quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

Análise da Regressão de Memória de Carlos de Souza

 

REGRESSÃO DE MEMÓRIA RECORRENTE NA UFOLOGIA

Por Gordon Bates




 

            Introdução

            Esta é uma crônica a respeito de uma ideia que não abandona a ufologia, por mais que se colham os pareceres e as análises de profissionais da saúde mental. A Hipnose surgiu na década de 1960 como uma tábua de salvação para a completa ausência de provas das abduções. Não é necessário reprisar as icônicas sessões de regressão de memória que o psiquiatra americano Benjamin Simon levou a efeito com o casal Hill.

            A regressão de memória ou de idade passou a ocupar os métodos de comprovação na ufologia, ainda que não sejam próprios dela, vez que os meios de prova existem para que deles se utilizem quaisquer áreas que necessitarem evidenciar suas proposições. Enquanto a hipnose em si é mesmo uma técnica interessante para algumas correntes alternativas de tratamento psicológico, usada por psicoterapeutas, a regressão de memória é uma prática pontual e se tornou para a ufologia uma forma de seguras afirmações. Que no fundo são inseguras.

            Agora, com a constante divulgação do Caso Varginha, que não cessou nem cessará ao que tudo indica, a regressão de memória volta ao palco, com ufólogos – leigos ou profissionais de saúde mental – mantendo essa sua ideia insistente e recorrente. Consta que duas das senhoras, as primeiras testemunhas do Caso, estão sendo ou serão submetidas a sessões de regressão e o protagonista da suposta queda de uma “nave”, na Fazenda Maiolini, Município de Três Corações, MG, em 13 de janeiro de 2020, já foi sujeito de uma primeira sessão hipnótica, registrada em um vídeo de uma hora e vinte e sete minutos.

            A Hipnose como Suposta Técnica Eficaz

            A Hipnose, em sua prática de regressão de memória, é meio que comprova a veracidade de casos ufológicos e de quaisquer casos. Assim enfatizam ufólogos. Chegam a dizer que no Brasil ela é utilizada judicialmente, para comprovação de ocorrências criminais. Quando usada na Justiça, o que é raríssimo, não pode ser escolhida para um julgamento, uma Sentença. É inadmissível qualquer meio que evite a livre expressão do Réu. Portanto equivocam-se ufólogos que dizem o contrário. Essa crença é um exagero destinado  a sustentar ideias irredutíveis quanto á regressão de memória. O que em dialética, em termos de raciocínio, é chamado de viés de confirmação.

            É maioria entre os estudiosos, leia-se psicólogo, psiquiatra ou até mesmo psicanalista, que a hipnose, se bem aplicada em nível ou grau de transe profundo, retrata tão somente a realidade subjetiva do hipnotizado. Isto é, sua realidade própria, que ele vivenciou e por vezes em razão de fatores nada objetivos. O hipnotizado narra durante a regressão a realidade em que ele acredita. Ela pode ter sido moldada por sonhos, por alucinações, por má interpretação de certos fenômenos e até mesmo pela crença religiosa. Jamais se presta a à comprovação científica de abduções, visões de UFOs (atualmente UAPs) e similares.

            A Influência do Hipnotizador e do Meio Ufológico no Hipnotizado

            Este trabalho atem-se à regressão de memória divulgada no meio da ufologia como tentativa de resgate de lembranças que envolvam a real queda de uma “nave” em 13 de janeiro de 1996, na Fazenda Maiolini, Município de Três Corações, MG, cujas nuances são conhecidas da ufologia brasileira.

            Um hipnólogo que visasse descobrir essa suposta realidade objetiva teria de ser antes de tudo alguém completamente ausente dos meios ufológicos. A separação entre o que o hipnotizado acha que presenciou e essa realidade é extremamente complicada. A ufologia vive de divulgar seus gloriosos e heroicos feitos, contando para isto com o testemunho de pessoas que se dizem abduzidas ou simplesmente presenciais de algumas ocorrências. Este último era o caso da testemunha agora comentada, o da Fazenda Maiolini, que de repente se tornou um abduzido e um contatado.

            A diferença entre testemunha e contatado foi explicada pelo falecido ufólogo francês Henry Durrant (“Primeiras Investigações sobre os Homanóides Extraterrestres”. DURRANT, Henry. São Paulo: Hemus, 1980, PÁG. 222). Ele relacionou sete pontos em que Testemunhas e Contatados diferem em seu comportamento. Em resumo, a Testemunha paraticipa do fato por acaso, por surpresa e o Contatado é atraído ao local, recebe mensagem mental e vai por alguma razão inexplicável; a Testemunha sofre uma experiência desagradável, objetiva e fria, enquanto para o Contatado ela é maravilhosa e vem sucedida por mensagens de cunho filosófico (!) ou transcendente; a Testemunha pode contar com depoimentos de terceiros que tenham avistado algo e que corroborem suas declarações, ou o local apresenta algum mero indício material da ocorrência, mas o Contatado não conta com nada disto.

              Não se creia que aqui estejamos misturando instâncias, ao subtitularmos que há uma influência do hipnotizador e do meio ufológico,sobre as testemunhas. Adiante será notada a razão.

              Muitas testemunhas do Caso Varginha tornaram-se com o passar dos quase 30 anos uma verdadeira mescla dessas características acima mencionadas. Para justificarmos esta observação, passamos a reproduzir as 6ª e 7ª diferenças detectadas pelo saudoso ufólogo. Preste bastante atenção o leitor entusiasta da ufologia e do Caso:

              “6. Testemunha: faz uma narração coerente mesmo que seja inacreditável; não tenta enriquecê-la com detalhes ou com uma ´sequência´com o passar do tempo. Contatado: faz nararrações que, apesar de coerentes originalmente, se tornam cada vez mais complicadas e incoerentes à medida que vão sendo aumentadas com detalhes

7. Testemunha: não gosta de falar de sua experiência, pelo contrário, procura geralmente evitá-la. Seja o que for, não costuma encontrar uma base para defender um credo; não dá conferências e não escreve livros; resumindo, entra na obscuridade da sua vida privada, de onde saíra momentânea e involuntariamente. Contatado: gosta de falar de sua experiência e por vezes constroi a base de um verdadeiro sermão pessoal; dá conferência e escreve livros e afirma também que nada recebeu pelas informações publicadas.  Independentemente desta última componente de caráter pecuniário, de importância determinante para fins de difusão da mensagem sempre mais ampla da mensagem dos Extraterrestres presumíveis, procura aumentar tanto quanto possível a sua própria popularidade fazendo publicidade do seu caso, por todosos meios que lhe sejam possíveis”.  

            As testemunhas submeteram-se durante 27 anos a uma saraivada de ideias ufológicas. O contato delas com ufólogos ampliou-se consideravelmente em número e em linhas de pensamento, a partir do instante em que começaram a aparecer na Imprensa, e protagonizam o caso mais rumoroso da ufologia mundial depois de Roswell. Todos esses ufólogos, sem exceção, ao menos à época do caso adotavam ferrenhamente o viés da “nave extraterrestre”. Pensamento que tornou a ufologia o sinônimo de uma área que insiste por demonstrar que estamos sendo visitados por civilizações extraterrestres avançadíssimas. Quando entram em campo estudiosos que se dedicam a técnicas discutíveis, polêmicas e insípidas, como a Hipnose Regressiva, a influência se torna mais concreta.

            Os fatores intrínsecos a cada testemunha, suas crenças, cultura pessoal, formação, seu quadro psicológico e até psíquico, compostos de vários outros aspectos pertencentes à subjetividade da pessoa, misturam-se ás crenças, finalidades, vieses, dos próprios ufólogos. Dentre estes, os hipnotistas ufólogos. Os hipnotistas para quem a regressão de memória é técnica infalível ao encontro da verdade. Porém não distinguem o que decorra da verdade íntima, da verdade interna, da verdade subjetiva, de cada testemunha ufológica hipnotizada.

            Testemunhas e contatados não compõem sozinhos esse mundo extraordinário. Tão importantes à construção de uma realidade ainda longe de ser demonstrada como objetiva, são os próprios ufólogos. Não se pode separar o conjunto de fatores que constituem as atitudes e o comportamento das testemunhas e dos ufólogos. O mundo dos “discos voadores” é da testemunha e do ufólogo. E este não age somente como estudioso, pelo que não se diga que seja óbvia a participação do experimentador. Em ufologia, o experimentador se confunde com o objeto experimentado muito mais do que isto costuma ocorrer em verdadeiros experimentos científicos.

