Pânico e Pureza na
América dos Anos 50
Se houvesse um dia
em que eu não me sentisse confuso e com vergonha de tudo. Se eu sentisse que pertenço
a algum lugar, sabe?
- James Dean, como Jim Stark
em “Juventude
Transviada”
Como eles não viram isso? Essa pergunta me perseguia.
A resposta era igualmente perturbadora.
O filme clássico de 1955, Juventude Transviada, é mais lembrado hoje
pela icônica jaqueta vermelha e calça jeans do astro James Dean que por sua
história de angústia adolescente suburbana. Na memória popular, os anos 50
foram um período plácido, de ternos cinzas de flanela, conformidade e
prosperidade, uma das razões pelas quais a jaqueta vermelha se destacou de
forma tão brilhante. Aquela imagem cinza é mais um produto dos sitcoms e filmes
da época do que da realidade. Por baixo da superfície brilhante, o mundo
moderno estava lutando para nascer, irrompendo com força total uma década mais
tarde. Mas em nossa memória coletiva, os filmes dos anos 50 se desvaneceram suavemente
em um passado genérico, nostálgico, que nunca existiu. De fato, mesmo hoje, a
crítica mais comum a Juventude Transviada permanece sendo aquela
compartilhada pelo grande crítico de filmes Roger Ebert, que escreveu no quinquagésimo
aniversário do filme: “O filme não envelheceu bem... Como seu herói, Juventude
Transviada quer desesperadamente dizer algo e não sabe o que é.”
Mas isso foi mesmo verdade? Para mim, não parecia. Como um homem gay, eu vi
claramente uma história sobre amor entre o mesmo sexo, escondida logo atrás da
cortina de decência dos anos 50, para escapar dos censores. Mas quanto mais eu
lia a visão dos outros sobre o filme, mais as coisas se tornavam estranhas.
Muitas pessoas não veem isso, e quando veem, elas não acham que é importante.
Eu já me perguntei algumas vezes se eu tinha assistido ao mesmo filme que
aqueles que professavam criticá-lo e analisá-lo. As formas completamente
divergentes que as pessoas do passado e do presente reagiram ao Rebelde, pode
nos dizer muito sobre a forma que a cultura molda nossa percepção do mundo à
nossa volta. Acima de tudo, eu fiquei interessado em uma pergunta central: como
as pessoas podem olhar para o mesmo filme e ver coisas incompativelmente
diferentes?
A resposta, por estranho que pareça, tem muito a
nos dizer sobre o desenvolvimento de outro produto clássico dos anos pós-guerra,
o disco voador, quando olhamos para as culturas interligadas pela paranoia e
segredo criados pelo Lavender Scare, o Red Scare e o pânico dos
OVNIs daqueles anos – três medos com os quais os americanos se preocupavam com
invasões de homossexuais, comunistas e alienígenas, todos os quais ameaçavam o
imaginário pós-guerra do estilo americano de vida.
Se você não acha que há uma ligação, então não prestou atenção ao
relacionamento simbiótico entre a cultura pop e os OVNIs. Afinal de contas, os
discos voadores nasceram do esforço do editor de uma revista para lucrar com o
avistamento de Kenneth Arnold, as abduções alienígenas cresceram do imaginário
de The Outer Limits e The Twilight Zone, e os portais estelares
da ufologia atual são um resultado de Stargate e seus subprodutos para a
televisão. A influência vai para outro lado também, com as alegações de OVNIs
alimentando filmes como O Dia Em Que A Terra Parou e Contatos
Imediatos do Terceiro Grau, que então moldaram as crenças sobre OVNIs da
próxima geração. Alguns vão para os dois lados. Rod Serling foi para frente e
para trás, ao fazer ficção científica sobre alienígenas e discos voadores no The
Twlight Zone e, então, ao fazer documentários sobre eles como em Busca
dos Astronautas Antigos e The Outer Space Connection, também.
Expectativas culturais e crenças moldam o que vemos e como entendemos o que
vemos. Esse processo nem sempre se move claramente em uma direção, e seus
resultados não são sempre óbvios, entretanto está acontecendo diante de nossos
olhos – se pudermos ver.
Juventude Transviada
Para ser totalmente honesto, eu não sabia muito sobre Juventude Transviada
antes de ter visto o filme pela primeira vez, já adulto, em 2020. Eu sabia pela
osmose cultural que James Dean estava nele e que ele tinha feito três filmes
antes de morrer em um acidente de carro, com a idade de 24 anos. Eu até me
lembrava do modelo do carro dele, Porsche 550 Spyder, que, por alguma razão, as
retrospectivas consideravam muito importante. Eu não sabia de qual dos três
filmes de James Dean esse era. Eu me lembro de ler vagamente que um dos três
filmes era suspeito de ter um subtexto homoerótico, mas eu achei que isso não
deveria ter sido terrivelmente importante, já que era pouco mencionado nas
descrições comuns do filme. De fato, a página do filme na Wikipédia não fazia
menção à atração entre o mesmo sexo quando eu li antes de assistir ao filme no
aplicativo Turner Classic Movies em uma noite de primavera. A sinopse do
TCM dizia que o filme era sobre um adolescente forçado a lidar com o pai que
“usa um avental”. Literalmente verdade, mas isso não vem ao caso.
Da esquerda:
Natalie Wood, Sal Mineo e James Dean
logo antes do
clímax de “Juventude Transviada”
E então, eu assisti ao filme. E comecei a me
perguntar se estava vendo o mesmo filme. E acontece que as expectativas
culturais e experiências quase que, literalmente, fazem os espectadores verem o
mesmo filme de duas formas absolutamente incompatíveis. O filme é estruturado
como uma tragédia grega (ou shakespeariana, como o autor do filme preferia).
