UFOs
na Arte Renascentista
Artigo cedido por Laura Elias
Artigo cedido por Laura Elias
Muitas
obras de arte antigas mostram detalhes que são indicados como sendo a prova de
que os UFOs nos visitam desde sempre. Essas imagens, que vão desde pinturas de
cavernas até arte sacra em igrejas, realmente intrigam e atiçam nossa
curiosidade, mas será que realmente o que vemos nelas são UFOs? Como desvendar
esse mistério?
Por James C. Stewart
Tradução Melissa Moscoso
O mundo da Ufologia é um reino
sedutor, se não frustrante, de fumaça e espelhos. Para cada observação genuína acompanhada
de evidências fotográficas e filmagens, há centenas de montagens, dirigíveis e
nuvens identificadas incorretamente. Para piorar as coisas, programas de
televisão, feitos em estilo documentário, acendem a imaginação pública sem
nenhuma informação de fundo, contexto ou ensinamentos. Inevitavelmente, a
informação transformada em sensacionalismo serve apenas para confundir e desinformar
o telespectador.
Uma das áreas mais fascinantes de
pesquisa ufológica, na opinião deste autor, ainda é a Ufoarqueologia, uma vez
que a perspectiva de encontrarmos UFOs, buscando-os ao longo da história, é realmente
atraente. Mas como tudo em Ufologia, essa área também pode servir como uma
lição em relação às armadilhas da percepção. Muitas vezes a vontade é tanta,
que se vê UFOs onde não estão.
Neste artigo vamos examinar três
obras feitas durante a Idade Média, costumeiramente citadas como evidências
para encontros com objetos voadores não identificados. Segundo muitos
pesquisadores, as obras retratam a ação dos UFOs em contextos religiosos, o que
levou muitas pessoas a especularem que os objetos não estão retratados apenas
para compor a cena, mas porque efetivamente participaram dos eventos. Seria
isso verdade?
Ceticismo
saudável
Por meio de estudos sobre o simbolismo
bíblico predominante durante a Idade Média e o Renascimento, esclarecemos a
confusão criada pela má interpretação de ícones religiosos e a confusão com
temas contemporâneos imponentes, como é o caso da Ufologia. Por outro lado, em
relação ao papel do terceiro exemplo que iremos utilizar, explicações ainda são
esperadas. Usando a pesquisa do historiador de arte Diego Cuoghi publicada na
revista Skeptic Magazine, a pesquisa
desmantela as explicações aceitas e as substitui por um sinal de interrogação.
Não há aqui qualquer intenção de se
apontar dedos a este ou aquele pesquisador ou de criticar aqueles que sempre
viram elementos ufológicos em determinadas obras. Nossa intenção é enriquecer a
pesquisa e apresentar uma visão embasada em estudos, que oferece uma outra
maneira de se interpretar as imagens criadas pelos artistas de então. Nesse
campo, nada é definitivo, e nosso estudo precisa se embasar em realidades e não
naquilo que gostaríamos que fosse real.
Não nos seria possível, mesmo por
questões de espaço, explorar o grande número de pinturas do Renascimento nas
quais se pensa existir objetos voadores, satélites, formas geométricas
estranhas e homens ou seres pilotando foguetes flamejantes. No entanto, um
exame de três das obras mais conhecidas pelos ufólogos pode lançar alguma luz
sobre esse intrigante assunto.
A
Anunciação
A primeira obra que vamos analisar é a Anunciação com Santo Emídio, feita pelo artista Carlo Crivelli, em 1486, que hoje se encontra na Galeria Nacional em Londres, na Inglaterra. A pintura é um trabalho brilhante, emblemático da Renascença em seu estilo, perspectiva e sensibilidade decorativa. A Anunciação refere-se ao anúncio do Arcanjo Gabriel, à Virgem Maria, de que ela iria conceber o filho de Deus. É um tema frequente na arte cristã, e pode ser encontrado em algumas de suas primeiras peças, incluindo um afresco na Catacumba de Priscila, em Roma, datado do século IV.
Crivelli escolheu colocar o santo
romano Emídio, que viveu entre os anos de 275 e 303, na cena. Talvez obscurecido
hoje, Emídio foi suficientemente importante para ser incluído em um dos
momentos marcantes do cristianismo, que segundo se sabe, ocorrereu cerca de 300
anos antes do nascimento do santo. E essa é apenas uma das anomalias na peça.
Por exemplo, foi dito que a vinda de Jesus teria sido anunciada a Maria em "Nazaré, uma cidade da Galiléia".
