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domingo, 13 de dezembro de 2020

Culto aos UFOs: O maior perigo da Ufologia

 




Vanderlei D’Agostino

 

Uma invasão de seres extraterrestres, subjugando a Humanidade e tornando-a escrava de interesses ainda desconhecidos para nós. Talvez para sugar nossa energia vital ou extrair órgãos ou fluidos humanos necessários à manutenção de suas vidas. Quem sabe para a extração de recursos naturais de nosso planeta, que já não existiriam em seus locais de origem. Com base em estatísticas e evidências, a existência de vida inteligente em outros orbes e as visitas de seus emissários a Terra são fatos plenamente possíveis. E como ufólogos conscientes, precisamos considerar todas as hipóteses que justifiquem tais visitas e levar a sério as possibilidades descritas acima. No entanto, sempre lembrando que o senso crítico é condição básica para o estudo da Ufologia, tais opções permanecem ainda como especulação, a despeito de algumas correntes dentro da própria Ufologia, que as entendem como verdades irrefutáveis. Particularmente, prefiro manter a posição de que sejam apenas uma possibilidade a ser levada em conta. De qualquer forma, se as visitas extraterrestres tivessem as intenções descritas, seriam de fato um enorme perigo. Isso sem falar nas teorias conspiracionistas apregoadas por muitos de maneira exagerada, que garantem peremptoriamente que nossa sociedade já se encontra sob o domínio oculto de entidades secretas. Ainda que pareçam contraditórias, em respeito aos colegas e ao conceito de que tudo é possível, vamos levar essa hipótese também em consideração neste trabalho.

         Nesta introdução falamos apenas de possibilidades e especulações, ao menos até que se prove de maneira inequívoca sua realidade. Neste artigo, no entanto, discorremos sobre um perigo que é incontestavelmente real e unânime dentro da comunidade ufológica, em qualquer de suas vertentes. Ele está aí há algum tempo e já fez muitas vítimas. São as seitas e cultos ligados à Ufologia ou tendo esta disciplina como ponto de apoio para seu desenvolvimento. Mais que conjecturas, a existência de seitas ufológicas é concreta, de conhecimento amplo e, pior, traz em seu bojo não uma expectativa de perigo, mas sim uma realidade que já se faz presente com todas suas nefastas conseqüências para os humanos que são presos em suas teias. Este perigo, é claro, não reside apenas no cenário ufológico, mas tramita também na área religiosa, filosófica ou até mesmo política, se considerarmos a essência do assunto tratado. Mas vamos nos ater ao cenário de que trata essa revista, sem, no entanto, deixarmos de manter a mente aberta para outras áreas em que as situações aqui tratadas também se aplicam.

 

Os mecanismos de formação de uma seita

 

         A palavra seita, segundo o dicionário Aurélio Século XXI , significa doutrina ou sistema que diverge da opinião geral e é seguido por muitos. A obra também vê as seitas como “um conjunto de indivíduos que professam a mesma doutrina ou uma comunidade fechada, de cunho radical”. Por fim, o Aurélio as descreve como “a teoria de um mestre seguida por numerosos prosélitos. Uma facção ou partido”. A leitura atenta destas definições leva a um grande número de considerações, que analisaremos a seguir.

 

·                   Doutrina ou sistema que diverge da opinião geral e é seguido por muitos”. Não temos aqui um perigo em si, já que a própria Ufologia, ainda que embasada em pesquisas sérias, estatísticas e evidências, não deixa de ser um sistema que confronta a opinião geral e tem muitos adeptos. Já foi dito que a unanimidade é burra e os ufólogos – particularmente este autor – não aparentam ter o menor receio de pertencer a um grupo de pessoas que, apesar de tudo que já foi mostrado, ainda faz parte de uma minoria em termos estatísticos.

 

·                   Comunidade fechada, de cunho radical”. Esta definição começa a se mostrar interessante para nosso estudo. Radicalização, por si só, é algo que devemos evitar. O estudo da História nos mostra quantas desgraças o radicalismo trouxe a milhões de pessoas ao redor do globo. Sendo esse radicalismo perpetrado dentro de uma comunidade fechada, multiplicam-se exponencialmente seus perigos. Pela definição dada, é difícil saber o que acontece nos bastidores de tais comunidades fechadas, podendo-se fazer elucubrações das mais variadas sem se ter certeza de nada. Essa falta de transparência torna-se não apenas mais uma variável nessa questão, mas também uma poderosa arma na mão do sujeito citado na definição seguinte.