Como muitos melodramas dos anos 50, várias tramas se interligam ao mesmo tempo,
nem sempre de forma plausível. Destacar um não é negar os outros temas e
questões que existem ali. Entretanto, a tragédia climática nos compele a ver a
linha que leva até a história principal, se a tragédia for para ter algum
impacto e garantir seu papel climático. Que o filme não é feito para ser
literal é óbvio, a partir fato de que o desenvolvimento emocional e de caráter
de um adolescente, e meses de história, ocorrem em um único dia simbólico. Ser
parcialmente encenado em um planetário sugere uma dimensão cósmica que se
compara aos caprichos dos deuses dos mitos gregos. Os cosmos que colapsam,
discutidos no planetário, espelham a falha de cada nível da sociedade, dos pais
à polícia, aos amigos, para ajudar e apoiar nossos heróis.
Juventude Transviada,
dirigido pelo cineasta Nicholas Ray, conta a história de três adolescentes, Jim
(Dean), Plato (Sal Mineo) e Judy (Natalie Wood), cujas vidas se entrelaçam no
curso de alguns triângulos amorosos e sentimentos de alienação parental. Inicialmente,
encontramos os três em uma delegacia, onde cada um dialoga com um psicólogo da
polícia (Ed Platt) depois de serem levados em custódia por vários delitos.
Apesar de eles ainda não se conhecerem, suas ações nesta noite antecipam o
clímax do filme para momentos grandiosos e simplistas.
A mãe e o avô dominadores de Jim, com seu pai acovardado (Jim Backus) de carona,
o tiram da prisão – e é digno de nota aqui que esse é um filme sobre a
masculinidade, e como tal, trata seus personagens femininos mal, mesmo para os
padrões dos anos 50. Logo depois, descobrimos que a família de Jim acabou de se
mudar para a cidade, parte por causa da necessidade não explicada de sua mãe de
manter a família se mudando. Há a implicação de que eles se mudam para tentar
manter Jim longe da delinquência, apesar de que as razões exatas para isso são,
sugestivamente, pouco claras. Jim odeia a fraqueza de seu pai e exige a orientação
e o apoio que ele não pode dar. De forma parecida, os outros adolescentes são
alienados de seus pais. Judy tem um fascínio quase incestuoso por seu pai (menor
que no roteiro original!), e ele tenta mantê-la à distância, embora de uma
forma quase abusiva, enquanto os pais de Plato o abandonaram.
Quando Jim chega para seu primeiro dia na escola na manhã seguinte, as
dinâmicas para o resto do filme são colocadas em seus lugares. Ele é atraído
por Judy, que está namorando um membro de gangue chamado Buzz. Jim se torna
amigo de Plato, que é obviamente gay, e está apaixonado por Jim, e eu não consigo
acreditar em como apenas alguns telespectadores da época conseguiram perceber
isso em 1955. Ele tem uma foto em estilo pinup da linda estrela de cinema Alan
Ladd colada dentro de seu armário. Plato olha demoradamente para Jim. Durante
uma viagem ao observatório Griffith, Plato acaricia de forma amorosa o ombro de
Jim. Durante a famosa corrida para a morte entre Jim e Buzz, onde se estabelece
a rivalidade porque Buzz questiona a masculinidade de Jim, Plato é visto na
típica pose de interesse amoroso, contorcendo suas mãos e rezando pela
segurança de Jim enquanto o suposto interesse amoroso, Judy, é brilhantemente
indiferente. Depois da corrida, Jim leva Plato – não Judy – de volta para a
cidade e Plato faz essa pergunta para Jim: “Ei, você quer vir para casa comigo?
Digo, não há ninguém em casa e não estou cansado. Quer?”
Plato é um pouco mais jovem que Jim e sua inocência é, às vezes, dolorosa de
assistir. Ele diz a Judy que Jim, que ele tinha conhecido desde as 7 ou 8
daquela manhã, é seu “melhor amigo” e que ele deseja que Jim o levasse para
sair e o ensinasse a pescar. Ele diz que quer que Jim o ensine porque ele sabe
que Jim nunca ficaria bravo com ele quando fizesse alguma gafe. Ele conta a Jim
que gostaria que ele fosse seu pai. À Plato faltam as palavras para expressar seus sentimentos, então elas saem em
uma linguagem sancionada pela sociedade.
Mas é igualmente o caso que Jim é atraído por Plato
tanto quanto por Judy. Todo outro homem no filme trata Plato com algo entre o desprezo
e o ódio homicida. Jim, em contraste, é terno e afetuoso, e parece gostar
genuinamente da admiração de Plato, mesmo quando ele se comporta como um filhotinho.
Os sentimentos alternados entre filiação, irmandade e amor erótico, o que mais
tarde os críticos leem como indeciso, eram na verdade um indicativo de como as
pessoas dos anos 50 entendiam o amor entre o mesmo sexo, seguindo as ideias psicanalíticas
freudianas sobre a homossexualidade se originar de relacionamentos parentais
falhos e dos modelos gregos clássicos, onde essa mistura não era confusa mas
idealizada. Plato e Jim têm relacionamentos com seus pais que espelham aqueles
dos psicanalistas dos anos 50, que Irving Bieber identificou (erroneamente)
como indutores da homossexualidade. O nome de Plato não foi acidental. Sua
história espelha e, de alguma forma, inverte o que é dito pelo Platão mais
famoso no Simpósio 179e-180b sobre o amor divino entre Pátroclo e
Aquiles e, de forma mais genérica, a visão platônica do amor entre os homens em
seu ideal mais elevado.
O clímax do filme liga esses fios em uma tragédia clássica. Depois do
posicionamento diante de seus pais falhar, Jim tenta fazer a coisa certa e
confessa seu papel na morte de Buzz. Mas a gangue de Buzz o vê e acha que ele
os está entregando aos policiais. Eles atacam Plato na esperança de rastrear
Jim, e Plato imediatamente tenta alertar Jim. Ele encontra Jim e Judy em seu esconderijo,
cuja localização ele compartilhou com Jim de forma confidencial, a mansão
abandonada Getty, perto do observatório Griffith, e lá os três brincam de
casinha – literalmente, não figurativamente – antes de dormirem juntos. Plato
quer que eles sejam algo entre uma família substituta e um trisal, e o filme
faz o argumento subversivo de que eles poderiam ser felizes dessa forma, se
somente a intolerância da sociedade não interferisse.