            De Como o Hipnotizado Adota a Ideia do Hipnotizador

            A sessão hipnótica foi levada a efeito na data de 04.12.2022, em Peruíbe, SP, por um dedicado hipnotizador, que apesar de não ter formação em qualquer área da saúde mental, detém uma extensa coleção de certificados de temas paralelos aos acadêmicos, cujos objetos e fundamentos não são para discussão aqui. O hipnotizador forneceu a gravação da sessão hipnótica cujas primeiras imagens mostram uma poltrona com uma grande “cabeça de ET”, aquele desenho que se tornou símbolo ou ícone de extraterrestres, com face triangular e comprida, com dois grandes olhos negros. A importância disto é que desde o ambiente o hipnotizado se vê envolvido por um clima relacionado a supostos extraterrestres. Que muita gente acredita serem tripulantes de Discos Voadores,“greys” que compõem os anais ufológicos em incomodativos casos de abdução.

            Carl Sagan ironiza o fato de que acontece um sem número de abduções noturnas, contudo jamais foi disparado sequer um sofisticado alarme de residência. Destaca que de acordo com a ufologia estaríamos diante de um caso para cada fração de minuto. Ou seja, mais de 100 milhões de abduções. Entusiasmados ufólogos parecem desprezar essa matemática em favor das afirmações que visam convencer de que estamos sendo visitados – e abduzidos – em número a cada dia crescente. O resultado é que muita gente passa a acreditar que foi abduzida, para justificar problemas afetivos de toda sorte e da ânsia de se tornarem de importância messiânica.

            Abduzidos procuram terapeutas e hipnotizadores, quando não se dá o inverso. Ufólogos procuram exasperadamente a testemunha ufológica abduzida. A hipnose trará à tona do consciente o que foi canalizado e esquecido, vale dizer recalcado, permitindo ao inconsciente (na verdade ao sub ou pré-consciente) que deixe transbordar tais fatos. O problema é sério e se divide em dois aspectos. Primeiro, se a testemunha foi realmente hipnotizada, ou seja, se entrou em transe propício à realização de uma Regressão de Memória legítima, ou se apenas se submeteu a uma concentração consciente para  ficar mais atenta à sua memória. Ou se a testemunha não fingiu o transe, para agradar a ambos – a ela própria, que se diz abduzida ou adoraria sê-lo, e, claro, ao ufólogo hipnotizador. Há uma certa complexidade nisso.

            Sagan termina em seu obrigatório “O Mundo Assombrado pelos Demônios”, alertando que os terapeutas ou hipnólogos dedicados a abduzidos anunciam seus serviços de forma escancarada, por vezes pelos meios mais eficientes de propaganda. De seus  cartões de visita consta sua especialidade no trato com abduzidos por ETs. Esse absurdo, que deveria ser evitado como um fator primário de influência nos pacientes, com o fito de se estancar ao máximo as FALSAS LEMBRANÇAS, são orgulhosamente exibidos por célebres estudiosos/ufólogos. A exemplo de David Jacobs. E do mais famoso, o falecido psiquiatra de Harvard, John Mack. Mack esteve por algumas horas em Varginha ouvindo as três então meninas que acenderam o estopim do Caso.

Quando esses profissionais procuram potenciais abduzidos, avisam e por vezes até prometem que lhes tirará do esquecimento o que ocorrera durante a extraordinária experiência, passo-a-passo. É o que basta para a criação, independentemente dos sofistas criadores de justificativas, de FALSAS LEMBRANÇAS.

            Ao invés disto esses profissionais deveriam agir cientificamente, ou seja, evitar a qualquer custo toda a influência no  hipnotizado, antes e depois da sessão hipnótica. O que é muito difícil, quase impossível, tornando assim a técnica da Regressão ABSOLUTAMENTE INVÁLIDA à busca de uma realidade objetiva, ou à comprovação de que humanos sejam abduzidos por seres de fora. Neste ponto Sagan volta a ironizar – esses estudiosos deveriam ser mais realistas com os seus pacientes (“O Mundo Assombrado pelos Demônios”. SAGAN, Carl. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, PÁG. 173).

              O avistamento do comentado hipnotizado teria ocorrido em 1996 e desde aquele ano a grande repercussão do Caso Varginha tem provocado um verdadeiro assédop à percepção das testemunhas. Que se dá por publicações na imprensa escrita, falada, televisada, por meio de documentários produzidos no Brasil e no exterior. O destaque vai para o excelente “Moment of Contact”, de James Fox, um profissional da mainstream que, muito bem assessorado pelo ufólogo e produtor brasileiro, Marco Aurélio Leal, é dedicado ao tema ufológico. A testemunha hipnotizada passou por vários dias com James Fox nos Estados Unidos da América e teve participação de destaque no citado documentário.

            Por cerca de trinta anos a testemunha sofreu a influência de todo o aparato de divulgação não apenas do Caso mas da ufologia em geral, que a cada dia se torna um promissor nicho de audiência. Vez que a participação do ufólogo – no caso o hipnotizador – não se separa, formando ambos um conjunto “de psiques”, há de ser discutido quem tem credencial e conhecimento suficiente para aplicar uma Regressão de Memória.

            Lidar com a psique, com a mente, não é fácil nem é de mero deleite. Não há no Brasil uma Lei que proíba a aplicação da Hipnose pelo leigo em saúde mental. Contudo não é necessário que a legislação traga expressamente certas acepções em suas letras. Os estudantes e os operadores do Direito sabem disto. Caso contrário, o Direito seria, por absurdo, uma ciência exata e as Leis não comportariam interpretações nem extensões em sua aplicação. Havia uma apelidada “Lei de Jânio Quadros”, que proibia o uso da Hipnose pelo não formado em áreas da saúde, bem como sua exibição e espetáculos públicos. O respectivo decreto foi revogado pelo Presidente Fernando Collor de Melo e a partir de lá toda sorte de aventureiros, e de estudiosos sérios é claro, passaram a se considerar useiros e vezeiros da Regressão de Memória. Até para “além” da vida intrauterina, o que desafiaria outro enfoque de discussão, sobre o Além, com o devido respeito.

            Ao se enfocar a legislação brasileira, considerando-se a competência dos Órgãos de Classe conferidos pelo ordenamento jurídico, somente profissionais de atuação regulada pelos Conselhos de Medicina, Psicologia, Odontologia e Terapia Ocupacional, são autorizados a utilizar o Hipnotismo como terapia, ou seja, como método clínico. Todavia, a maioria de hipnotizadores age prometendo ou insinuando uma finalidade terapêutica. Essas sessões de Regressão geralmente se iniciam com ditos como “traremos de seu inconsciente tudo aquilo de que você não se lembra”. Aqui quase esbarrando em um primário adágio da Psicanálise. Ou “sua experiência [que é do óbvio conhecimento de ambos] vai ser agora  conhecida do começo ao fim, na sequência certa”. Frases desse tipo são tão certeiras, de influência tão concreta, que soam como se ditas ao inverso – você dirá conscientemente aquilo que não sabe; agora vamos construir sua história, do começo ao fim.

           

            A Hipnose pode fazer construções irreais, criar falsas lembranças, incutir realidades que não apenas as experimentadas por sonhos, alucinações ou enganos de sensações. Basta que o hipnotizador escolha as palavras certas. Ou diga palavras que são tão erradas que jamais deveriam ter sido ditas. O que é quase impossível na prática. Portanto a Hipnose Regressiva não é técnica que garanta a descoberta da realidade almejada pela ufologia. Os mais respeitados institutos ou estudiosos da Hipnose sabem dessa ineficácia da Regressão de Memória e somente os ufólogos insistem pelo contrário, que representa suas próprias ilusões. Inclusive quando utilizada  como técnica clínica alternativa, a Hipnose Regressiva é empregada para resolução de certas fobias, tratamento de alguns sintomas de estresse pós-traumático e sintomas psicossomáticos, mas não é tida como buscadora de nenhuma verdade objetiva. E sim da realidade íntima, subjetiva, que possa provocar o sofrimento do paciente e procurar debelá-la.