 

·                   Teoria de um mestre seguida por numerosos prosélitos”. Temos aqui mais um sério agravante. Como toda teoria, ela não passa de um conceito que ainda não foi definitivamente comprovado por métodos científicos aceitos. Nada contra o termo teoria em si. Afinal, só para lembrar, a Teoria da Relatividade de Einstein abalou os alicerces da Física. Alguns de seus pontos já foram verificados e comprovados e outros continuam no campo da especulação. Nem por isso tal teoria e seu propositor deixaram de ter seus devidos valores registrados na História. O problema aqui reside na palavra mestre. Além de ser aquele que ensina, na concepção popular, a idéia de mestre no contexto ufológico recebe uma conotação no mínimo perigosa: a de alguém superior aos outros. Este é um conceito subjetivo e que dá margem a enganos e imposturas. E o pior, “seguido por numerosos prosélitos” (adeptos).

 

Obviamente, uma análise das seitas ufológicas, suas características, origens, perigos e conseqüências, requer conhecimentos de Antropologia, Sociologia, Psicologia e afins. Mas longe de ter a pretensão de ser um tratado, este artigo tem a intenção levar aos leitores informações objetivas para que possam refletir sobre a importância do assunto, como também fazer um alerta aos pesquisadores da área ufológica, veteranos ou iniciantes. E ainda que possa parecer banal, cumpre lembrar o que é Ufologia: o estudo de objetos voadores, estáticos, submarinos ou espaciais, de origem supostamente extraterrestre e dirigidos de forma inteligente. Oficialmente, existe vida inteligente somente em nosso planeta, a despeito dos números literalmente astronômicos que se apresentam nas atuais estatísticas. Estamos localizados em uma galáxia cujo número de estrelas chega a 400 bilhões, na melhor das expectativas, vagando entre outras 100 bilhões de galáxias, cada uma abrigando entre algumas dezenas e centenas de bilhões de sóis. Mesmo assim, apenas cerca de uma centena de planetas já foram detectados por via indireta na Via Láctea. E todos esses números crescem em proporção direta ao avanço da capacidade técnica dos astrônomos. Fácil seria, então, chegar à conclusão de que deve realmente haver vida inteligente no Universo, e eventualmente nos visitando, conforme os conceitos da Ufologia, baseados não somente em estatísticas mas em evidências visuais, eletrônicas, testemunhais etc.

         A despeito desse arsenal matemático, ainda falta aos ufólogos uma prova definitiva e inequívoca da presença extraterrestre em nosso planeta, a ser compartilhada com aqueles que não concordam com essa possibilidade. Se conseguiremos isso um dia esse é tema para uma próxima oportunidade. Mas já podemos contar com algumas reações em nossa sociedade, baseadas na possibilidade central colocada pela Ufologia. Qualquer que seja seu futuro, ela lançou sementes extremamente interessantes no que tange ao fato do ser humano ampliar sua visão, não só cosmológica como também no que concerne ao seu próprio ser. A simples pergunta estamos sós no universo? sempre foi uma força motriz para querermos alcançar níveis de conhecimento e entendimento que muitas surpresas ainda nos trarão no futuro. Entretanto, nem tudo são flores nessa questão que já quase se coloca como filosófica e não apenas técnica. Essa mesma busca fez nascer uma quantidade enorme de movimentos, nem sempre com as melhores intenções, que podem e devem ser conhecidos por todos – ufólogos ou não.

Tendo em mente que o assunto em pauta requer muito discernimento e senso crítico, vamos examinar os motivos que levam ao surgimento de uma seita, seja ela de qualquer motivação. Tem-se como comum o fato de uma seita estar baseada em motivos religiosos. Lembrando que estão gravados firmemente no inconsciente humano a religiosidade, a existência de ser(es) superior(es) e seus símbolos, temos na própria essência do ser humano os ingredientes necessários para a formação de movimentos cultístas. Sua forma de apresentação é que se diferencia ao longo do tempo, levando em conta as características da época, cultura vigente, momento social, econômico etc. A essência das seitas, no entanto, pouco muda. Para um melhor entendimento, vamos viajar do micro ao macro, ou seja, das características pessoais e individuais das pessoas ligadas a uma seita até sua relação dentro da sociedade. Um dos personagens centrais dessa análise é o líder destes movimentos, em torno do qual os seguidores se fixam.