Nossos heróis felizes na mansão abandonada
Essa intolerância vem de duas formas, dos delinquentes
juvenis da gangue de Buzz e, também, de figuras de autoridade incompreensíveis,
e que, de forma despercebida, reforçam ordens morais inúteis. A gangue de Buzz
invade a mansão, e Plato está aterrorizado porque acorda sozinho e pensa que
Jim e Judy o abandonaram. Ele atira em um dos membros da gangue e quase atira
em Jim antes de correr para o observatório Griffith, onde a polícia o prende.
Plato está de coração partido e pensa em suicídio, pronto para morrer pelo que
ele não pode ter. Jim e Judy chegam, e Jim tenta desarmar a situação enquanto
Judy olha tudo de forma vaga. Sem usar palavras, Plato confessa seu amor por
Jim, e Jim faz o mesmo à Plato, trocando sua jaqueta vermelha pela arma de
Plato para poder remover as balas. Plato acaricia o casaco amorosamente e o
coloca. Novamente, há uma oportunidade final para todos serem felizes juntos,
mas a polícia atira e mata Plato, o vendo como uma ameaça, mesmo que, sem
saber, ele tinha sido desarmado. Jim disse antes que o fim do mundo poderia
chegar ao anoitecer. Plato morre antes do anoitecer e o mundo deles acaba.
Jim está absolutamente de coração partido e chora
sobre o corpo de Plato, como um marido lamentando sua noiva, ou pai lamentando
por seu filho, ou Aquiles chorando por Pátroclo. É a emoção que qualquer um
mostra por outra pessoa no filme todo, mas o filme termina em uma nota discordante.
Agora que Plato está morto, Jim de repente se transforma. Enquanto o corpo de
Plato está sendo transportado na sua frente, ele é todo sorrisos, apresentando
Judy para seus pais como sua namorada. Seus pais sorriem. A frase final é uma
sentença incompleta na qual os pais parecem expressar seu alívio por Jim ser
hétero, afinal. Então, apesar da polícia ter acabado de matar um jovem, a cena
do crime é limpa em segundos, o observatório reaberto e a normalidade é
restaurada.
É um final tão estranho e incongruente que apenas pode ser entendido como um
contraste chocante no estilo de tragédia grega, nos minutos precedentes, para
destacar a falsidade dos esforços de Hollywood para confinar o amor em uma
caixinha. É como se também o espectador fosse intencionalmente levado a pensar
sobre porque esse fim parece tão falso. Na verdade, quase se assemelha a um
outro clássico dos anos 50, Vampiros de Almas, do ano seguinte, ou o
episódio “A Vida é Boa”, do Twilight Zone. Talvez o último seja uma
comparação melhor, com a demonstração do terror reforçando uma conformidade
falsamente alegre. A vitória de Judy, que no curso do filme deu seu amor
promiscuamente a seu pai, para Buzz e então para Jim, não é um triunfo. (Quando
Judy confessa pela primeira vez seu amor a Jim, poucas horas depois de seu
último namorado ter morrido, ele responde com “Fico feliz.”) A aceitação precoce
da conformidade dos anos 50 ocorre porque os personagens viram como a sociedade
pune aqueles que a transgridem.
Bastidores
Minha leitura, sem dúvida, está perto da correta.
Ray e Dean tinham envolvimentos românticos com homens e mulheres, e Mineo
tornou sua homossexualidade pública logo antes de seu assassinato em 1970. Ray
tinha muito orgulho de como ele contou sua história de homossexualidade debaixo
do nariz da Warner Bros. “Os Warner não sabiam o que eu estava fazendo”, Ray
disse mais tarde. Ele encorajou Dean e Mineo a jogarem com o interesse de Mineo
por Dean, e Dean chegou a aconselhar Mineo sobre como tornar a atração de seu
personagem por Jim mais óbvia. “Olhe para mim da forma que eu olho para Natalie”,
dizem que ele instruiu dessa forma.
Antes de sua morte, Mineo disse que estava orgulhoso de ter interpretado o que
ele descreveu com uma leve hipérbole, como o primeiro adolescente gay em um
filme. Anos depois, os envolvidos na produção do filme deram a Dean o crédito
de codiretor do filme, junto com Ray. Mesmo que isso seja um exagero, os dois
homens influenciaram o produto final e o levaram para a mesma direção. Mesmo o
escritor do roteiro final, Stewart Stern, que algumas vezes negou qualquer
intenção em representar a homossexualidade, admitiu que ele enquadrou a
história ao redor dos laços profundos de amor e afeições masculinos que ele
testemunhou na Segunda Guerra Mundial, onde “muitas ligações românticas foram
formadas à frente de encontros heterossexuais”. Ele chamou Plato de “o
personagem bicha”. O ponto, Stern pensou, é que tais ligações eram normais até
a idade adulta transformar meninos guerreiros em homens de família.
É claro que Stern pensou que estava roteirizando um filme sobre as vidas de
jovens de gangues do interior, e Ray tinha ideias diferentes sobre o que ele
colocou no filme. Muito da ênfase de Stern sobre a atividade da gangue,
incluindo uma cena de abertura de violência de gangue, foi cortada remodelando
o roteiro de Stern em uma história mais ambígua sobre almas perdidas procurando
por companhia e afeição, contra as regras da sociedade.