No entanto, na interpretação de Crivelli, a Anunciação é feita em Ascoli
Piceno, uma vila italiana que declara Emídio como seu primeiro bispo e seu
santo padroeiro. Nós podemos, inclusive, vê-lo segurando um modelo da cidade,
enquanto um evento bíblico é transformado em um ambiente realista, em torno
dele.
Na pintura, uma nuvem circular e
luminescente parece emitir um feixe de luz que viaja através de uma janela,
fazendo uma pausa para iluminar uma pomba antes de acertar a Virgem Maria.
Muitos ufólogos – e uma infinidade de páginas da web – citam este detalhe como
um exemplo de atividade ufológica na arte renascentista, apontando para a nuvem
brilhante como sendo um suposto UFO. A grande maioria dos sites geralmente têm
imagens de baixa resolução do quadro, o que talvez seja feito de propósito, já
que há imagens de alta resolução disponíveis online.
No primeiro detalhe, vemos claramente
dois anéis separados de anjos ou querubins circulando dentro da nuvem que
lembra muito uma nuvem cuneiforme. No segundo detalhe, o feixe de luz é uma
interpretação muito conhecida da voz e inspiração de Deus, que é feita aparente
pela pomba, quase um símbolo ubíquo para o Espírito Santo, não só na arte, mas
na Bíblia. Considerando esses fatos, o nosso UFO torna-se uma representação
lúdica, embora não muito hábil para nós, de um encontro divino. A Anunciação de Crivelli deve ser considerado um
lembrete para que os ufólogos pesquisem mais, pois na maioria das vezes vemos o
que queremos ver.
A
Glorificação da Eucaristia
A segunda obra, chamada A Glorificação da Eucaristia , é muito conhecida entre os ufólogos como O Sputnik de Salimbeni e O satélite de Montalcino, e famosa por ter aparecido em vários programas de televisão que exploram sua natureza bizarra não como um avistamento de UFO, mas como um exemplo de viagem no tempo. A obra foi feita pelo artista Bonaventura Salimbeni por volta do ano 1600 e se encontra na Igreja de São Pedro, em Montalcino, na Itália.
À primeira vista, é sem dúvida
estranho encontrar um detalhe proeminente e incrivelmente semelhante ao satélite
Sputnik 1, o satélite soviético que marcou o primeiro passo da humanidade em
direção ao cosmos. O Sputnik 1 foi lançado pela União Soviética em 04 de
outubro de 1957. Seu sucesso espetacular e o fato de os soviéticos também terem
sido os primeiros a colocar um homem no espaço chocou os líderes dos Estados
Unidos a tal ponto, que eles aceleraram a corrida espacial e o presidente John
F. Kennedy a definiu o objetivo de colocar um homem na Lua antes do final dos
anos 60.
E mais uma vez, com um pouco de
exploração, a realidade da peça começa a emergir. Na pintura, a pomba do
Espírito Santo voa acima da cena retratada. Deus e Cristo olham para baixo,
para o que parece ser uma esfera metálica, enquanto seguravam suas antenas
salientes que estão, aparentemente, ligadas ao objeto. Mas é o objeto realmente
de metal? Uma pesquisa superficial mostra o contrário sugerindo que seja uma
esfera transparente, uma representação da Sphaera
Mundi [Esfera do Mundo] de Johannes Sacrobosco, o globo da criação
representado em seu Tractatus de Sphaera,
incluindo a Terra, o Sol e a Lua.
Tractatus de Sphaera – por vezes chamado por De Sphaera mundi ou De Sphaera – é um documento de astronomia antiga escrito por Johannes de Sacrobosco em torno de 1230. Ele antecede Copérnico, e foi copiado à mão por centenas de anos. A esfera de Salimbeni é consistente com a crença medieval de que a Terra, o Sol e a Lua residiam dentro de uma única esfera, com tudo girando em torno da Terra. Uma cópia digitalizada do Tractatus de Sphaera está disponível para visualização na internet.
Dentro da esfera de Salimbeni há dois
objetos: o Sol diretamente abaixo da pomba e a Lua perto do pé de Cristo. Nós vemos
meridianos e paralelos que cruzam o globo, e um dos meridianos viaja sobre a
representação da Lua, confirmando que ela está realmente dentro da esfera. Um
olhar mais atento revela o Sol iluminando o maior interior do globo, e a Lua
brilhando na parte inferior. A própria Terra é visível com tons verde, sob um céu
azul com nuvens brancas, também vistos nos detalhes retirados da obra Madona com a Criança e o Jovem São João,
de Tommaso Di Stefano Lunetti.
