, uma nuvem circular e luminescente parece emitir um feixe de luz que viaja através de uma janela, fazendo uma pausa para iluminar uma pomba antes de acertar a Virgem Maria. Muitos ufólogos – e uma infinidade de páginas da web – citam este detalhe como um exemplo de atividade ufológica na arte renascentista, apontando para a nuvem brilhante como sendo um suposto UFO. A grande maioria dos sites geralmente têm imagens de baixa resolução do quadro, o que talvez seja feito de propósito, já que há imagens de alta resolução disponíveis online. 



No primeiro detalhe, vemos claramente dois anéis separados de anjos ou querubins circulando dentro da nuvem que lembra muito uma nuvem cuneiforme. No segundo detalhe, o feixe de luz é uma interpretação muito conhecida da voz e inspiração de Deus, que é feita aparente pela pomba, quase um símbolo ubíquo para o Espírito Santo, não só na arte, mas na Bíblia. Considerando esses fatos, o nosso UFO torna-se uma representação lúdica, embora não muito hábil para nós, de um encontro divino. A Anunciação de Crivelli deve ser considerado um lembrete para que os ufólogos pesquisem mais, pois na maioria das vezes vemos o que queremos ver.

A Glorificação da Eucaristia


A segunda obra, chamada A Glorificação da Eucaristia , é muito conhecida entre os ufólogos como O Sputnik de Salimbeni e O satélite de Montalcino, e famosa por ter aparecido em vários programas de televisão que exploram sua natureza bizarra não como um avistamento de UFO, mas como um exemplo de viagem no tempo. A obra foi feita pelo artista Bonaventura Salimbeni por volta do ano 1600 e se encontra na Igreja de São Pedro, em Montalcino, na Itália.

À primeira vista, é sem dúvida estranho encontrar um detalhe proeminente e incrivelmente semelhante ao satélite Sputnik 1, o satélite soviético que marcou o primeiro passo da humanidade em direção ao cosmos. O Sputnik 1 foi lançado pela União Soviética em 04 de outubro de 1957. Seu sucesso espetacular e o fato de os soviéticos também terem sido os primeiros a colocar um homem no espaço chocou os líderes dos Estados Unidos a tal ponto, que eles aceleraram a corrida espacial e o presidente John F. Kennedy a definiu o objetivo de colocar um homem na Lua antes do final dos anos 60.

E mais uma vez, com um pouco de exploração, a realidade da peça começa a emergir. Na pintura, a pomba do Espírito Santo voa acima da cena retratada. Deus e Cristo olham para baixo, para o que parece ser uma esfera metálica, enquanto seguravam suas antenas salientes que estão, aparentemente, ligadas ao objeto. Mas é o objeto realmente de metal? Uma pesquisa superficial mostra o contrário sugerindo que seja uma esfera transparente, uma representação da Sphaera Mundi [Esfera do Mundo] de Johannes Sacrobosco, o globo da criação representado em seu Tractatus de Sphaera, incluindo a Terra, o Sol e a Lua. 



Tractatus de Sphaera – por vezes chamado por De Sphaera mundi ou De Sphaera – é um documento de astronomia antiga escrito por Johannes de Sacrobosco em torno de 1230. Ele antecede Copérnico, e foi copiado à mão por centenas de anos. A esfera de Salimbeni é consistente com a crença medieval de que a Terra, o Sol e a Lua residiam dentro de uma única esfera, com tudo girando em torno da Terra. Uma cópia digitalizada do Tractatus de Sphaera está disponível para visualização na internet.

Dentro da esfera de Salimbeni há dois objetos: o Sol diretamente abaixo da pomba e a Lua perto do pé de Cristo. Nós vemos meridianos e paralelos que cruzam o globo, e um dos meridianos viaja sobre a representação da Lua, confirmando que ela está realmente dentro da esfera. Um olhar mais atento revela o Sol iluminando o maior interior do globo, e a Lua brilhando na parte inferior. A própria Terra é visível com tons verde, sob um céu azul com nuvens brancas, também vistos nos detalhes retirados da obra Madona com a Criança e o Jovem São João, de Tommaso Di Stefano Lunetti. 