Os testes de gravação para o
filme que sobreviveram, destacam esse ponto e revela o que uma versão do filme,
livre da convenção social e da censura, poderia ter parecido. Em uma filmagem de
teste, no set de Um Bonde Chamado Desejo, Dean, Mineo e Wood filmaram a
cena da mansão abandonada. Mineo não podia tirar seus olhos de Dean, e eles se
provocam e encenam uma briga cheia de risadas. Mineo se inclina e diz suas
falas de forma sedutora perto do rosto de Dean. Um Dean risonho retorna o favor
um minuto depois, ao rolar com Mineo e despentear seu cabelo de forma ainda
mais terna e familiar com Mineo do que em suas cenas de teste com Richard Davalos
para A Leste do Éden. Em outra cena, Dean tem seus braços ao redor de
Wood e Mineo. Dean se inclina e beija Mineo de forma brincalhona, e Mineo pega
o cigarro de Dean e sopra fumaça neste e brinca com a mão de Dean, enquanto
Wood fica parada do lado, abaixada sob o braço de Dean. O contraste entre esse
ensaio e os testes muito mais profissionais de Dean com os outros atores do
filme é claro. Ray sabia o que queria e ele demitiu um ator escalado
anteriormente para trazer Mineo a bordo, depois de assistir a performance afetuosa
dele e Dean, e a química óbvia deles.
Cena do teste de gravação de juventude Transviada
Há um pouco de ironia ao se definir a história como
uma tragédia grega. Os próprios gregos especulavam que Homero tinha se
utilizado de um truque parecido ao não usar palavras explícitas para descrever
o amor entre Aquiles e Pátroclo. Ésquines, em seu Contra Timarco,
poderia estar descrevendo a abordagem de Ray ao explicar Homero: “Ele, de fato,
esconde a amor deles e não dá o nome apropriado à afeição entre eles, julgando
que a extremidade da afeição entre eles seria inteligível para os homens
instruídos de sua audiência”. Quanto mais as coisas mudam, mais você entende.
Reação do Público
Entretanto, o resultado final é uma resposta muito
diferente entre os críticos e espectadores nos anos 50. As audiências gerais e
críticos, literalmente, não podiam ver o que estava bem na frente deles. Para
ser inteiramente honesto, eu não posso nem compreender como isso é possível, o que
é o motivo de eu ter descrito o filme acima em tantos detalhes. As pessoas da
época não podiam ser tão ingênuas, podiam? Afinal de contas, em 1954 o
psiquiatra Fredric Wertham alegou que Batman e Robin era um “sonho realizado de
dois homossexuais vivendo juntos” e Mulher Maravilha era uma servidão lésbica
aficionada, alegações que chegaram até o Senado, em audiências famosas sobre o
perigo dos quadrinhos e A Sedução dos Inocentes, o título do livro de
Wertham. No ano anterior, o presidente Eisenhower baniu os homossexuais do
serviço governamental, nos seis anos do Lavender Scare sobre os gays
subversivos que, supostamente, ajudavam comunistas.
Enquanto assistia ao filme, continuei a tentar imaginar como seria possível ver
aquele filme do começo ao fim e nem uma vez entender por que Plato se preocupa
tanto com Jim, ou porque Jim está disposto a arriscar sua vida por Plato e fica
perturbado quando ele morre.
Ao fazer uma crítica do filme em outubro de 1955, Robert J. Landry, da Variety,
por exemplo, enquadrou o filme inteiro como uma exploração do efeito de pais
ruins na propagação do crime nos subúrbios. Ele mencionou Mineo apenas de
passagem como “um valor importante” para o filme e nunca falou da ligação entre
Plato e Jim. Ele devotou duas vezes mais espaço para os “seios, batom e
sentimentos sexuais” de Wood. A nomeação de Mineo para o Oscar pelo papel quase
não foi mencionada pela crítica. De forma parecida, considere como Jack Moffit,
do Hollywood Reporter, sem emoção, descreve o clímax do filme poucos
dias depois:
“Temendo que Dean irá até os policiais, um grupo de
jovens terroristas batem em Mineo, que se arma com uma pistola e se junta a
Dean e Natalie em uma mansão abandonada, para a qual eles fugiram quando ambos perceberam
seus pais insensíveis. O assustado Mineo atira em um membro da gangue e é, em
retorno, atingido pela polícia. O amor de Dean por Natalie é, no final, visto
com simpatia por seus pais.”
Ele citou a letra, mas esqueceu da música. O “no
final” realmente me mata, já que os pais de Jim não tinham conhecido Judy muito
menos ido contra seu namoro. Os pais de Judy não estavam nem envolvidos! Precisa
de um talento especial para imaginar uma história que não está lá para evitar
ver a que está. Como Landry, Moffit viu o filme como nada mais que um conto
melodramático de educação falha.
O New York Times fez melhor que esses outros
dois. Bosley Crowther escreveu, em 30 de outubro, que o filme estava lotado de
“mentiras” ao alegar “entender” a juventude de hoje. Ele parou logo antes de censurar,
mas chamou o filme de uma “distorção desesperada e perigosa” ao acusar os pais
e a polícia de forçar jovens à delinquência. Ele não se importou em mencionar
Plato de forma alguma, exceto para chamá-lo de “um jovem amigo” cuja morte
finalmente convence Jim e Judy a retornar de forma segura para casa. Ele também
viu o melhor elemento do filme como a aprovação dos pais pela nova namorada de
Jim – que eu lembro a você é retratada como se jogando a qualquer macho alfa mais
próximo. Moralidade!
Tais leituras persistiram durante o século XX. O
crítico Peter Biskind, em seu livro de 1983 Seeing Is Believing,
argumentou que o filme advoga pela conformidade ao celebrar Jim e Judy
retornando aos papéis tradicionais de gênero, o qual o comportamento fora da
conformidade de gênero do pai feminizado de Jim e dominador da mãe tinha interrompido.