 

As categorias de líderes de movimentos cultistas

 

         Há três categorias de líderes, conforme sugere a psicóloga Maria de Lourdes Silva: aquele que é bem-intencionado, o que tem algum desvio de conduta (eventualmente patológico) e o literalmente charlatão. O líder da primeira categoria traz consigo uma carga de conhecimentos que pode estar, num primeiro instante, preenchendo necessidades e carências de seus adeptos em variados setores da vida – tais como afetivas, emocionais, familiares e sociais –, que os fazem sentir-se aliviados de seus fardos. Essa procura de uma condição mais satisfatória por parte do potencial adepto é uma porta de entrada para o líder em sua vida, que tem inatos certos atributos, como boa oratória, gesticulação pertinente e outras técnicas das quais falaremos mais adiante. Vale lembrar aqui que esse líder e, por conseqüência, tal seita ou culto, não é, por si só, pernicioso para a sociedade ou para aqueles que o seguem. Este líder acredita realmente naquilo que apregoa e tem normalmente objetivos considerados por ele nobres, que procura dividir com outras pessoas.

Não podemos – nem devemos – criar em pleno século XXI uma nova inquisição, colocando na mesma condição todas as pessoas que têm uma forma diferente de ver o mundo e de interagir com o mesmo. O respeito ao diferente deve sempre imperar. Mas quando o futuro líder começa a se ver como um real líder? Qual é o processo mental que acontece no tempo entre o achar algo e o devo fazer algo em relação a isso e trazer comigo quem mais se interessar? Via de regra, o líder – que também pode ter as mais diversas carências – procura estudar o assunto pelo qual se interessa de maneira profunda, adquirindo conhecimentos que poucos têm. A partir do momento em que esse conhecimento se torna um grande diferencial entre ele e a média das pessoas, cria-se em sua mente a concepção de que pode e deve ajudar terceiros em suas jornadas.

Entra aqui um ponto importantíssimo para esta análise, principalmente com os meios de comunicação que temos hoje em mãos, tão facilmente. Já consideraram os leitores quanta informação nos é despejada 24 horas por dia, seja via televisão, rádio, internet, jornais impressos etc? Mas qual é o real perigo que essa enxurrada de informações acarreta? De um lado, temos os meios de comunicação, que nem sempre primam pela qualidade da informação passada, e, do outro, o receptor, que nem sempre tem seu senso crítico e conhecimento específico de determinado assunto apurado o bastante para diferenciar uma informação digna de confiança de outra que não seja. Feita essa observação, voltemos à figura do líder. Uma vez iniciado o processo de surgimento de um líder classificado como bem-intencionado, esse começa a espalhar sua mensagem pelos meios que dispõe, composta de informações colhidas de formas diversas, indo do que aflora de sua própria mente àquelas emprestadas de meios externos. Considerando que em ambos casos há a possibilidade de falhas, conforme a observação que se fez acima sobre os meios de comunicação, chegamos em um ponto de extrema importância nessa análise.

Ainda que partindo de fatos facilmente observáveis – situações de guerra iminente, grandes cataclismos e ameaças ao meio ambiente, por exemplo –, o líder oferece aos seus adeptos caminhos a serem seguidos, que de forma alguma podem ser verificados. Esse é um dos pontos cruciais das seitas: a partir do momento em que as soluções oferecidas não podem ser comprovadas, temos o contrário como verdade. Tais afirmações não podem também ser desmentidas de forma objetiva e assim, como se diz no jargão popular, fica o dito pelo não dito. E o líder tem caminho aberto à frente para implantar seu sistema de crença em maior escala, sem oposição efetivamente clara. É bom observar aqui que o senso crítico, seja do líder ou do adepto, já está em maior ou menor grau prejudicado. Lembrando que o tal senso crítico é inerente à normalidade, a falta do mesmo é indicador de um possível estado patológico, cujos níveis devem ser considerados caso a caso, não havendo uma situação que possa englobar todas as pessoas como sendo portadoras de alguma psicopatologia. O senso crítico é, portanto, o ponto de partida para que o potencial líder e o potencial adepto façam escolhas corretas no sentido de não caírem em armadilhas formadas pelos seus próprios estados de carência ou insatisfação.

         Mas o que o líder pode oferecer para atrair adeptos? Como os estados de insatisfação com determinadas situações internas ou externas são o ponto de partida tanto para a formação do líder como do adepto – e, por conseqüência, da própria seita –, consideremos determinadas situações hipotéticas. Imaginemos alguém cuja vida profissional e financeira está em crise, levando-o a perder seus bens pessoais, crédito, casa etc. Imediatamente, vem à mente dessa pessoa uma insatisfação ou carência, cuja solução será o oposto da situação atual. Ou seja, a procura por um ambiente em que haja abundância material, dependências lindamente ornamentadas e mobiliadas ou, quem sabe, um belo e enorme sítio ou fazenda com belas paisagens naturais. Isso, a priori, faria o indivíduo sentir-se mais seguro, se comparado com a pequena casa, agora alugada e em um distante subúrbio, onde mora. Se o líder puder oferecer isso e o senso crítico do possível adepto estiver falho, teremos então um forte candidato a seguidor da seita do líder.