           

            Pode o Hipnólogo, enquanto Ufólogo, Aplicar Hipnose Regressiva?

 

            O Conselho Federal de Psicologia publicou a Resolução CFP n. 013/2000, de 1º de setembro de 2000, evocando suas atribuições legais e regimentais, que lhe foram conferidas pela Lei N. 5.766, de 20 de dezembro de 1971. Para a Psicologia no Brasil, a Hipnose é técnica de recurso auxiliar no trabalho do Psicólogo. Assim, ela é recurso coadjuvante em razão de suas possibilidades técnicas do ponto de vista terapêutico. Estas são as palavras do preâmbulo da Resolução. Enfatiza o Conselho que a Hipnose Ericksoniana  (criada pelo psiquiatra norte-americano Milton Hyland Erickson) tem aplicação prática no campo psicológico, que a Hipnose é reconhecida na área de saúde como um recurso capaz de contribuir nas resoluções de problemas físicos e psicológicos. E vem o mais incisivo e importante: considerou o Conselho que a Hipnose reconhecida pela Comunidade Científica Internacional e Nacional como campo de formação e prática de psicólogos. Os Artigos 1º e 2º dessa Resolução dão o uso da Hipnose como recurso auxiliar de trabalho do psicólogo, bem como que o psicólogo poderá dela recorrer, desde que possa comprovar capacitação adequada, nos termos do Código de Ética Profissional dos Psicólogos. Não é necessário argumentar mais.

 

            O hipnotizado estava mesmo em transe? Se estava, então a Regressão feita em grau profundo prova uma abdução? Se esta última alternativa for presente, a Hipnose serve para provar exclusivamente a sinceridade da testemunha. Que não está fingindo, vale dizer, que não está inventando história no momento da sessão, seja com que finalidade for. Bom repetir, para que costumeiros equivocados não venham com propositais “erros” de interpretação – SE, CASO, a pessoa estiver realmente hipnotizada e em grau propício à realização da Regressão, ela “reviverá” sua experiência de abdução, mesmo que simplesmente imaginada ou elaborada por alguma razão. Se  estiver em transe profundo, não apresentará narrativa falsa, isto é, não mentirá, pois que o transe legítimo não permitirá isto.

 

            Há meios praticamente infalíveis para se saber se o transe existe ou se a pessoa não está simplesmente colaborando. Testes simples, conhecidos da Hipnose clássica, antes mesmo de o psiquiatra Milton Erickson ter criado suas formas de relaxamentos profundos que permitem melhor concentração para resgate de memória. Ainda que, realmente, provoquem alterações nas ativações de partes do cérebro. O desconhecimento de questões “superficiais” do assunto podem levar ufólogos a outros equívocos, tais como o de achar que as alterações cerebrais durante o transe provem que a experiência de abdução foi uma realidade objetiva, ao passo que foi apenas subjetiva. Não é porque o transe legítimo provocas alterações de atividade cerebral, que a pessoa esteja revivendo um fato externo atribuído ao sequestro (ou rapto...) por seres extraterrestres.

 

Veja o que informa a própria Hipnose Ericksoniana a este respeito. O início da técnica se dá com um relaxamento induzido, em que, no início da indução o hemisfério cerebral esquerdo sofre ativação. Depois, no Transe Leve, ocorre diminuição da atividade no lobo frontal esquerdo, responsável pela racionalidade. Segue-se relaxamento muscular, peso ou leveza em partes do corpo, respirações mais longas.

Pelo Transe Mèdio, acontece diminuição progressiva da atividade do giro frontal superior esquerdo, diminuindo a resistência e aumentando a capacidade de pensamento dedutivo. Também se dá ativação bilateral dos lobos occipittais, com aumento da imginação, da capacidade de visualizações, do acesso a informações e da capacidade criativa. O paciente manifesta retardamento na atividade muscular, possível aumento isolado das sensações e alteração no reflexo de engolir.

Com o Transe Profundo, o paciente acusando odores, visões com memória de emoções, pode sofrer alucinações e reage emocionalmente à dor, com analgesia ou anestesia, podendo ser induzido a sonhos. Este é o bom estado para se fazer uma Regressão de Memória. Mas seria legítima enquanto demonstração de uma abdução verdadeira? Basta que se releiam as reações acima para ver se a Regressão é mesmo crível.

É desnecessário levar-se um paciente a novas regressões perante universidades mundialmente consideradas pelo meio acadêmico-científico, apenas para mostrar que as atividades cerebrais do hipnotizado se alteram durante o transe. Porque isto está longe de poder provar uma abdução por ETs.

            O psicólogo americano Stephen Paul Adler, festejado por ufólogos hipnotizadores, considera que a Regressão de Memória permite conduzir o cliente de volta no tempo para alguma experiência com o intuito de revivè-la (Revivificação). "A regressão de idade nos dá a oportunidade de viajar de volta no tempo para recuperar memórias esquecidas, ou para 'retrabalhar' antigas memórias no intuito de chegar a novas conclusões" (Act Institute, https://actinstitute.org/curso/hipnose-ericksoniana-avancado-regressao-e-progressao-de-idade/). Retrabalhar antigas memórias, para que se chegue a novas conclusões... novamente é desnecessário comentar. Outros estudiosos não acham bem isto. Segundo o neurologista Marlus Vinícius Costa Ferreira, "a veracidade total dos dados obtidos pela regressão de idade é ainda discutível, podendo representar realmente dados originais de estímulos passados; dados que representam a resultante de estímulos registrados anteriormente; dados que representam respostas às sugestões formuladas pelo hipnólogo no momento presente; ou uma mistura de todas as possibilidades" (Citado em https://br.mundopsicologos.com/artigos/regressao-de-memoria-no-contexto-terapeutico).

            Vem à baila um comentário do médico Maury Machado Dias, no livro “Teoria e Prática da Hipnose”, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1976, p.7. “A hipnose é uma arma terapêutica. Psicoterapêutica. Tão útil quanto muitas outras e tão ineficaz quanto todas as demais... Corretamente indicada, corrige, equilibra, soluciona problemas. Aplicada indiscriminadamente é tão inútil quanto o antidiarreico prescrito para uma cefaleia”. A conclusão de que somente o profissional de saúde deve ter a Hipnose como uma de suas atividades está sempre justificada.

 

            É quase impossível relacionar os inúmeros hipnoterapeutas brasileiros. A a médica e psiquiatra Sofia Bauer é um exemplo. Na PUCRS a Hipnose Médica é aplicada, vez que reconhecida pela Organização Mundial de Saúde como prática terapêutica utilizada em áreas de atuação na saúde humana.  Seus cursos visam habilitar médicos, dentistas, psicólogos e outros na prática da hipnose terapêutica. A PUC SÃO PAULO também mantém um curso de Hipnose Clínica. Na USP, núcleos criados pelo Instituto de Psicologia sob a coordenação de Wellington Zangari estudam a Hipnose, além de fenômenos tidos por anômalos.

 

              Fundamenta-se o entendimento de que apenas profissionais de saúde podem se dedicar à aplicação da hipnose, pois que esta tem efeito clínico e lida com os recônditos da psique alheia. Sugere-se a leitura das atribuições do Psicólogo no Brasil, no CBO – Catálogo Brasileiro de Ocupações do Ministério do Trabalho e Emprego, sob a classificação 0-74. Relaciona o que pode ser afeto à psique, ou seja, análise de processos intrapessoais, mecanismos de comportamento, características afetivas, intelectuais, sensoriais ou motoras, psicoterapias, fatores determinantes na ação do indivíduo, procede à formulação de hipóteses e à sua comprovação experimental, observando a realidade e efetivando experiências de laboratórios e de outra natureza; sobretudo analisa e diagnostica problemas ou distúrbios de natureza psíquica. E muito mais. Atividades que não podem, não devem e não são compreendidas pelo leigo.

 

            Outro resumo. O psicólogo tem condições de determinar o quadro psicológico de um paciente, para submetê-lo à Hipnose Regressiva. Até por questão de cautela, em razão de várias inconveniências, tais como o paciente manifestar a chamada “neurose experimental”, ou fazê-lo reviver uma situação ou fato traumáticos, que a psique lutou de forma sofrida para, por meio de recalque, evitar a continuidade de sintomas.