Esse é quase literalmente o oposto do significado claro da história e a
intenção dos diretores e atores. O crítico popular Leonard Maltin conseguiu ser
ao mesmo tempo mais e menos obtuso, resumindo o filme em seu famoso guia de
filmes como uma meditação sobre “o conforto encontrado em amizades”. Não posso
enfatizar o suficiente que mesmo o Turner Classic Movies, em 2020,
descreve o filme todo dessa forma: “Um adolescente alienado tenta lidar com os
problemas da vida e um pai que usa avental”.
Então, o que podemos extrair de tais leituras? De um lado, a confusão que os
críticos do século XX mostraram é bastante óbvia. Se você não entende ou se
nega a acreditar que Plato está apaixonado por Jim, ou que Jim tem pelo menos
sentimentos mais que casuais por Plato, então o clímax do filme simplesmente
não funciona. É apenas um sensacionalismo melodramático para chocar os valores
sem consequências emocionais. É provavelmente por isso que Crowther viu o filme
como uma exploração perigosa. Isso também permite ao espectador aceitar o final
feliz incongruente como a mensagem real do filme, mesmo que em um nível
superficial, e isso é absurdo. Biskind aceitou o absurdo para poder restaurar a
heteronormatividade.
Você pode pensar que os críticos estavam simplesmente sendo recatados, mas não
é isso que a evidência mostra. Os críticos não tinham problema em identificar
temas não saudáveis ou homossexualmente cruéis. O Time, de forma
monótona, notou a “homossexualidade reprimida” de The Strange One (1957)
sobre um cadete sádico que vitimizava seus colegas de turma. Grupos
conservadores que dispararam ataques em filmes anteriores sobre delinquência,
como os de Marlon Brando, The Wild One (1953) e Blackboard Jungle
(1955), na verdade elogiaram Juventude Transviada por destacar a
importância de ter papéis de pais e mães fortes. Se eles tivessem suspeitado de
algo desfavorável, eles teriam dito. A Legião Nacional da Decência, por
exemplo, condenou Son of Sinbad, de 1955, como um “incitador da
delinquência juvenil” e foi contra ambos Blackboard Jungle e The Wild
One, mas não viu nada impróprio com Juventude Transviada. O grupo
católico lhe deu cinco estrelas, declarando que ele era “moralmente irrepreensível”
para crianças pequenas. E se um grupo de extremistas católicos não notou nada
gay... Bem, isso diz algo.
Essa situação continuou até o século XXI, mesmo com
a consciência da diversidade sexual entrando no consenso geral. Ideias antigas
precisam de um longo período para serem abaladas. Em 2002, o crítico do Boston
Globe, Jay Carr reconheceu as correntes “homoeróticas” subjacentes do
filme, que ele chamou de “inconfundíveis”, todavia permaneceu perplexo em
porque Judy foi tão pobremente escrita, ou porque o final feliz pareceu tão “forçado”.
Porque era quase como se o personagem dela não fosse realmente importante! Levou
décadas para Roger Ebert perceber que “Plato é gay e tem uma queda por Jim”. Ao
refletir sobre isso em 2005, Ebert viu isso apenas como um momento menor em um
filme sobre delinquência juvenil, e sugeriu que Ray não fazia ideia do que seu
filme estava dizendo por baixo da superfície e que a história era, em última
instância, pouco clara. Ele até declarou que o momento feliz que os jovens
compartilham na mansão Getty, rejeitando as normas sociais de comportamento e
decoro, foi “mais que esquisita”. O exaustivo The Making of Rebel Without a
Cause, de Douglas Rathgeb, apenas menciona a homossexualidade duas vezes,
nas duas vezes em avisos dos executivos do estúdio de que o filme poderia ter
um toque gay.
Por contraste, o Live Fast, Die Young: The Wild Ride of Making Rebel Without
a Cause, de Lawrence Frascella e Al Weisel, publicado no ano seguinte, era
muito mais aberto sobre os elementos subversivos sexuais do filme e os elogiava.
É do último livro que eu peguei emprestado muito dos fatos que relatei acima.
Ele se seguiu de certo número de teóricos homossexuais que identificaram o
filme como um momento importante para a representação homossexual em filmes.
Essas discussões se tornaram famosas no famoso documentário pioneiro The
Celluloid Closet (1995), e o livro de 1981, de Vito Russo, em que foi
baseado, permaneceu separado, e de segunda classe, confinado em larga medida
fora das discussões dominantes, é o que diz a revisão literária. Entretanto,
mesmo que as críticas dominantes agora repitam muitas das primeiras ideias dos
teóricos homossexuais, tais análises ainda são encaixotadas como “leitura
homossexual”, como identificando que a intenção do diretor era, de certa forma,
de menor valor que a construção de uma análise dominante independente ou, como
as críticas dos anos 50, imaginando isso indiscriminadamente. A parte mais
estranha é quando mesmo escritores recentes continuaram a se referir a Plato
com a palavra “codificada”, como se alguém precisasse dizer a palavra mágica
“gay” para torná-la real. As ações não são suficientes e isso marca como
funciona a fórmula especial da supremacia de uma crença sobre a realidade.
Eu não pude evitar comparar isso com a recente
série da Netflix, de Ryan Murphy, The Politician, que também apresentava
um triângulo amoroso parecido e terminava em tragédia. Na primavera de 2020, a
série argumentou estranhamente que após o personagem de River confessar seu
amor por outro garoto e cometer suicídio, ele não era mesmo gay porque não
tinha tido sexo anal. Ele era apenas um bom amigo. O programa, então, celebra
os personagens sobreviventes ao escolherem relacionamentos heterossexuais. Eu
imediatamente pensei no roteirista de Juventude Transviada, Stewart
Stern, insinuando que o romance e o amor entre o mesmo sexo não eram realmente
homossexuais se os personagens não fizessem sexo. Sessenta e cinco anos depois
de Juventude Transviada, de alguma forma, uma produção grande está
atualmente promovendo uma visão mais regressiva e menos compassiva que a de um
filme dos anos 50. Pelo menos lá atrás, a morte do garoto gay foi uma tragédia
ao invés de uma inconveniência.