É claro, no entanto, que não somente pessoas com dificuldades financeiras seguem determinadas seitas. Para entender isso, voltamos novamente à análise das carências. Imaginemos uma outra situação em que determinada pessoa tem sua vida familiar e social conturbadas por vários motivos. Alguém que lhe dê um abraço, um olhar amigo ou contato físico amistoso será objeto de admiração e, eventualmente, uma necessidade. E quem recebe este tratamento pode ser tornar mais um candidato a seguidor da seita do líder. E como essa, poderíamos descrever inúmeras situações com a mesma natureza intrínseca, embora os exemplos dados sejam suficientes para se entender como funcionam os processos de aproximação do adepto a um movimento de culto. Mas não basta ao líder apenas fornecer o estímulo que falta para agregar novos membros. É necessário também o convencimento. Entra aqui não somente o âmago da mensagem, mas também as técnicas para tal convencimento. Quanto à mensagem, o líder se mostra uma figura carismática e profunda conhecedora do ponto focal da seita, ainda que com informações inválidas ou não verificáveis. É também amigável e chega muitas vezes à adulação. Apresenta-se como um conselheiro, até mesmo usando de meios materiais para manter a relação adepto-líder. Claro, tudo isso em relação ao líder que classificamos como bem-intencionado, que faz tudo isso pensando no bem-estar do adepto.

 

Um líder com desvio de conduta

 

         Vamos um passo adiante e vejamos agora o que acontece quando surge a figura do líder bem-intencionado, porém com algum desvio de conduta e em estado potencialmente patológico. Permanecem as observações feitas até aqui, mas com algumas agravantes. Esse segundo tipo de líder – ainda segundo a classificação da psicóloga Maria de Lourdes Silva – tem suas faculdades de senso crítico e discernimento já esvaídas, pelos mais variados motivos. Assim, ele potencializa de forma perigosa as características do tipo anteriormente descrito. Nessa categoria, via de regra, o líder se julga um enviado para a solução de determinados problemas por ele abordados. Pode alegar estar sob comando de um ser ou seres superiores, de quem alega receber informações sobre a conduta humana, através de intuições, visões ou revelações, que novamente nos remetem à já citada necessidade inerente do ser humano em ter uma entidade superiora, ligada à religiosidade e aos símbolos.

No entanto, quando mal direcionada ou trabalhada internamente, essa necessidade faz surgir uma figura perigosa para os incautos que com ele têm contato. Temos aqui um tipo de líder com um poder de convencimento maior do que o primeiro, visto que sua visão daquilo que acha ser sua missão já é para ele uma fixação, uma verdadeira cruzada contra um inimigo comum. A propagação da existência desse ilusório inimigo – que pode ser o sistema vigente, os governos ocultos, o anticristo, os extraterrestres não-confederados etc – passa a ser uma arma essencial para manter o grupo coeso pois, além do preenchimento das necessidades acima citadas, cria-se uma visão comum a todos sobre os opostos: somos nós contra eles. Isso gera a idéia, também segundo o jargão popular, de que ou vencem eles, ou vencemos nós. Ou seja, o uso da dicotomia como forte instrumento de recrutamento e permanência do seguidor. Tal posicionamento, aliado à falta de senso crítico – que é pré-requisito de estados patológicos –, pode gerar um movimento radical, levando o líder e seus seguidores a ações que venham trazer prejuízos dos mais variados, indo do isolamento social até mesmo risco às suas próprias vidas.

Exagero? Certamente, não. Basta lembrar a tragédia ocorrida em 1978, quando centenas de seguidores de Jim Jones foram levados ao suicídio nas Guianas, ou em 1997, quando os seguidores de Applewhite, da seita Heaven’s Gate, tiveram o mesmo destino na Califórnia. Percebam que em ambos casos os líderes tiveram o mesmo fim trágico de seus prosélitos. Isso vem confirmar o nível patológico em que se encontravam, visto que acreditavam tão piamente naquilo que propalavam, que chegaram a exterminar suas próprias vidas. Podemos observar, nesses exemplos, como é perigoso o contato e envolvimento com tais pessoas, uma vez que seu poder de convencimento é muito maior do que aquele que acredita em algo, porém mantendo seu nível de senso crítico em condições, digamos, aceitáveis. É importante lembrar que, além de condições psicopatológicas, há também desvios de conduta de origem física. Descompensações enzimáticas, deformidades físicas e problemas de origem neurológica são alguns exemplos. Novamente, o quanto esses problemas médicos podem levar a uma conduta doentia ainda é tema de discussão na área médica, devendo a análise ser feita caso a caso, sem generalizações.