 

            Não deve o leigo aplicar Hipnose Regressiva. Até porque, não se submete à ética própria dos psicólogos, ficando à vontade para gerar prejuízos no hipnotizado, perigo que existe em meio a outros apesar de hipnotistas somente empíricos espalharem erroneamente que não. O Código de Ética do Psicólogo reza, por exemplo, que é proibido que o profissional tente induzir o paciente, baseado em crenças próprias.

           

            Conforme adiantado, a Hipnose era regulamentada pelo Decreto n. 51.009, de 22.07.1961, conhecido como “A Lei de Jânio Quadros”. Proibia o uso da hipnose em espetáculos de todo tipo, em clubes, auditórios, palcos, estúdios de rádio e TV. O Presidente Collor o revogou através do decreto N º 11 de 19/01/1991. Em 1999, o Conselho Federal de Medicina emitiu um parecer sobre a Hipnose Médica (Parecer CFM nº 42/1999), recomendando que os profissionais de saúde utilizassem o termo Hipniatria, para diferenciar a Hipnose Médica, com fins terapêuticos. A Hipnose para os Odontólogos está regulamentada pela Lei N º 5.081 de 24/08/66, no art. 6º, par. I-VI. Sugere-se que a seguinte fonte seja consultada:

http://www.psicologia10.com.br/aprendapsicologia/hipnose-e-legislacao/

 

 

            Seguindo a Linha da Regressão Ineficaz para a Ufologia

 

            A Hipnose não é técnica que garante a descoberta de realidades externas ao indivíduo, vale dizer, que seres extraterrestres a bordo de “naves” o tenham sequestrado e depois devolvido, ou mesmo assolado seu sono com uma abdução sofrível. A principal razão é que pode facilmente, com um mínimo de palavras, gestos o mesmo de situações que insinuem sua finalidade, provocar Falsas Lembranças. REIS, Carlos Alberto & RODRIGUES, Ubirajara, trataram das falsas lembranças em várias páginas do seu “A Desconstrução de um Mito” (São Paulo: Ao Livro Pronto, 2010). Recentemente publicaram em Portugal, na revista da Universidade da Beira Interior (2021), extenso artigo dedicado à matéria, com o título “Falsas Lembranças nas Pseudociências e a Inadequação Da Hipnose na Reconstituição da Memória”, em que enfatizam a presença de Falsas Lembranças que influenciam o comportamento e a própria constituição psíquica. “Pessoas relatam fatos aleatórios com enredos ricos, coerentes e complexos, cujo exame atento, porém, revela estarem à parte da realidade objetiva. Vale dizer, elas não experienciaram o que alegam ter vivido, sendo, na verdade, elaborações, histórias e fabulações que ouviram, leram e até tomaram conhecimento, mas não como protagonistas. São situações engendradas pela psique em razão de influências, sugestões, emoções, devaneios, fantasias, crenças, volições e ilusões de toda sorte, tamponando lacunas que a memória não tem condições de preencher. Fatos que não podem mais ser resgatados são substituídos pela própria dinâmica da mente, que não sobrevive no vazio”.

 

Por sua vez, a respeitada psicóloga norte-americana, ELIZABETH LOFTUS, é considerada a maior autoridade do mundo no estudo de falsas lembranças. De sua biografia, consta que é uma psicóloga cognitiva especializada na memória humana. Ela coordenou diversas pesquisas sobre a maleabilidade da memória e é conhecida pelas suas descobertas inovadoras sobre o efeito da desinformação e a memória de testemunhas oculares, bem como a criação de falsas memórias. É o que contém o verbete na Wikipedia. Quanto à intervenção do estudioso, ou ufólogo hipnólogo, é bem vindo o pensamento de Loftus, quando defende a tese e se apoia em experimentos de uma “reestruturação mnemônica dirigida”. Isto serve à implantação de lembranças falsas, prosseguem Reis & Rodrigues, durante a regressão de idade e podendo ocorrer a implantação de falsas lembranças até em quem não for hipnotizado, independentemente de seu senso crítico. Segundo os autores, que evocam Loftus, perguntas recorrentes como as que se fazem na ufologia, com exibição de desenhos ou fotos, no intuito de ajudar o sujeito a se lembrar, “induzem ou conduzem o depoimento na direção desejada: é o uso de palavras associadas – sistema DRM (Deese-Roediger-McDermott), contrariando o que se espera de uma investigação isenta”. Trata-se de procedimento usado em Psicologia Cognitiva para estudar a falsa memória, com sigla formada pelos sobrenomes de James Deese, Henry Roediger e Kathleen McDermott, desenvolvedores do método.

 

            Enquanto a ufologia viver da pura subjetividade de testemunhas e de ilusões de ufólogos, não receberá a atenção da ciência. Que é o sonho desesperador da maioria dos estudiosos do ramo, ávidos de concretizarem seu irrefreado instinto messiânico.

 

            A Regressão de Memória Realizada com a Testemunha da “Queda”

 

            Além da existência, no ambiente da sessão, de ítens que remetem imediatamente a supostos extraterrestres abdutores (ou abducentes, há controvérsia quanto ao termo), que funcionam como importante fator de sugestionabilidade, antes há que se saber se houve ou não um transe hipnótico autêntico, como já afirmado.

 

            O vídeo da Regressão aqui comentada, aplicada em 04 de dezembro de 2022, já se inicia com os primeiros passos da hipnose, com o sujet sendo submetido a um relaxamento físico e mental, o que ambos os métodos (ericksniano ou clássico) utilizam. O vídeo corta para cena de se encontrarem de pé, experimentador e experimentado, este consciente, em que há uma série de comentários sobre o que é o estado hipnótico, transe e sua finalidade. O hipnotizador não titubeia: “Eu serei só um GPS”, ao explicar que o hipnotizado será conduzido por ele, ao invés de este agir aleatoriamente no tempo e nos fatos (aos 00:01:17 do vídeo). O presente trabalho poderia parar por aqui, se uma espécie de radicalismo pudesse colocá-lo na condição de entender tais ditos do hipnotizador como uma expressa declaração de que produz no experimentado informações sobre o avistamento (ou mais...) que a Regressão tentará resgatar.

 

            Inicia-se a fixação do olhar, gestos à frente da testemunha, tudo como fator sugestivo ao transe. O experimentador levanta o braço direito do experimentado por diversas vezes (00:04:03), certamente testando se ele entrou em transe, outro procedimento consagrado como teste para constatar a submissão do paciente. O que mostra que o experimentador em questão é um hipnotizador experiente. A partir de 00:17:00, após outros gestos e sons assemelhados a alguma prática mística, o hipnotizador passa a sussurrar ao ouvido da testemunha, não se podendo compreender o que esteja sendo dito. Em um instante desses, não se sabe que tipo de sugestão ou de indução foi dado, tornando a regressão bastante frágil.

 

            Novamente retirada do estado em que se encontrava, a testemunha é esclarecida de que se tratou apenas de um teste de suscetibilidade, o que também é aconselhável e serve para que a pessoa, em outras tentativas, entre mais facilmente em transe. Outra evidência da boa experiência do condutor. Colocado em transe profundo, e após novos sussurros, é-lhe sugerido que retorne a 1998, 1997 e a 1996, ano do Caso Varginha. É raro ver-se uma regressão com tão rápidos “retornos no tempo”, sendo que a gradativa “volta” é mais aconselhável para que o experimento seja mais autêntico.

 

            Em tentativas de aprofundamento do transe, com imagens e outros tipos de sugestão, como sons da boca e estalar de dedos, o vídeo é cortado por várias vezes ao sinal  dado ao operador da câmera e a edição do vídeo retorna com o hipnotizado sendo ainda mais aprofundado. Outro corte e a testemunha começa a narrar sua viagem no ano de 1996 (00:27:11). Narra se encontrar na estrada, que foi descansar em um motel e que seu destino é a “Fazenda do Hélio”, em Três Corações, de propriedade de um amigo. Sua linguagem é no presente, como se vivenciando mesmo fatos.