OVNIs na Cultura dos Anos 50
Então, o que tudo isso tem a ver com os discos voadores? Pergunte a si mesmo
isso: Se as audiências dos anos 50 não podiam intuir corretamente os motivos e
sentimentos de seres humanos, porque poderíamos confiar que eles intuiriam os
motivos e as intenções de supostos indivíduos de outros mundos que, para cunhar
uma frase, são bem mais alienígenas?
Como vimos, as reações dos espectadores à Juventude
Transviada são muito influenciadas pelas atitudes culturais, valores e
crenças. A comparação mais fácil seria dizer que quem acredita em OVNIs está correto,
vendo o que as massas cegas não podem ver. Mas essa não é a comparação correta.
A observação mais importante é o grau que as expectativas culturais e pontos
cegos podem nos prevenir de entender objetivamente o que vemos e como forçamos
que isso se conforme com roteiros pré-escritos. Há também uma comparação a ser
feita para o porquê o governo e a sociedade ficaram malucos com os discos
voadores e o pânico gay aconteceu ao mesmo tempo em 1947 e, eventualmente, os dois
foram incluídos sob o medo do comunismo. As comparações não são exatas, e nem
sempre são perfeitamente confortáveis, mas elas são, todavia, informativas.
Também não é coincidência que o pânico gay, o pânico comunista e o pânico dos
OVNIs todos cruzaram seus caminhos na mesa do diretor do FBI J. Edgar Hoover,
que viu todos os três como oportunidades para repressão doméstica e foi ele
mesmo sujeito de rumores persistentes sobre sua orientação sexual.
Pode ser radical sugerir isso, mas não há realmente
um fenômeno OVNI como tal. Como os primeiros investigadores dos OVNIs
descobriram no verão de 1947 e reportaram para Hoover – alguns meses depois dos
primeiros avistamentos – a narrativa dos OVNIs como naves alienígenas foi uma
história que o editor de ficção científica Ray Palmer imprimiu no mundo. Palmer
era o editor de histórias de ficção científica de Richard Shaver, que falou
sobre civilizações perdidas, naves espaciais e encontros alienígenas, e ele os
promoveu como não sendo ficção para aumentar as vendas de revistas e obter sucesso
financeiro. Depois de Kenneth Arnold ter visto o que foi largamente relatado
como sendo discos voadores, Palmer contratou Arnold para escrever para ele e
começar a espalhar histórias de que Arnold tinha visto espaçonaves alienígenas e
lançou o chamado “The Shaver Mystery”.
Se ele não tivesse feito isso, alguém teria feito,
porque a Era de Ouro da Ficção Científica e os personagens como Buck Rogers e
Flash Gordon tinham preparado o terreno para a crença em visitantes de outros
mundos viajando em naves de metal. Mas aquela preparação cultural não apenas
moldou como as pessoas da época interpretaram os discos voadores, mas também
parece os ter criado. Sem uma crença cultural em espaçonaves alienígenas, o
mito dos discos voadores simplesmente não poderia ter emergido de avistamentos
aleatórios de luzes, rochas espaciais, pássaros, fenômenos meteorológicos incomuns,
etc. Essas coisas sempre existiram, mas o desenvolvimento de uma expressão
cultural primária a partir deles (entre as massas, apesar de obviamente não
entre as elites intelectuais) limitaram a diversidade da experiência.
Se há uma lição a se aprender dos arquivos de OVNIs dos anos 50, é que não há
consistência nas alegações de OVNIs inicialmente. Os discos voadores ficaram populares
graças a Arnold, mas ninguém realmente sabia o que devia fazer, então os
avistamentos variavam bastante. Alguns eram grandes; outros eram muito pequenos.
Em um caso risível de julho de 1947, um disco de papelão, com bateria Ray-O-Vac
e um pequeno motor deram início a uma investigação militar e um esforço de quem
o achou para ganhar publicidade por ter encontrado um dos “discos” da qual a
mídia continuava falando. Ele media 48 cm, e os investigadores do FBI decidiram
que uma criança tinha feito aquilo. Luzes, sombras, reflexos de todos os
tamanhos e formas de objetos entraram em cena. Nada disso realmente pertencia ao
paradigma abrangente dos discos voadores. O investigador francês de fenômenos
estranhos, Jacques Vallée, estava pesquisando algo quando notou que elementos
do mito OVNI – luzes no céu, seres estranhos, mensagens crípticas, etc. – todos
apareceram no passado, apenas não juntos, mas ele estava errado ao pensar que
ninguém lá atrás entendeu a real ligação. Eles estavam cegos pela cultura,
confundindo um paradigma criado pelo acaso e ficção barata dos anos 40 com a
verdade eterna.
É senso comum observar que ninguém viu os discos
voadores como naves espaciais até que os jornais e filmes começaram a dar às
pessoas a linguagem e a estrutura interpretativa para identificar coisas que
elas não podiam entender nos céus. Na direção oposta da ampliação dos
horizontes sexuais acidentais dos filmes, a convergência das narrativas de
Hollywood e da mídia em torno do conjunto de indicadores de naves alienígenas
impôs uma ideia cada vez mais uniforme sobre o que poderia ser aceito como um
OVNI “genuíno”. Sistematicamente, mas inconscientemente, quem acredita em
OVNIs é podado em uma diversidade de
ideias cada vez menor – tudo sem qualquer evidência de fato, apenas os sistemas
de crenças que se desenvolveram ao redor da ideia dos OVNIs como naves
alienígenas. Coisas que não se encaixavam eram rejeitadas, ignoradas ou
forçadas a se conformar, pelo menos até que os OVNIs escaparam do controle de
especialistas que se auto denominavam como tal e expandiram até uma gama confusa
de ameaças sobrenaturais em décadas recentes. Mas ainda estamos falando dos
anos 50.