Mas, e as antenas sendo seguradas por Deus e Cristo? Examinando a peça, notamos que a antena de Cristo tem uma cruz no topo e a de Deus um pequeno globo. Dados os fatos acima, pode-se argumentar que as supostas antenas são cetros, varinhas ou cajados sendo encostados à Sphaera Mundi, no momento da criação. Com a pomba do Espírito Santo presente ao lado de Deus e de Cristo, temos a natureza da trindade do cristianismo, simbolizada por Salimbeni em uma interpretação da criação da Terra, talvez uma explicação mais provável do ser uma representação de um satélite russo que só seria inventado três séculos depois.

A Madona com a Criança e o Jovem Santo João.


A terceira e última obra que vamos examinar é atribuída ora a quatro artistas dferentes, dependo de quem se consulta. São eles Jacopo del Sellaio, Sebastiano Mainardi, Lorenzo di Credi e Domenico Ghirlandaio. A pintura foi realizada por volta do final do século XV, provavelmente entre os anos de 1480 e 1500, e se encontra na sala d'Ercole, no Palazzo Vecchio, em Florença, na Itália.

Madona com a Criança e o Jovem São João é uma representação renascentista da Virgem Maria com um São João Batista ao estilo querubim, apoiando o Cristo bebê. No canto superior esquerdo da imagem, vemos o que parece ser uma estrela brilhante ou um Sol com três estrelas ou chamas logo abaixo. Uma estrela semelhante pode ser vista no ombro do manto da Madona. No fundo do canto superior direito, vemos um homem protegendo os olhos para encarar fixamente um objeto brilhante em forma de tigela, enquanto um cão parece latir para ele ao seu lado.

Em um artigo da revista Skeptic de julho de 2004, o historiador de arte italiano Diego Cuoghi trouxe um argumento convincente, sobre o sol com as três estrelas embaixo, explicando que a obra tem um pouco da iconografia bizantina, comumente encontrada associada com a Madona, muitas vezes em seu véu, ombro ou na testa. O projeto representa a natureza tríplice da virgindade de Maria, antes, durante e depois do nascimento de Cristo.

A avaliação de Cuoghi é difícil de debater, pois um símbolo similar aparece no ombro da Madona na pintura e em um dos mais famosos dos muitos exemplos que existem, pode ser encontrado na pintura de Sandro Botticelli Madona com o Menino, também conhecida como a Madona do Livro, pintada em 1480, aproximadamente no mesmo período em que a Madona com a Criança e o Jovem São João.

Mas, então, o Cuoghi cruza grandes distâncias para conectar a Madona com a Criança e o Jovem São João a outros trabalhos renascentistas retratando a visita do anjo aos pastores da natividade. Diz ele: "Elementos de a ... Madona com a Criança e o Jovem São João são encontrados em muitas outras pinturas da natividade ou adoração da criança, por artistas como Foppa, Pinturicchio, Aspertini, Di Credi, Bronzino, Luini, Ghirlandaio, Van Der Goes e assim por diante. Cada um deles inclui a mesma cena angelical da visitação".

O erro de Cuoghi



Infelizmente, Madona com a Criança e o Jovem São João não é uma cena da natividade. Também não é uma versão da anunciação ou a adoração da criança. E na grande maioria das obras listadas pelo senhor Cuoghi que mostram presépios, há ovelhas junto com os pastores, e todos eles têm uma versão de boa qualidade do anjo. Cuoghi ainda traz obras apócrifas, como o Protoevangelho de Tiago, que discute as vozes de uma nuvem durante o Natal, que tem lugar em uma caverna em vez de em uma manjedoura. Novamente, isto não é o caso. Esta pintura não é da natividade.

Como o título da obra anuncia, essa é outra cena. E na abundância do Renascimento e das peças renascentistas anteriores que descrevem a reunião mítica do Menino Jesus e do Menino São João – por Raphael, Ferri, Del Sarto, Branzino, Lanfranco, Lunetti, Vecellio, Luini e assim por diante – não existem anjos presentes. Além disso, a presença de um João Batista criança na natividade não é encontrado em qualquer Evangelho. Na verdade, pode-se argumentar que o artista tomou certas medidas para remover a peça da natividade, com a inclusão do João Batista.