 

            De repente diz estar na entrada de Varginha, observando um dirigível ou avião, caindo. Dizendo-se parado em um acostamento, uma baia para encostar o carro, vê um objeto soltando fumaça, “com gente dentro”. “Essa aeronave tá saindo fumaça dela”. Conta que o objeto perde altitude, que cai e possui a lateral rasgada. E pequenas escotilhas. Que sai do carro para observar melhor. Que o objeto desapareceu, voltou a subir e “desviou da cidade”, dizendo que o piloto “é bom pra caralho”. O objeto, na narrativa, passa a aparentar “um submarino, uma coisa esquisita”. Emite  um barulho “de uma máquina de lavar quebrada”. Demonstra pavor quando diz que o objeto vai cair, chora (00:34:40). Na narrativa, passa a procurar um lugar para entrar e ajudar quem estiver dentro do objeto, acha uma passagem para sair da Rodovia Fernão Dias, por onde trafegava e lágrimas escorem no seu rosto. Sempre falando no presente, o que é um sinal do “reviver” os fatos. Aos 00:35:51 volta a chorar porque tem de ir lá já que tem gente dentro, supõe.

 

            O auge da narrativa é quando diz se aproximar do objeto caído, que solta um “cheiro horrível”, sempre chorando e demonstrando pavor (00:37:42). Chorando porque os olhos ardem muito em razão daquilo, fala em desespero com visível desequilíbrio emocional. Relata vários destroços e que não há ninguém lá, apenas ele. Que do outro lado aproximam-se caminhões. Pergunta do hipnotizador – só caminhões? Aí ele fala em outros carros e os descreve como carros do Exército e uma ambulância. São dois caminhões grandes e um Jeep. Aos 00:39:25 grita “Ei moço! Aqui! Aqui! Acidente”.

 

            Às perguntas insistentes do hipnotizador, sobre com quem ele estaria conversando, narra uma luz do lado esquerdo “e um pequeno ser correndo”. O ser é baixo, avermelhado, de olhos grandes (00:40:11). Pergunta do hipnotizador, que não resiste interferir, talvez ele próprio influenciado por suas convicções ufológicas – “Que sensação o ser lhe traz? Traz medo, pavor?”. O ser passa então a falar “mentalmente” com a testemunha, no sentido de que ele, o ser, tem de ir embora senão vão matá-lo. E que tem outros que já fugiram dali. Diz o ser que já pediu ajuda, pergunta se pode ajudar mas o ser avisa que não chegue perto e que irá ao rio pois precisa de água. O ser, prosseguindo na narrativa, possui “três protuberâncias na cabeça”, é oleoso e tem um cheiro muito forte.

 

            Neste instante o hipnotizador joga várias e insistentes perguntas, a respeito da constituição do ser, como ele fala com a testemunha – que afirma que ele está correndo para o rio – e parece voltar a dizer a alguém “Não moço! Não vou embora não!”. “Tem gente que caiu lá e sofreu um acidente. Caiu a nave, moço!” (00:42:32). Diz que pegou um pedaço “da nave” que estava perto do seu pé, insistindo que não irá embora pois quer ajudar e é por várias vezes interrompido por perguntas do hipnotizador. Que a nave parece um charuto, com uma metade encostada na árvore. Demonstra ter insistido com alguém que lhe mandava sair dali, como se discutisse com veemência – “Não, você não vai me mandar embora”. “Por que você vai me matar? Eu não vou embora!”. “Tá bom, moço. Eu vou”. Com expressão de pavor, pede para que não atire porque vai embora. O pedaço, que lhe foi retirado das mãos pela pessoa que o admoestava, parece um alumínio, um “papel de frango”, diante de novas insistentes indagações do experimentador.

 

            Passa a ver um helicóptero escuro, de um azul escuro, pousado (00:45:00) com um emblema da Marinha – “O que a Marinha está fazendo aqui?”. E homens com máscara, alguns só com lenço na cara, porque ninguém aguenta o cheiro. Diz que irá embora e informa que do lado direito há bois agitados, correndo. Que do lado esquerdo não tem nada, um silêncio total. Que a árvore em que o objeto está encostado está queimada. Pensa sobre o objeto, cuja outra metade está em destroços, perguntando-se se seria algo do Exército.

 

            Aciona o carro, volta à Rodovia Fernão Dias (BR-381, que liga Belo Horizonte a São Paulo), sente náuseas em razão daquele cheiro e informa que voltará a São Paulo. Não há cortes no vídeo e ele já se encontra em um posto, em sua viagem de volta, conversa com alguém tentando dizer o que acontecera. Neste ponto não há um visível lapso de tempo observável, pois que em poucos segundos ele já diz   ter parado no posto e não narra a saída de dentro do veículo. Então chegam “dois homens de preto, gravata, tudo bonitinho... o que vocês querem?”. “Quem são vocês? Eu não devo nada pra vocês, meu? E aí? E aí?, fala em tom elevado e desafiador. “E aí, sou eu mesmo... sou casado sim, e daí? Vá se foder, mano!”. Gritando – “Qual que é a sua? Se toca, meu!”. “Eles estão me ameaçando! Que vão acabar com a minha vida! Que eu não tenho nada a ver!”, continua em tom elevado, quase gritando. “Não! Não vai acabar porra nenhuma não, mano!”.

 

            Informa então ao hipnotizador que estão indo embora, em um veículo “Opala”, sem placa, com vidro filmado, escuro, e passa a conversar com um garçom que lhe dera caneta para anotar a placa. Não sabe o nome do garçom, descreve-o com cabelo curto, moreno baixo e isto já seria por volta de seis horas da madrugada. Vai continuar a volta a São Paulo. Na estrada, nervoso – as intervenções do hipnotizador são constantes, mas no sentido de trazer mais as lembranças, “todas as lembranças” sendo repetido o tempo todo – ele sobre o que seria aquilo.

 

            Chegando em Guarulhos, ele dá um salto de recordação sem obviamente o lapso de tempo. Ele salta para casa em termos de lembrança, sob ordem do experimentador e narra à esposa o que sucedera. O diálogo com a esposa obedece a uma sequência temporal própria. Porém acontece um ponto da regressão de extrema relevância – o hipnotizador o leva ao sono daquela noite, insistindo para que conte o que está vendo, o que está acontecendo. Não há espera de que o hipnotizado caia em algum momento de destaque. Diz que há o som em sua cabeça, o “som” do ser e fica muito agitado, acusando dor intensa. O hipnotizador o relaxa e determina que a dor suma. Estranhamente o experimentador interrompe e diz que ele informe sobre a primeira vez em que comentou aquilo tudo com alguém de fora da família. Faz uma contagem para tal.

 

            Menciona o nome de Claudeir Covo, que vê em uma televisão quando o falecido ufólogo dá uma entrevista narrando os acontecimentos de Varginha e “são eles”, aquele ser que viu. Diz que viu “a nave cair” (palavras do hipnotizador) no mês de Janeiro e que está vendo Claudeir Covo na TV em Novembro. À pergunta de porque demorou tanto tempo para procurar Claudeir, ou seja, meses depois, fala em “muita ameaça”. Conduzido ao momento em que conversou com Claudeir Covo, que foi ao seu encontro em uma esquina da Vila Ema. Apesar de as intervenções do hipnotizador se intensificarem, começa um diálogo com Claudeir, obedecendo a tempo e a palavras correspondentes. Conta tudo como narrara anteriormente. Menciona pela primeira vez que o cheiro era de amônia, de amoníaco. No diálogo recordado com Claudeir, diz que coisas estranhas andam ocorrendo, tais como vindo gente estranha em sua firma, que o telefone “vira e mexe parece ter linha cruzada”.

 

            É agora conduzido até o dia em que foi com o ufólogo ao local. Novas palavras e pausas correspondentes a diálogos com ele, e diz que achava que se tratava de um Ovni,  uma nave espacial, “tenho 100% de certeza”. Chegam ao motel em que dormira, brinca um pouco e diz que Claudeir estaciona o veículo e vai à gerência consultar os registros. Que Claudeir informa que acharam o registro da placa do carro, pergunta se ele pegou uma cópia, o que fica sem resposta na regressão. Chegam à baia em que encostara o carro do lado direito, mostrando as direções tomadas pelo objeto. “A gente vai passar uma ponte e logo em seguida, encostado nela”, há uma entrada em que passaram a trafegar. “Está vendo que do lado esquerdo há aquela casa branca, que reparei no dia”. “Olha isso, meu! Que barato! Não nasceu nada em volta! A árvore está torrada! Cheiro esquisito essa árvore, né? Está seca! A marca é o formato de uma bola de futebol americano, você vai tocar na árvore? Não tem mato em volta, nem mato tem, tá morta a terra!”. Está com enjoo.