Paranoia e Perseguição na América dos Anos 50
Enquanto esse processo estava ocorrendo dentro da ufologia, o processo oposto
estava ocorrendo fora da Ufologia. Nos Estados Unidos, expulsar intrusos marcou
os anos pós-guerra, enquanto a sociedade parecia passar por uma reversão forçada
de volta a um arranjo social pré-guerra idealizado, quase vitoriano. Qualquer
coisa que não se encaixasse tinha que ser assimilada ou destruída. O governo
dos EUA e seus aliados nos negócios travaram uma guerra contra os comunistas e
homossexuais, limpando o governo e a sociedade de sua rejeição ameaçadora das
normas sociais do pós-guerra. O senador Joseph McCarthy ligou o comunismo ao
pânico aos gays, dizendo ao senado americano que as “reviravoltas mentais
peculiares” da homossexualidade tornaram os gays suscetíveis à corrupção
comunista. Eisenhower demitiu 5 mil gays (confirmados e suspeitos) do governo e
agentes federais foram enviados para repetidos testes de colaboradores em busca
de sinais de “perversão” sexual.
Enquanto o governo procurava com suspeita por
sinais de comunismo, eles também carregavam listas de sinais imaginados de que
alguém poderia ser gay. De acordo com uma lista de 1949 de maneiras de
identificar homossexuais, publicada na revista Newsweek, agentes
procuravam por roupas “afeminadas”, linguagem corporal e sinais sutis de
reconhecimento quando o “vocabulário homossexual” era usado. Doze milhões de
americanos tiveram que assinar votos de lealdade sexual, atestando sua lealdade
à heterossexualidade para manterem seus trabalhos. Os paralelos entre a
espionagem interna anti-gay e anti-comunista, e a fama dos infames Homens de
Preto da Ufologia estão próximos de forma não confortável, emergindo dos mesmos
sentimentos da paranoia os anos 50, quando qualquer desvio da conformidade ou
normas sociais era um risco.
Gays, comunistas e alienígenas são todos, fundamentalmente, o mesmo. A guerra
dos governos contra a crença em OVNIs é paralela aos outros esforços em purificar
a sociedade dos invasores externos. Não há necessidade para ensaiar aqui os
esforços do governo para minimizar os avistamentos de OVNIs e para descartar os
avistamentos como fenômenos naturais não identificados, etc. Nós todos sabemos
que parte desse esforço era para encobrir testes de voo e projetos dos
militares e da CIA, como mais tarde o governo admitiu, e que parte disso
envolvia operações psicológicas e de propaganda intencionais. Mas isso também
fala dos esforços do governo em manter uma imagem de autoridade, estabilidade e
controle. Os que acreditavam em OVNIs eram malucos e subversivos, sujeitos ao
mesmo tipo de espionagem interna, infiltração e monitoramento que os gays e
comunistas. De fato, o governo se preocupava abertamente que os grupos ufológicos
fossem frontes comunistas. Em julho de 1947, o FBI se encontrou com o General
George F. Schulgen, da Inteligência Aérea do Exército (e mais tarde Chefe do
Estado-Maior da Força Aérea), que falou à agência que ele suspeitava que as
pessoas que viam discos voadores eram “indivíduos com simpatia comunista, com uma
visão para causar histeria coletiva e medo de uma arma secreta russa”. A
realidade dos discos voadores – que não havia uma, e eles não eram uma ameaça
real – era menos importante do que a crença paranoica de que os invasores de
fora da bolha do núcleo das famílias brancas patriotas podiam destruir a
América a partir de dentro.
Por volta de 1953, a mídia nacional estava especulando abertamente sobre discos
voadores como invasores alienígenas e o governo dos EUA, liderados pela CIA, realizou
um esforço formal para combater a crença nos OVNIs, para prevenir o que um
memorando de 1952 chamou de “risco de pânico”. O relatório secreto do Painel
Robertson, de 1953, concluiu em unanimidade que os OVNIs não eram um perigo
para ninguém e, provavelmente, fenômenos naturais, mal entendidos visuais,
balões, aeronaves, etc. Mas eles estavam preocupados que a crença pública no
mito dos OVNIs era um perigo para a segurança nacional, porque quem acreditava
poderia sobrecarregar os sistemas de notificação do governo no caso de uma
emergência real, ou deixar a América aberta à “histeria coletiva e grande
vulnerabilidade à possível guerra psicológica”. O painel recomendava um
programa sustentado de educação pública (ou seja, propaganda) e “desmistificação”
para retirar crenças histéricas da sociedade. J. Allen Hynek, alguém que ainda
não acreditava em discos voadores, recomendou utilizar astrônomos amadores para
“espalhar a mensagem” contra os OVNIs, e o painel definiu um plano para usar
Hollywood para combater crenças subversivas. Tais esforços eram essenciais,
eles diziam, para a “moral” da nossa nação. Eles podiam também escrever sobre
comunistas e gays, cujas aparências já eram estritamente reguladas pelas
produções de Hollywood para se conformar ao Código Hays, uma medida cooperativa
feita para evitar a censura formal do governo. “Perversão sexual” já estava
esquecida, e seria um pouco mais complicado convencer Hollywood a apresentar os
OVNIs sob uma ótica de zombaria, também.
A indústria do entretenimento, de forma zelosa, seguiu em todas as frentes, não
apenas dos OVNIs, mas também dos comunistas. Comunistas eram excluídos e expurgados.
Os filmes apresentavam os discos voadores como alegorias para invasões
comunistas, e as companhias de TV, de forma zelosa, transmitiam documentários apresentando
a crença em OVNIs como sendo espaçonaves alienígenas como um espaço de malucos
e subversivos. O especial sobre OVNIs de Walter Cronkite, de 1966, por exemplo,
foi produzido em cooperação com especialistas do Painel Robertson para atenuar
o entusiasmo público.
Em todos os casos, o resultado foi um fracasso –
mas não por um tempo. Eventualmente, quanto mais o governo tentava suprimir e
censurar, mais forte a reação contra os esforços deles ricocheteavam.