Além disso, o trabalho louvável de Cuoghi que liga as três estrelas na pintura ao ícone bizantino da virgindade, torna o símbolo improvável como a estrela de Belém, mas sim um símbolo da Madona, que é o centro da peça. Isso também afasta a pintura da natividade. Cuoghi refere-se, em seu artigo, aos anjos escondidos de Marco Bussagli, e cita o místico do século V Pseudo-Dionísio para ilustrar seu ponto, de que as escrituras representam anjos em forma de nuvens, para significar que as entidades sagradas estão cheias de luz escondida em uma maneira acima do mundano.

Mais uma vez as teorias de Cuoghi giram em torno da natividade, e mais uma vez esta não é uma pintura da natividade. Mas será que o objeto em Madona com a Criança e o Jovem São João pode sequer razoavelmente se assemelhar a uma nuvem? Obviamente, há talento no trabalho na peça. A atenção dada aos detalhes nas roupas do observador é boa o suficiente para serem facilmente discerníveis, mesmo nos detalhes de fundo. É justo dizer que se o artista quisesse que soubéssemos que estávamos olhando para uma nuvem, então não haveria controvérsia, estaríamos olhando para uma nuvem.

É possível, operando sob as influências criativas de sua época, que o artista tenha pintado uma cena de fundo fora de uma representação bíblica, possivelmente documentando um evento que tinha sido descrito a ele ou talvez até mesmo que o próprio artista tenha testemunhado? Talvez um evento que, em seguida, foi disfarçado dentro de uma representação bíblica. Não é o nosso propósito aqui mostrar que o objeto da Madona é idêntico aos UFOs testemunhados por observadores modernos. Mas se as pessoas chegassem a tal conclusão, os UFOs, então já não poderiam mais ser facilmente descartados como sendo balões experimentais, poluição, o planeta Vênus, gases do pântano ou armas secretas controladas pelas superpotências do planeta.

Outros exemplos históricos



Quando levamos em conta as duas primeiras obras mostradas neste artigo, é justo dizer que muitos ufólogos não conseguiram buscar teorias e explicações alternativas para objetos não identificados encontrados na arte medieval e renascentista. Isso levou a manifestações de pesquisa superficiais e de pensamento dogmático. No entanto, a respeito da Madona com a Criança e o Jovem São João, as explicações apresentadas por Diego Cuoghi e outras semelhantes encontradas na literatura, soam vazias.

Os críticos forçam a pintura a se encaixar em suas teorias, às vezes ignorando detalhes óbvios como o título da peça. Há várias referências ímpares para objetos não identificados no céu antigo. Na obra Naturalis Historia, do ano 77 da era cristã, Plínio, o Velho escreve que "durante o consulado de L. Valerius e C. Marius, ao pôr do Sol, um escudo de fogo brilhou, faiscando através do céu, de leste a oeste".

Julius Obsequens, em seu De Prodigiis, menciona duas vezes que a luz do dia surgiu à noite no ano de 163, e Plínio também se refere a essas instâncias de luz do dia durante a noite, chamando-as de "sois noturnos". E ainda temos as estranhas aparições celestes gravadas por Tito Lívio, que escreveu que “para aumentar a sensação geral de apreensão, foram recebidas informações de portentos tendo ocorrido simultaneamente em vários lugares [...] em Arpi escudos tinham sido vistos no céu e o sol parecia estar lutando com a lua; em Capena duas luas eram visíveis durante o dia ...". Ao que parece os romanos viram objetos no céu que não podiam identificar facilmente. E esses são apenas alguns de exemplos. Há muitos mais escondidos na história. Alguns explicáveis, outros não.

Mas eles poderiam simplesmente ser fenômenos naturais? Talvez. E vale a pena considerar que, na época da Madona com a Criança e o Jovem São João não havia tais coisas como meteoros. Durante séculos, a ciência ridicularizava aqueles que acreditavam em meteoros, e nenhum cientista que se prezava apreciaria a questão. Isso, em concordância com a Igreja, que considerava a crença em tais objetos como "ateia e herege", já que sua aceitação implicaria no fato de que o universo não é um mecanismo perfeito. Porém não sabemos se fenômenos naturais poderiam explicar todos os objetos.

Diz-se que momentos antes de relatar o seu famoso paradoxo, Enrico Fermi perguntou: "Onde estão todos?". Talvez uma possível resposta esteja enterrada no passado, presa na língua morta de algum texto romano antigo ou olhando para nós a partir de uma pintura renascentista esquecida. Nós não sabemos e só há uma forma de descobrirmos: continuar pesquisando, sem mascarar os resultados encontrados.

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