 

            Sugere que saiam dali e se dirigem à mencionada casa “lá embaixo”. Grita como se Claudeir estivesse à porta da casa, e diz que uma pessoa está chamando a família para dentro, que fechou a porta. Segue o diálogo - “E aí, Claudeir? Sério? O sujeito disse que não quer falar com ninguém e que já foi o pessoal do Exército lá? Que ele não tem nada para falar, que é para a gente embora senão ele vai chamar a Polícia? [o que deveria ser narrativa, passa a ser repetição do que estava dizendo ao ufólogo]. Sugere que encontrassem uma forma de ele dizer a verdade, saem e vão a outra residência, próxima e ao lado um pouco mais à frente. Que o morador escutara um tremor muito grande em um dia de Janeiro, que o gado ficara assustado. Que a pessoa teve muito medo, que havia muito soltado lá. Claudeir então diz, prossegue o hipnotizado, que o morador pediu que saíssem e que mais nada tinha a dizer.

 

            Continua dizendo que só contara à esposa o ocorrido e depois apenas a Claudeir. Então o hipnotizador pergunta se em algum outro dia chegou a conversar com o tal ser. Conta então sobre uma luz forte no quarto, por volta de Junho de 1996. Uma memória aparentemente não eclodida conscientemente, encontrada supostamente apenas com a regressão. “Tem uns seres baixos do meu lado... iguais àqueles que...”. É interrompido pelo hipnotizador, com perguntas sobre aonde se encontra. “Uma sala redonda”. Perguntas constantes do hipnotizador, a respeito do que está fazendo ali. Que está deitado, pergunta aos seres se aquele que vira era um deles. Estão agradecendo por ajudar o amigo deles. Que são todos iguais, baixos, com mais ou menos um metro e vinte, um metro e meio no máximo de altura. Têm olhos grandes, boca pequena, sem nariz, só têm furinhos ou protuberâncias bem pequenas. Perguntam a ele se podem colocar algo em sua perna esquerda, um objeto bem pequeno e leva a mão à coxa esquerda, em que teria sido implantado o objeto. Que vão tirar só daqui a pouco e puseram aquilo para que o hipnotizado pudesse ajudar a fazer as pessoas entenderem e “não acontecer mais aquilo”.

 

            Subitamente informa que os seres lhe disseram que “mataram ele”, ou seja o ser com quem contatara no dia da queda. E grita, chorando “O que? Eles mataram ele? Mataram, os filhos da puta!” “Malditos! Malditos!”. Grita, chora e é acalmado pelo hipnotizador. Que eles mataram “os amigos deles”. O que foi colocado em sua perna é “para que eu me recorde, para que eles possam entrar em contato”. Diz estar em uma sala branca, deitado sobre uma mesa, que eles deixarão o objeto em sua perna por apenas uns dois ou três meses.

 

            Que “várias vezes” entrou em contato com eles, deitado, sentia a presença deles e era então levado. Que depois que contou ao Claudeir, eles retiraram o objeto de sua perna. O condutor pergunta se depois que falou com Claudeir aconteceu algum fato marcante. Narra então um pedido para que os seres retirassem o objeto de sua perna, que não queria saber mais disto, que temia que “esses animais” [referindo-se a perseguidores] fizessem com sua família “o que fizeram com vocês”.

 

            Entra em cena o que parece vir da linha de pensamento do hipnotizador, que pergunta se ainda ficou alguma forma de contato com os seres. “Se eu pensar, vocês vêm? Vêm?”. O condutor sugere aprofundar “dez vezes mais o relaxamento”, “trazendo agora todas as recordações...”. E se aproxima do ouvido direito do hipnotizado sussurrando algo inintelitível. Parece fazer uma contagem. O sujet sofre uma espécie de rápido espasmo, como em um susto e é novamente acalmado. E acontece o auge da influência – “Você gostaria de chamar, de conversar com eles agora? Eles viriam?”. Permanece muito calmo, em silêncio, também sussurrando, repetindo algo como “... as estrelas...”. O hipnotizador, tal como fizera durante todo o tempo da sessão, passa a emitir um chiado com a boca, esfregando polegar e indicador próximo à cabeça do hipnotizado, iniciando espécie de passe movendo a outra mão na região do abdome, mas sem tocar. Um gesto com aparência de prática mística, ou insinuante do trato com alguma “energia”, ou “campo”, ou “ponto”supostamente existente no corpo humano. Esse procedimento passa a ser insistente naquele instante da regressão.

 

            Aos 01:20:13 o hipnotizador passa a se comportar claramente com o que pode decorrer de suas crenças, efetuando verdadeiro Passe [gesticulação por imposição de mãos em uma pessoa, à maneira da prática espírita] sobre todo o corpo do hipnotizado, sem tocar. Espalha os gestos desde a cabeça até os pés, abrindo e fechando os braços. Começa, mais vagarosamente porém com firmeza, a gesticular como se estivesse “retirando” ou “limpando” algo, desde a cabeça até os pés, do hipnotizado que se mantém em silêncio, olhos fechados, ainda em transe. Novos sussurros por parte do hipnotizador, ininteligíveis. São incompreensíveis e então dá ordem sussurradas de que ele erga as duas pernas, o que acontece vagarosamente e após mais gestos na região dos pés, sempre sem tocar. Mais sussurros e agora os braços sobem. Com rápidos e repetidos toques na barriga e no peito do experimentado, o hipnotizador passa a emitir um som gutural correspondente, na forma de grunhido. Geme muito e alto, o experimentador, que passa a emitir um gemido constante e agudo, prolongado, enquanto apanha ambos os pés do hipnotizado e os sacode por vários segundos, fazendo agitar-se todo o corpo dele.

 

            Todo esse tipo de procedimento acontece até 01:25:20 do vídeo, quando outro corte de edição é percebido. Novos sussurros ao ouvido do hipnotizado, sempre acompanhado dos gestos que aparentam passes. O experimentador encerra a regressão, após o mencionado corte, faz a testemunha voltar ao estado normal de consciência. Tudo se encerra aos 01:27:51, com novo relaxamento e a testemunha mostrando bem estar geral, preguiça e bom humor.

 

            Comentando sobre a Regressão

 

O depoimento da testemunha em questão é flagrantemente contraditório com o que declarou aos investigadores em ufologia, à época em que resolveu procurar o ufólogo Claudeir Covo. Diz-se do depoimento em transe.  Quando procurou o ufólogo, este comunicou o fato a Ubirajara Rodrigues que, seguindo as diretrizes fornecidas, foi até o local acompanhado de Geraldo Simão Bichara, o protagonista de um outro caso de abdução também tendo como palco Três Corações no ano de 1962. Passaram por algumas casas da região e constataram que não havia quem presenciara alguma queda, ou mesmo vôo incomum de algum objeto e muito menos ruídos ou estrondos. Claudeir Covo nunca esteve no local acompanhado somente da comentada Testemunha, como esta afirma na regressão hipnótica. A primeira vez em que esteve no local da alegada queda estava acompanhado da testemunha, do ufólgo Ubirajara Rodrigues, do citado Geraldo Bichara e do filho mais velho de Rodrigues. Ainda no ponto da Rodovia Fernão Dias, em que a testemunha diz ter avistado o objeto em voo e em dificuldades, os dois ufólogos gravaram em vídeo um depoimento da testemunha, que foi amplamente divulgado e, aí sim, dirigiram-se ao local do dito acidente. Pelo que se sabe, Claudeir somente retornou até ali quando de uma operação “pente fino” que vários ufólogos fizeram no pasto, e daquela feita sem a presença da testemunha.

 

Incompreensível assim que a testemunha tenha omitido, durante quase trinta anos, que fora ao local em uma primeira ocasião com Claudeir Covo, que de sua parte também certamente não teria escondido tal fato dos demais investigadores, muito menos do primeiro, de quem aliás fora parceiro em outras investigações de casos ufológicos, ambos tendo inclusive escrito alguns trabalhos em co-autoria. A relevância disto reside na possibilidade, na hipótese, de que a testemunha tenha TEATRALIZADO durnate sua regressão de memória. O que parece acontecer, em tese, devido a algumas outras origens.