O surgimento da seita é algo que se faz de forma natural e quase imperceptível, sendo isso mais um grande perigo. A princípio, a própria mensagem do líder aglutina simpatizantes que, eventualmente, vêm a ser tornar algo mais organizado. Na seqüência, essa organização pode vir a gerar até uma religião institucionalizada, como aconteceu com várias no Ocidente e no Oriente. Mas, além da mensagem, outros fatores externos podem vir a iniciar o aparecimento de cultos e seitas. O milenarismo é um deles, o que nos remete ao fator símbolo anteriormente citado. O encerramento de um milênio – e a História mostra que a essência desse conceito pode gerar movimentos em fechamento de séculos também – traz a imagem numérica de final e início de um ciclo, nascendo daí a necessidade de uma mudança, seja de parâmetros sociais, éticos ou religiosos. Como toda mudança traz necessidades diversas, voltamos ao caso de criar terreno fértil para a criação de lacunas em nosso modo de pensar e ver as coisas que nos rodeiam – lacunas essas facilmente preenchidas por sistemas de crença nem sempre com embasamento qualificado.

 

Os atos dos líderes charlatões

 

Vamos falar um pouco agora sobre o líder charlatão, uma expressão que pode parecer jocosa, mas não é. A língua portuguesa o define como explorador da boa-fé do público, impostor, embusteiro e trapaceiro. O processo de criação de uma seita tendo um charlatão como líder se dá com o objetivo de se auferir vantagens pessoais de forma antiética e/ou ilegal. Via de regra, o charlatão não cria algo novo. Pelo contrário, se apropria de idéias e conceitos já existentes ou, dentro de algum seguimento que verifica ser potencialmente rentável, redireciona tais conhecimentos para sua própria realização pessoal, seja ela financeira ou social. Como nesse caso o líder não tem algo de realmente novo a oferecer, faz uso de variadas técnicas para incentivar a aproximação de eventuais seguidores. Entonação de voz adequada, postura corporal atraente aos olhos, técnicas de programação neurolingüística e até mesmo prévio conhecimento de artes dramáticas são alguns dos caminhos utilizados pelo charlatão para manter seus adeptos presos em suas garras.

Há também, e isso é muito importante para análise, as técnicas que são empregadas na conquista e manutenção dos adeptos. A privação do sono, alimentação inadequada, isolamento social e gradual doutrinação são algumas delas. Essas técnicas podem ser utilizadas em seguidores que já mantém até mesmo uma moradia junto ao líder – como em retiros, fazendas ou comunidades –, ou mesmo nos visitantes esporádicos, quando esses permanecem por tempo necessário para que tais ferramentas façam efeito. E, claro, tais efeitos se direcionam exatamente à capacidade de crítica do potencial seguidor. O leitor já se deu conta de que seu raciocínio fica prejudicado após longos períodos de vigília ou quando está mal alimentado? Pode-se perceber neste simples exemplo o quanto situações como essas aumentam o perigo de adesão à seita, já que o embusteiro usa de todas as ferramentas a sua disposição de forma ordenada e direcionada para desviar os incautos de uma postura e ação corretamente analisadas perante sua seita.

         A título de exemplo, posso citar um caso acompanhado por este autor, ocorrido com um jovem que chamaremos apenas de Marco. Curioso sobre Ufologia, Marco esteve durante um fim de semana prolongado em uma dessas seitas com as características acima. Em seu relato sobre os fatos que se deram durante sua estada lá ficaram claras algumas dessas ferramentas citadas. Após vários dias do que os coordenadores da seita chamaram de “preparação”, através de meditações, caminhadas cansativas, técnicas supostamente energéticas mas sem resultados mensuráveis e longas vigílias, as centenas de pessoas ali presentes estariam finalmente “prontas” para um contato. Não especificamente com discos voadores ou extraterrestres, mas com o líder da seita, já que toda a preparação estava direcionada para isso. Isso porque o tal líder sequer estava presente durante os procedimentos, chegando ao local somente no último dia, após todo um processo de envolvimento que culminaria com sua chegada.

Caso o avistamento de algum UFO ou extraterrestre acontecesse, a chegada messiânica do líder chegaria a superar os resultados esperados. Mas não foi isso que aconteceu com Marco, pois, segundo os tais coordenadores , “ as energias não estavam satisfatórias”. Felizmente, Marco não caiu na armadilha emocional criada para atraí-lo e hoje continua uma pessoa emocional e socialmente sadia. “Minha ida àquele local foi uma viagem interessante apenas como turismo, apesar de ter gasto algumas centenas de reais com a promessa de ver discos voadores”, declarou ao autor. Voltaremos a esse caso específico um pouco mais à frente em nosso texto, com detalhes interessantes.