Mas, e as antenas sendo seguradas por Deus e Cristo? Examinando a peça, notamos que a antena de Cristo tem uma cruz no topo e a de Deus um pequeno globo. Dados os fatos acima, pode-se argumentar que as supostas antenas são cetros, varinhas ou cajados sendo encostados à Sphaera Mundi, no momento da criação. Com a pomba do Espírito Santo presente ao lado de Deus e de Cristo, temos a natureza da trindade do cristianismo, simbolizada por Salimbeni em uma interpretação da criação da Terra, talvez uma explicação mais provável do ser uma representação de um satélite russo que só seria inventado três séculos depois.
A
Madona com a Criança e o Jovem Santo João.
A terceira e última obra que vamos
examinar é atribuída ora a quatro artistas dferentes, dependo de quem se
consulta. São eles Jacopo del Sellaio, Sebastiano Mainardi, Lorenzo di Credi e
Domenico Ghirlandaio. A pintura foi realizada por volta do final do século XV,
provavelmente entre os anos de 1480 e 1500, e se encontra na sala d'Ercole, no
Palazzo Vecchio, em Florença, na Itália.
Madona
com a Criança e o Jovem São João é uma representação
renascentista da Virgem Maria com um São João Batista ao estilo querubim,
apoiando o Cristo bebê. No canto superior esquerdo da imagem, vemos o que
parece ser uma estrela brilhante ou um Sol com três estrelas ou chamas logo
abaixo. Uma estrela semelhante pode ser vista no ombro do manto da Madona. No
fundo do canto superior direito, vemos um homem protegendo os olhos para encarar
fixamente um objeto brilhante em forma de tigela, enquanto um cão parece latir
para ele ao seu lado.
Em um artigo da revista Skeptic de
julho de 2004, o historiador de arte italiano Diego Cuoghi trouxe um argumento
convincente, sobre o sol com as três estrelas embaixo, explicando que a obra
tem um pouco da iconografia bizantina, comumente encontrada associada com a
Madona, muitas vezes em seu véu, ombro ou na testa. O projeto representa a
natureza tríplice da virgindade de Maria, antes, durante e depois do nascimento
de Cristo.
A avaliação de Cuoghi é difícil de
debater, pois um símbolo similar aparece no ombro da Madona na pintura e em um
dos mais famosos dos muitos exemplos que existem, pode ser encontrado na
pintura de Sandro Botticelli Madona com o
Menino, também conhecida como a Madona
do Livro,
pintada em 1480, aproximadamente no mesmo período em que a Madona com a Criança
e o Jovem São João.
Mas, então, o Cuoghi cruza grandes
distâncias para conectar a Madona com a
Criança e o Jovem São João a outros trabalhos renascentistas retratando a
visita do anjo aos pastores da natividade. Diz ele: "Elementos de a ... Madona com a Criança e o Jovem São João são
encontrados em muitas outras pinturas da natividade ou adoração da criança, por
artistas como Foppa, Pinturicchio, Aspertini, Di Credi, Bronzino, Luini,
Ghirlandaio, Van Der Goes e assim por diante. Cada um deles inclui a mesma cena
angelical da visitação".
Infelizmente, Madona com a Criança e o Jovem São João não é uma cena da natividade.
Também não é uma versão da anunciação ou a adoração da criança. E na grande
maioria das obras listadas pelo senhor Cuoghi que mostram presépios, há ovelhas
junto com os pastores, e todos eles têm uma versão de boa qualidade do anjo.
Cuoghi ainda traz obras apócrifas, como o Protoevangelho de Tiago, que discute as vozes de
uma nuvem durante o Natal, que tem lugar em uma caverna em vez de em uma
manjedoura. Novamente, isto não é o caso. Esta pintura não é da natividade.
Como o título da obra anuncia, essa é
outra cena. E na abundância do Renascimento e das peças renascentistas
anteriores que descrevem a reunião mítica do Menino Jesus e do Menino São João
– por Raphael, Ferri, Del Sarto, Branzino, Lanfranco, Lunetti, Vecellio, Luini
e assim por diante – não existem anjos presentes. Além disso, a presença de um
João Batista criança na natividade não é encontrado em qualquer Evangelho. Na
verdade, pode-se argumentar que o artista tomou certas medidas para remover a
peça da natividade, com a inclusão do João Batista.