Movimentos de esquerda, liberação sexual, e crenças em OVNIs, todas explodiram
nos anos 60. Mas, nos anos 50, parecia que a supressão estava funcionando. Em
sua maioria, o povo escolheu seguir a linha do governo, pelo menos em público.
Ver Sem Acreditar
E muitos nos anos 50 escolheram a ignorância deliberada, não ver o que estava bem
diante dos seus olhos. Se você não dissesse a palavra mágica certa, então o que
era ruim não existiria e não teria a necessidade de se pensar a respeito. A
conformidade é meio que em si uma forma de poder, e escolher acreditar em uma
linha partidária ao invés da realidade se tornou um ato de patriotismo – não
muito diferente dos eleitores de hoje que, com entusiasmo, repetem as mentiras
oficiais do governo e se convencem de que são verdade, até que elas mudem de
novo. Meu palpite é que mais pessoas viram e entenderam, mas suprimiram
ativamente, ou rejeitaram o que viram, como se assim pudessem manter uma
superfície plausível de conformidade. Continuo pensando sobre Robert J. Landry,
que imaginou uma história muito diferente para o fim de Juventude Transviada
para manter a ilusão. Apenas em 1959, Hollywood revisou o Código Hays para
permitir histórias sobre homossexualidade, mas décadas se passariam antes que
os filmes, e especialmente a televisão, começasse regularmente a oferecer
histórias mais positivas e afirmativas sobre amor entre o mesmo sexo que Juventude
Transviada fez em 1955.
Certamente, eu me desviei bastante de onde comecei e terminei, mas eu espero
que as ligações estejam suficientemente claras. O que vemos e o que está mesmo
lá tem apenas uma ligação parcial, filtrada pelas lentes da cultura, política e
crenças. Os anos 50 foram particularmente bons ao pedir que as pessoas substituíssem
a realidade com crenças politicamente corretas e tolerância com preconceito. Esses
cortes foram tanto a favor ou contra o que hoje podemos identificar como as
visões “corretas” sobre sexo, ciência e política, mas os processos são os mesmos
não importa em qual direção eles corram.
Por mais que alguém queira tentar, é impossível
ignorar a profundidade da tessitura intrincada da cultura que une mesmo os
elementos aparentemente mais divergentes.
Há uma ironia final em tudo isso. Nove anos depois
de Juventude Transviada ajudar a criar a exploração do gênero delinquente,
The Twilight Zone ofereceu sua própria versão chamada “Black Leather
Jackets”. O episódio da quinta temporada mostra seus três delinquentes ameaçadores
como Marlon Brando em The Wild One, mas pega emprestado mais de Dean para
a retratação de Lee Kinsolving como o sensível Scott, que desenvolve o tipo
errado de sentimentos. Ele tem, também, a locação suburbana de Juventude
Transviada, e vemos outra história sobre amores cruzados, dessa vez ultrapassando
as fronteiras do espaço sideral. É triste que, naqueles anos, era mais fácil
aceitar um jovem alienígena do que um homossexual, mas eu não posso deixar
passar que “Black Leather Jackets” é um dos quatro episódios de ficção
científica da TV que eu identifiquei previamente como de fontes parecidas com a
da famosa fantasia de abdução alienígena de Barney Hill, enquanto sob hipnose no
começo de 1964. Os relatos de Hill e sua mulher, Betty, de sua suposta abdução por
alienígenas em New Hampshire, delimitaram o modelo e serviram como fonte para o
mito moderno da abdução alienígena, e até das sondas anais.
Lee Kinsolving
(direita) é um rebelde “alienado” com uma causa em “Black Leather Jackets”
Hill descreveu seu abdutor como usando o traje de
Kinsolving, uma “jaqueta preta brilhante e cachecol” de “Black Leather Jackets”
(e com o chapéu de Brando em The Wild One). Enquanto Kinsolving fazia as
cenas do segundo papel que James Dean rejeitou naquele inverno, ele se
transformou em um outro amante alienígena em The Outer Limits – um jovem
literalmente alienado com problemas com o pai, o que, de novo, era extraído dos
mesmos temas de Juventude Transviada. Dessa vez, a história substituiu o
subtexto interracial por um filme homoerótico. (O episódio “The Children of
Spider County” foi diretamente inspirado pelo romance Odd John, de 1935, sobre
um alienígena comunista super gênio!
Kinsolving co-estrelou antes em The Explosive Generation (1961), junto
com William Shatner e Billy Gray, de Father Knows Best, com Ed Platt
ajudando a consolidar sua ligação com a exploração do gênero adolescente
inaugurada por Juventude Transviada. Aquele filme instigou a alienação
adolescente e a sexualidade, com uma mensagem mais esperançosa sobre o poder do
ativismo jovem para superar a sufocante era da conformidade de Eisenhower –
invertendo a análise pessimista de Juventude Transviada sobre os males
sociais. Kinsolving, cujo agente foi anteriormente o de Dean, espelhou o estilo
de Dean em algum grau, particularmente ao usar piscadas e beijos para transmitir
emoção, elementos que ele trouxe de forma mais branda para The Twilight Zone
e The Outer Limits. A carreira de Kinsolving atingiu o ápice com uma
nomeação ao Globo de Ouro de 1960, mas ele perdeu para, de todas as pessoas,
Sal Mineo.
As ligações exploradas aqui podem não ser diretas, mas a linha de influência é marcante,
todavia. Ver nem sempre é acreditar, e acreditar pode significar não ver. Afinal
de contas, todos se lembram da icônica jaqueta vermelha que James Dean usa em Juventude
Transviada como couro vermelho. Mas isso é uma ilusão, criada pelo
departamento de marketing da Warner Bros para fotos de publicidade e pôsteres.
No filme, é apenas uma jaqueta bomber de nylon vermelha. A ilusão tende a superar
a realidade.
Artigo original:
jason colavito
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