 

As vítimas das seitas

 

         Mas como os adeptos encaram os fatos, já que são, numericamente falando, as maiores vítimas das seitas? Numericamente porque, como vimos até aqui, o próprio líder também pode ser uma vítima de suas convicções, ainda que um único líder possa gerar dezenas, centenas e até milhares de seguidores. Como se sabe, é característica de um seguidor de seitas é ter alguma carência que pode ser eventualmente preenchida por um culto, através de seus conceitos e proposituras. Isso torna o potencial adepto uma presa para o líder, que encontrará nela um apoio e imagem de continuidade para suas idéias. É nesse ponto que vemos que o processo é de mão dupla, onde um é referência para o outro, criando-se, então, uma verdadeira bola de neve. Entre um líder e um adepto a diferença está em que o último vê no primeiro um ser superior, com grandes conhecimentos. Eventualmente, o adepto vê no líder a figura de um enviado, que lhe dará as soluções para seus conflitos internos. Lembrando que nem toda seita é necessariamente perniciosa, o uso do senso crítico é agora condição indispensável para que sejam evitados verdadeiros desastres, com variados graus.

É comum verificarmos nos adeptos uma situação recorrente. Via de regra, procurando preencher lacunas, tal pessoa passa por vários sistemas de crenças, experimentando cada uma delas até que, num determinado ponto, chega à conclusão de que achou o que irá satisfazer suas necessidades. Dependendo do nível de senso crítico que possua, tal encontro não será necessariamente nefasto. Uma análise criteriosa do que se passa dentro de determinada seita – se suas propostas fazem sentido ou não, se o líder se mostra ponderado em suas idéias e ações e se realmente o que lhe é oferecido é o que realmente precisa – é o diferencial entre aquele que adere a um determinado padrão de conduta ou não. Visto que o adepto pode ter esse senso crítico prejudicado, ele poderá eventualmente se agregar a um seguimento que lhe fará mais mal do que bem. Se o bom senso imperar dentro de sua mente, no entanto, ele saberá distinguir o que lhe é bom. Mas sempre há a possibilidade de que tal senso crítico esteja de tal forma falho, que possa vir a permitir um estado patológico.

 

O agravamento da situação

 

O grande perigo acontece quando o adepto e o líder se encontram a caminho ou já em estado patológico. É quando se une o inútil com o desagradável, com conseqüências imprevisíveis. Uma das características da patologia dos cultos e seitas pode ser detectada quando o adepto se separa de todo convívio social e familiar que tinha até então, se dedicando exclusivamente, em tempo integral, ao seu novo mundo. E quando esse novo mundo pode ser caracterizado por não ter bases sólidas ou ter como figura central um líder com desvios de conduta ou dentro da categoria do charlatanismo. Se após algum tempo dentro da seita o adepto resolve por conta própria se afastar da mesma, é sinal que mantém sua sanidade mental intacta, fazendo bom uso de seu poder de crítica. Se isso não acontece, podemos temer pelo pior, ainda que o adepto não tenha, necessariamente, algum tipo de patologia exacerbada. Mas não vamos nos esquecer que os casos devem ser analisados um a um.

O que faz alguém permanecer ou não dentro de uma determinada comunidade é o peso que aquilo que lhe é oferecido tem dentro de seus padrões de necessidade. Entra aí, em especial com os líderes charlatões, a identificação das necessidades e posterior tentativa de preencher essas lacunas de tal forma que o adepto se torna prisioneiro das artimanhas do líder. E o que faz o adepto largar todo o contexto social em que vivia antes é, geralmente, o conceito disseminado pelo líder de que eles – líder e adeptos – são tão especiais que o convívio com pessoas que não comungam das mesmas idéias pode contaminar a pureza de seus objetivos. Eis o perigo que essa situação traz. Mas o que podemos fazer, então, para afastar o adepto da seita, quando se verifica que esta pode vir a ser prejudicial? “Este é um longo e trabalhoso processo”, lembra a citada psicóloga. “Devemos, antes de qualquer coisa, diferenciar com que tipo de seita a pessoa está envolvida”. Lembrando que o líder do tipo bem-intencionado não oferece, a priori, maiores perigos, vamos direcionar essa discussão aos cultos charlatanescos e aos com desvio de conduta, eventualmente patológicos. O primeiro caso, naturalmente, é puramente policial. Há que se encontrar na conduta de tal comunidade itens que possam estar infringindo as leis vigentes e fazer uso dos instrumentos legais.