 

Um hipnotizado teatraliza por diversos motivos, não apenas intelectuais (mentir, inventar, aumentar), como principalmente de ordem psicológica ou emocional (ânsia de participar ou protagonizar um evento e outros fatores). A teatralização na hipnose regressiva corresponde ao que ocorre em sonhos, ainda que o transe hipnótico não seja propriamente um sono fisiológico. É o que a linha freudiana chama de Dramatização, que ocorre na elaboração de um sonho. É sabido que a dramatização é notada nas reações e atos da pessoa durante o transe hipnótico, principalmente na Regressão. Ou seja, dramatizar tal como em um sonho é a maneira com que a psique trabalha perante suas situações internas. O sonho é uma forma de a pessoa formar enredos através da transformação de suas ideias em imagens. Essa criatividade na dramatização ocorre de forma ampliada no “sono” hipnótico.

Ideias, imagens, crenças, convicções, fortes impressões, tudo isto compõe o universo da mente de uma testemunha de caso ufológico, principalmente após tornar-se protagonista em veículos de comunicação, que tenha elevado ao extremo a importância de sua participação, exatamente como ocorreu com a testemunha comentada neste trabalho, com destaque à atuação no documentário internacional também já mencionado.

A regressão de memória sob análise iniciou-se com boa técnica, foi a pessoa induzida a transe profundo, sempre narrou situações no presente, com coerente utilização de tempo verbal (de quem descreve algo que está revivendo e não apenas se lembrando). Seus eventuais rompantes de desequilíbrio emocional, com choros, tom elevado de voz e gritos, parecem demonstrar a dramatização e ênfase com o fito de convencer o hipnotizador ou a si mesmo, o que não é absurdo e ocorre amiúde.

Sinal da ânsia de convencimento continua sendo a utilização do nome do falecido ufólogo Claudeir Covo, de longe o mais respeitado estudioso da matéria das duas últimas gerações de investigadores ufológicos. Ao narrar que retornara ao local em companhia dele – o que, conforme destacado, não aconteceu – em tal primeira viagem teriam estacionado no motel em que ele havia parado para dormir. Claudeir teria ido até a gerência, confirmado que a placa do veículo estava anotada no dia alegado, e, ao se perguntar na regressão se o ufólogo havia tirado uma cópia... tudo parou ali. Não foi mencionado sequer o nome do motel. Este é outro ponto controverso. Covo jamais informou isto a qualquer colega ou à Imprensa, e mais essa omissão teria sido inadmissível, diante da vontade dos ufólogos de apresentar o maior número de indícios possível, notadamente documentos que pudessem corroborar certas afirmações de testemunhas.

Desde seu primeiro diálogo com Covo, e durante a primeira ida ao local com as pessoas citadas, a testemunha afirmara que “ia para Uberlândia” se encontrar com um pessoal que participaria em Belo Horizonte de um festival de ultraleve, ao passo que Uberlândia se encontra bem na região do Triângulo Mineiro, muito distante do Sul de Minas e desafiando uma trajetória totalmente diferente para quem vem da Capital de São Paulo. Esclarece, por outro lado, que iria para Uberlândia de onde voltariam a Três Corações e de lá partiriam para Belo Horizonte, aonde ocorreria o festival. Agora na Regressão de Idade, vem de alegar que iria para a “fazenda do Hélio”, de propriedade de um amigo em Três Corações. Situações contraditórias e, em termos, incoerentes. Digne-se o leitor de consultar um simples mapa de Minas Gerais.

Não bastasse, entre o que a testemunha declarou aos ufólogos em 1996, depois em outras poucas entrevistas com ênfase a uma de 2015, posteriormente ao produtor e diretor do documentário norte-americano, e finalmente na Regressão de Memória, as alterações de informação também são notáveis. Nunca mencionara o pequeno ser, tampouco que chegara ao local da queda onde havia apenas o objeto acidentado e minutos depois é que foram se surgindo viaturas e soldados. À época, disse que chegara ao local e já se encontravam vários soldados catando destroços. Apenas a partir do depoimento no documentário e durante a Regressão, falou em uma árvore queimada, em que se encostava “uma metade” do artefato enquanto a outra parte fora destroçada. Nem acusou desde 1996 que no pasto ficara uma marca arredondada ou ovalada, também de material queimado e em cuja periferia nada nascia. Nem quando esteve no local com os dois mencionados ufólogos.

Estranhamente o hipnotizado omite, por sua vez, a ida ao local – única até então – em companhia de Claudeir, de Rodrigues, do filho deste e de Bichara. O que foi devidamente registrado e divulgado intensamente nos meios ufológicos e ocasionalmente na Imprensa. Uma forma de salvaguarda para valorizar a ida apenas de ambos, não acontecida, principalmente para dizer que alguém nas casas próximas havia ouvido um estrondo, sentido tremor e outro tinha sido ameaçado por “gente do Exército”? É apenas possível. Para tristeza e consternação da ufologia brasileira, as declarações de Claudeir jamais poderão ser pessoalmente retomadas...

Quando do trabalho de busca naquele pasto, por 14 ufólogos, de algo que pudesse dar indício ao pouso ou queda de alguma coisa, alguns resolveram ir até as mesmas casas de fazendas e conseguiram apenas a declaração de que nada havia sido avistado ou sentido. Nenhum morador se portou com receio ou informou qualquer tipo de perseguição e muito menos “ameaça”. Consta do livro de Ubirajara Rodrigues, “O Caso Varginha”, CBPDV, Campo Grande, 2001, p. 126, que “Consultado, o proprietário das terras, senhor Sebastião Maiolini, afirmou que nada de anormal se passara em sua propriedade, o que foi confirmado pelo filho. Deve-se, inclusive, ressaltar que a menos de um quilômetro do ponto da alegada queda existe um modesto templo evangélico e os responsáveis também afirmaram nada haver notado”.

 

Não basta estar o hipnotizado em transe verdadeiro, para evidenciar que esteja falando da verdade objetiva, de uma realidade externa e portanto não inventando sua história? Não, não basta. Além do que foi comentado ao início, a Regressão de Memória está longe de se prestar a tal comprovação. E aqui acabamos de mencionar mais um dos inúmeros fatores – a dramatização, uma teatralização que pode ocorrer por diversas causas psíquicas. Não se está, proposital e conscientemente, tratando nem afirmando neste trabalho algum tipo de má-fé, ou de construção mentirosa da história, por parte da testemunha. Não. O objetivo principal é enfatizar unicamente a Regressão de Memória e suas implicações.

Que se encontrava em transe autêntico é o que tudo indica, porém com nítidas oscilações ou variações de nível. A hipnose foi aplicada gradativamente, com relaxamento físico e mental, contagem regressiva em diversos momentos, o que é da boa prática para tentar manter a pessoa no fato revivido. O hipnotizado parece dar o tempo correspondente a algum suposto interlocutor, durante os diálogos descrito. Em muitas ocasiões, no entanto, frisa o que era relevante, espontaneamente, mais no tom de informação do que de nova vivência. Há portanto uma oscilação no transe. Convém observar que a sessão foi relativamente longa e o vídeo que a registra tem cortes, pelo que ela certamente durou mais do que uma hora e vinte e sete minutos. É garantido nesses casos, apesar dos cuidados de aprofundamento pelo hipnotizador, que a oscilação leve o indivíduo a nível de pleno estado normal de consciência ou transe leve. Momento propício para frisar que, depois dos primeiros passos da indução, o hipnotizador aparentemente não realizou qualquer teste de transe na testemunha. São testes objetivos, conhecidos de todo aquele que lida com a Hipnose. Inclusive durante o estado correspondente a transe profundo, o que deveria ter sido realizado com muita atenção.

Contudo, conforme pontuado no tópico anterior, as intervenções do hipnotizador se multiplicaram, tendo o silêncio do experimentador permanecido mais durante a fase inicial do transe e um pouco durante o transe médio. À medida em que o hipnotizado foi narrando o momento em que chegara ao local da queda, já em transe profundo, as interferências foram se intensificando, com interrupção da narrativa em vários momentos. O hipnotizador parece não ter resistido à parcialidade quando, como bom ufólogo adotante da ideia da abdução e dos contatos telepáticos com ETs, inicia uma série de gestos aleatórios, correspondentes a uma espécie de “campo invisível” que cercaria o corpo do sujeito. Em verdadeiros passes (“magnéticos”, conforme os adeptos de Franz Anton Mesmer admitem), o que faz por mais de cinco minutos com o sujeito em silêncio, insiste por esses meios que ele informe sobre abduções ocorridas durante o sono.