Além disso, o trabalho louvável de Cuoghi
que liga as três estrelas na pintura ao ícone bizantino da virgindade, torna o
símbolo improvável como a estrela de Belém, mas sim um símbolo da Madona, que é
o centro da peça. Isso também afasta a pintura da natividade. Cuoghi refere-se,
em seu artigo, aos anjos escondidos
de Marco Bussagli, e cita o místico do século V Pseudo-Dionísio para ilustrar
seu ponto, de que as escrituras representam anjos em forma de nuvens, para
significar que as entidades sagradas estão cheias de luz escondida em uma
maneira acima do mundano.
Mais uma vez as teorias de Cuoghi
giram em torno da natividade, e mais uma vez esta não é uma pintura da natividade.
Mas será que o objeto em Madona com a
Criança e o Jovem São João pode sequer razoavelmente se assemelhar a uma
nuvem? Obviamente, há talento no trabalho na peça. A atenção dada aos detalhes nas
roupas do observador é boa o suficiente para serem facilmente discerníveis,
mesmo nos detalhes de fundo. É justo dizer que se o artista quisesse que
soubéssemos que estávamos olhando para uma nuvem, então não haveria
controvérsia, estaríamos olhando para uma nuvem.
É possível, operando sob as
influências criativas de sua época, que o artista tenha pintado uma cena de
fundo fora de uma representação bíblica, possivelmente documentando um evento
que tinha sido descrito a ele ou talvez até mesmo que o próprio artista tenha
testemunhado? Talvez um evento que, em seguida, foi disfarçado dentro de uma
representação bíblica. Não é o nosso propósito aqui mostrar que o objeto da
Madona é idêntico aos UFOs testemunhados por observadores modernos. Mas se as
pessoas chegassem a tal conclusão, os UFOs, então já não poderiam mais ser
facilmente descartados como sendo balões experimentais, poluição, o planeta
Vênus, gases do pântano ou armas secretas controladas pelas superpotências do
planeta.
Quando levamos em conta as duas
primeiras obras mostradas neste artigo, é justo dizer que muitos ufólogos não
conseguiram buscar teorias e explicações alternativas para objetos não
identificados encontrados na arte medieval e renascentista. Isso levou a
manifestações de pesquisa superficiais e de pensamento dogmático. No entanto, a
respeito da Madona com a Criança e o
Jovem São João, as explicações apresentadas por Diego Cuoghi e outras semelhantes
encontradas na literatura, soam vazias.
Os críticos forçam a pintura a se
encaixar em suas teorias, às vezes ignorando detalhes óbvios como o título da
peça. Há várias referências ímpares para objetos não identificados no céu
antigo. Na obra Naturalis Historia, do
ano 77 da era cristã, Plínio, o Velho escreve que "durante o consulado de L. Valerius e C. Marius, ao pôr do Sol, um
escudo de fogo brilhou, faiscando através do céu, de leste a oeste".
Julius Obsequens, em seu De Prodigiis, menciona duas vezes que a
luz do dia surgiu à noite no ano de 163, e Plínio também se refere a essas
instâncias de luz do dia durante a noite, chamando-as de "sois noturnos". E ainda temos as estranhas aparições
celestes gravadas por Tito Lívio, que escreveu que “para aumentar a sensação geral de apreensão, foram recebidas
informações de portentos tendo ocorrido simultaneamente em vários lugares [...]
em Arpi escudos tinham sido vistos no céu e o sol parecia estar lutando com a
lua; em Capena duas luas eram visíveis durante o dia ...". Ao que
parece os romanos viram objetos no céu que não podiam identificar facilmente. E
esses são apenas alguns de exemplos. Há muitos mais escondidos na história. Alguns
explicáveis, outros não.
Mas eles poderiam simplesmente ser
fenômenos naturais? Talvez. E vale a pena considerar que, na época da Madona com a Criança e o Jovem São João
não havia tais coisas como meteoros. Durante séculos, a ciência ridicularizava
aqueles que acreditavam em meteoros, e nenhum cientista que se prezava apreciaria
a questão. Isso, em concordância com a Igreja, que considerava a crença em tais
objetos como "ateia e herege",
já que sua aceitação implicaria no fato de que o universo não é um mecanismo
perfeito. Porém não sabemos se fenômenos naturais poderiam explicar todos os
objetos.
Diz-se que momentos antes de relatar
o seu famoso paradoxo, Enrico Fermi perguntou: "Onde estão todos?". Talvez uma possível resposta esteja
enterrada no passado, presa na língua morta de algum texto romano antigo ou
olhando para nós a partir de uma pintura renascentista esquecida. Nós não
sabemos e só há uma forma de descobrirmos: continuar pesquisando, sem mascarar
os resultados encontrados.
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