A existência de esquemas financeiros, uso de drogas e desvios de condutas sexuais são alguns exemplos de itens que devem ser procurados nestas seitas, para que as mesmas e seus líderes respondem criminalmente pelos delitos. Uma vez comprovadas tais situações, o líder pode ser levado às barras da Justiça e ter sua imagem vulnerável perante a comunidade, fazendo com que os seguidores mais atentos venham naturalmente a se afastar do grupo. Retirar o líder do comando de forma definitiva, ou mesmo mostrar suas verdadeiras intenções, já é meio caminho andado para a dissolução do grupo. A outra metade do caminho reside na própria mente do seguidor. Vejamos um exemplo interessante, voltando um pouco ao caso Marco. Sua visita ao local onde se reúnem os seguidores da seita foi decorrente do insistente convite de uma conhecida. Após seu passeio turístico à fazenda da entidade, ele acabou perdendo contato com essa conhecida, vindo a encontrá-la tempos depois, após o líder de tal seita ter sido acusado de falcatruas –inclusive, com sua imagem como embusteiro sido veiculada pela imprensa. Ao indagar sua conhecida sobre como se sentia com tal situação, a resposta foi, no mínimo, digna de análise: “Não estou mais com eles. Mas em compensação, encontrei um outro grupo que é maravilhoso e você tem que conhecer”.

No segundo caso apresentado, assim como no primeiro, o envolvimento da família é essencial. Ela tem que estar atenta ao que se passa logo no início da aproximação da pessoa com o referido culto, suas características e objetivos. Caso o reconhecimento de tal movimento como sendo perigoso se dê muito tarde, será necessário um trabalhoso processo de ajuda dos familiares no sentido de mostrar ao adepto que a realidade se mostra diferente daquilo que ele pensa ser. Apoio emocional e ouvir o que o seguidor tem a dizer é essencial nesse primeiro instante. Num processo gradual, deve-se tentar afastá-lo fisicamente do grupo, sugerindo viagens ou passeios que dispersem um pouco sua atenção em relação à rotina da comunidade e assim, aos poucos, ir quebrando a lealdade que o seguidor nutre em relação ao líder e ao grupo. Em um estágio mais adiante se pode contestar as posições e atitudes do líder sem, no entanto, entrar em conflito com a vítima. Não se espante, caro leitor, caso note na situação apresentada uma semelhança com a dependência de drogas. O processo é realmente muito parecido.

         Os leitores devem ter observado, igualmente, que este estudo não se deteve, até agora, especificamente nas seitas de cunho ufológico, tendo procurado dar uma visão geral dos processos que envolvem tais seguimentos. Mas voltando nosso enfoque mais objetivamente para dentro do contexto ufológico, vamos então analisar algumas variáveis desse assunto. É preciso, antes de mais nada, se ter em mente que a partir do século passado, baseado nos progressos científicos alcançados, o ser humano pôde pela primeira vez e de forma objetiva encarar o Universo que o rodeia como um enorme agrupamento de astros potencialmente providos de vida inteligente. Isso se restringiria, num primeiro instante, às ciências exatas. Mas o homem é complexo por natureza, e tais possibilidades estatísticas mexeram, em maior ou menor grau, com um antigo e sempre presente mito residente em sua memória ancestral: o de seres superiores, normalmente descidos dos céus, de natureza divina. A História e a Antropologia mostram isso claramente registrado pelos nossos antepassados mais longínquos, através de esculturas e pinturas rupestres.

A abordagem mais técnica usada nas últimas décadas modificou e ampliou esse mito quase que o materializando em computadores da NASA e outras entidades voltadas ao estudo do Cosmos. O ser humano passou a ter, finalmente, números e estudos reconhecidos pela comunidade acadêmica para pular do estágio de crença para o estágio de realidade. E o advento da chamada Ufologia Moderna, a partir de 1947, completou o quadro. Eles existem. Eles nos visitam. Eles mantêm contato conosco. Quem seriam eles, afinal? Sem entrar no mérito da questão, por não ser objeto de nossa abordagem, não podemos deixar de levar em conta que são eles que reacenderam – ou modificaram – nosso antigo mito do ser superior. Uma das premissas básicas da quase totalidade das seitas ufológicas mostra um padrão de comportamento onde temas como existir, visitar-nos e manter contato conosco são colocados acima de qualquer dúvida, muitas vezes chegando à irracionalidade e à perda do controle emocional, conforme exaustivamente demonstrado na análise dos indivíduos ligados às seitas, ufológicas ou não.

 

Estamos em contato?