O hipnotizado, ao narrar essas abduções, ocasiões em que era levado ao interior de algo, colocado em uma sala branca e deitado em uma espécie de maca, conta de conversas telepáticas com os seres estranhos que o cercavam, baixos, olhos escuros e grandes, que resolveram implantar algo em sua coxa direita, que somente seria tirada dois ou três meses depois, o que no entanto ocorreu antes de a testemunha ter procurado o ufólogo Claudeir Covo. Aqui outra contradição. Antes dissera que isto acontecera depois que procurara o ufólogo. Conveniente? Se positivo, o psiquismo da testemunha deve ter lá suas razões, quiçá de salvaguarda.

O hipnotizado está mentindo? A regressão mostra que a criação da história pode ter sido enriquecida após quase trinta anos, como dito, de ele acompanhar a intensa divulgação do caso pela Imprensa, afirmações incontidas de ufólogos e, principalmente, da importância que alguns desses, e outros, lhe conferiram. Uma realidade apenas subjetiva não significa mentira, que é um ato praticado com má-fé ou má intenção, com intuito de tirar proveito. Algumas testemunhas necessitam do reconhecimento em casos rumorosos de ufologia. Passam por previsíveis fases – inicialmente sentem surpresa, ou horror, receio, em razão do choque psicológico, emocional. Depois a alteração emocional se transforma em espécie de defesa, quando a testemunha deseja colaborar com os investigadores e se vitimiza, alegando que é explorada, que não tem retorno financeiro. A última fase é a de estrelismo, quando ela passa a se achar arauto de seres evoluídos, ou intermediária de ETs e habitantes da Terra, transmitindo mensagens e tornando seu discurso nitidamente messiânico.

Essas fases estão presentes em todas, sem exceção, as testemunhas de casos ufológicos famosos.

Não existe situação mais incisiva dessa última fase, do que a testemunha se achar contatada com extraterrestres, pela forma telepática e no recôndito discreto e único de uma abdução durante o sono. É sem embargos uma produção das crenças da testemunha na área... e principalmente das crenças do ufólogo, ou do investigador, ou do hipnotizador, ou do terapeuta... com a palavra a citada Elizabeth Loftus, de quem sugerimos a leitura de “A Ciência da Falsa Memória”, pela Oxford University Press (Brainerd & Reyna, 2005). E “Criando Memórias Falsas”, Scientific American September 1997, vol 277 #3 p. 70-75, cujos excertos foram publicados em https//doceru.com/doc/sc5cve.

 

Testemunhas se enganam e se iludem, com relação ao que cerca as ideias em torno do fenômeno UFO (UAP). Exemplo claro é a ideia de que um contato com extraterrestres geralmente provoca, ativa, ou cria, fenômenos paranormais na testemunha. Isto nunca foi provado. Ao contrário, os raros casos que são influentes ao extremo, só mostram crença mística de que isto acontece e, de se lamentar, pela ação de paranormais claramente farsantes, que inventam histórias para fantasiar as mentes de incautos no sentido de que seus “poderes” foram dados pela ligação com o fenômeno.

 

Por outro lado, os tais contatos telepáticos – nunca, jamais, um contatado logrou demonstrar seus alegados contatos – simplesmente não podem ser referendados pela ausência da principal e maior premissa. A de que nunca foi provado sequer que a telepatia existe, nem mesmo nas decantadas experiências do casal Rhine na Duke University da Carolina do Norte, na década de 1930. O que já torna bem frágil a afirmação de uma testemunha, de que passou a se comunicar “telepaticamente” com supostos ETs. Contudo tais equívocos povoam as mentes de testemunhas, que passam a devaneios ou a fantasias acreditando que certas situações já estejam provadas. É como também age a maioria dos ufólogos, isto é, falou UFO falou nave extraterrestre e essa premissa para eles é indiscutível.

 

Quanto aos providenciais sussurros ininteligíveis, proferidos pelo hipnotizador, aos pés do ouvido da testemunha, é bom que se frise também que este trabalho não tem como foco algo produzido propositalmente pelo experimentador, no afã de provar suas próprias crenças, inclusive de que a Regressão de Memória sirva à comprovação do que quer que seja. Não, em absoluto. Mas convém destacar, a bem da transparência, que assim agindo o hipnotizador corre total risco de ser interpretado em desfavor da autenticidade do que o sujeito narrava. É simples questão de raciocínio objetivo, sendo aqui, fosse o caso, perfeitamente aplicável o conhecido princípio alcunhado de Navalha de Occam. A explicação mais racional e viável, é a mais simples, o seja, aquilo que melhor possa transparecer.

 

Una-se aos sussurros a gesticulação de aparência mística, ou praticada por alguma corrente esotérica ou religiosa, tais como passes e representações de se estar “retirando” algum tipo de “energia” do corpo do sujeito, ou mesmo “abrindo certos pontos” para a maior fluência de lembrança (sic). As aspas são exclusivamente daqui e não retratam falas do hipnotizador sob comentário. A regressão aqui discutida teve um ápice de ilusões em seu último ato. Após vários “passes” e gesticulação de ordem mística, o hipnotizador pergunta (ou sugere) que a testemunha tente um contato telepático naquele instante, ou “chame” os seres, com novos sussurros ininteligíveis aos ouvidos. O contato não aconteceu e o hipnotizado voltou do transe, quando retirado pelo condutor.

 

Esperando que o leitor se reporte ao tópico que descreve a regressão, o que resta é observar que jamais, durante os 27 anos passados até a presente data, a testemunha mencionou ou insinuou ter visto um pequeno ser que saía dali, que telepaticamente lhe informara que outros já haviam se evadido e que corria em direção “do rio, pois precisa da água”. Muito menos que seus contatos telepáticos prosseguiram com o passar dos anos, com a informação de que seres teriam sido mortos por alguém e que havia sido implantado com algum artefato inserido em sua perna direita. Convenientemente retirado antes de ele entrar em contato com o maior e melhor ufólogo, infelizmente já falecido, que não titubeava em tomar qualquer critério lícito para estudar um caso que lhe caía às mãos. Este nunca mencionou também que lhe fora sequer insinuado pela testemunha que ocorrera algum implante na perna.

 

Visíveis influências de tudo o que foi visto, ouvido ou percebido pela testemunha, a respeito de casos ufológicos, mormente do Caso Varginha. Sem se falar no fato de o hipnotizador, ao incutir frases como “mais lembranças, todas as lembranças”, ter insistido com o hipnotizado de que “mais e mais” supostas lembranças começassem a ser elaboradas. A questão da água foi largamente tratada, como meros e aleatórios indícios é certo, no livro de mesmo título, mencionado atrás. No livro as narrativas da testemunha recebem algumas páginas de atenção. Implantes sempre foram comentados na imprensa ufológica, e aquele que era a maior autoridade no tema, o médico americano Roger Leir, esteve por três vezes em Varginha, mencionando como sempre seu trabalho com supostos implantes por extraterrestres. O Rio Verde, apesar de fluir pelas cidades de Três Corações e Varginha, passa a 10 km., em linha reta, do local em que a testemunha disse ter presenciado a queda. Com a colaboração do ufólogo Weslem Andrade constata-se que o rio mais próximo dali é o Rio do Peixe, que de fato cruza a Fernão Dias com a ponte indo além do local, no sentido Belo Horizonte. E se encontra a 5 km., também considerando-se linha reta. ETs que “precisam da água”, que pudessem transpor tais distâncias, após a queda de seu veículo voador, ainda que tentassem o itinerário passando por morros, matas e fazendas, deveriam ter uma resistência que causa inveja a alguém como o ator Sr. The Rock.

 

Equivoca-se o interessado que julgar ser uma regressão desse tipo uma perda de tempo, ou algo que apenas descompõe ou tira o incentivo à investigação ufológica. Ao contrário. É um excelente exemplo, um ótimo foco para estudo de caso, para a evolução dos debates e dos experimentos ufológicos, ainda latentes nos recônditos da pura ilusão, incipientes e por enquanto quase totalmente desconexos.

 

Curitiba, Fevereiro de 2023

 

 

 

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