 

Seriam as premissas acima verdadeiras, em especial o manter contato conosco? Devido à complexidade desse assunto, seria leviandade emitir uma opinião em poucas palavras. Mas deixemos em aberto essa possibilidade, em especial a do contato amistoso, em suas diversas modalidades. E mais, conforme frisa o ufólogo americano Jim Courant, respeitando as pessoas que alegam ter tido contato, amistoso ou não. São muitas vezes pessoas simples e do interior que, além de não auferirem nenhuma vantagem com tais declarações (muito pelo contrário), sequer têm conhecimento do assunto o suficiente para inventar essa ou aquela história. Nos resta, então, nesses casos, acompanhar e estudar os mesmos para uma análise dentro dos padrões anteriormente citados. E conforme o caso, dar o apoio necessário a tais indivíduos – premissa básica para ser um bom pesquisador da área ufológica.

Mas como se colocam todas essas questões dentro do contexto social? É impossível fazer tal análise sem levarmos em consideração as características de cada sociedade. O Brasil, por exemplo, tem terreno fértil para o surgimento de seitas, quaisquer que sejam seus enfoques. Isso se dá, principalmente, pela grande variedade de culturas que formaram o atual cenário social nacional. Verificando nosso continental país de norte a sul, podemos identificar culturas originárias de quase todas as partes do mundo, tendo essas influenciado nosso modo de agir e pensar. Sem falar de outras áreas, basta ver a diversidade religiosa que impera no Brasil. Ao longo do tempo e por razões políticas, sociais e financeiras, importamos crenças variadas – o que não é, de forma alguma, algo ruim. Entretanto, tal característica permitiu, de maneira gradual e quase imperceptível, que nosso povo estivesse de mente sempre aberta a formas diferentes de encarar o sobrenatural. Essa macro condição permitiu que estivéssemos individualmente disponíveis a eventuais movimentos de culto, que nem sempre primam pelo equilíbrio e bom senso. Essa tendência seria característica única do Brasil? Certamente, não.

Nos Estados Unidos, por exemplo, também temos tais movimentos. Porém, outros fatores tiveram um peso maior no conjunto a ser analisado. Sem entrar nos detalhes do porquê chegaram a isso, podemos dizer que os norte-americanos têm uma conduta social onde o consumismo é quase uma necessidade para manter sua identidade como nação – e este consumismo não se restringe apenas a um carro novo ou aparelho de tevê digital de última geração. Tal necessidade de consumo pode, também, se refletir em novas idéias e conceitos, ainda que não tenham necessariamente um embasamento aceitável, em termos técnicos, científicos ou mesmo filosóficos. Isto dá vazão a numerosos seguimentos filosófico-religiosos que podem trazer em seu conjunto seitas, conforme analisadas anteriormente nesse artigo.          Informa a socióloga italiana Valéria Paterna que movimentos de culto de cunho ufológico também se fazem presentes na Europa. Porém, senão em menor número, pelo menos em menor intensidade na sua forma de atuar. E por que tal diferença? É sabido que o nível cultural europeu difere do norte-americano, em especial na maneira de encarar as relações do continente com o restante dos países. Enquanto a educação nos EUA se volta principalmente para si mesma em termos históricos e culturais, a educação levada a cabo nos países europeus, em geral, verifica as inter-relações entre os vários países dos diversos continentes. Em última análise, isso acaba por elevar o senso crítico de seus cidadãos no que concerne não somente a movimentos de culto, bem como outros aspectos, tais como políticos, econômicos etc.

         Voltamos aqui, de maneira mais enfática, à proposta de análise das informações passadas pelos meios de comunicação, abordada anteriormente, acrescida da temática educacional. Como podemos cobrar de pessoas que têm acesso a informações distorcidas e/ou manipuladas uma correta ação em termos sociais e pessoais? Será que aqueles que tiveram desde sua fase de formação uma sobrecarga de informações direcionadas, ainda que de forma sutil, a agirem dessa ou daquela forma, poderão um dia se livrar desse fardo? Fardo esse que poderá eventualmente transformá-lo em vítima de charlatões dos mais variados quilates ou, quem sabe, de suas próprias armadilhas mentais.

Essa discussão traz embutida, quando se analisa o contexto ufológico, a importância e a responsabilidade dos formadores de opinião nessa área. Teríamos nós, ufólogos ou simpatizantes, o direito de alardear possibilidades – às vezes puras especulações ou até mesmo fraudes – como sendo verdades incontestáveis, confundindo pessoas que, incautas, poderão um dia se tornar personagens do que foi exposto nesse artigo? Para encerrar, peço permissão aos leitores para, num paralelo com a Matemática, solicitar que mantenham em mente a seguinte equação: Ufologia séria = estar bem informado + senso (auto)crítico.

 


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