Como um diversificado grupo de
caçadores de discos voadores caiu no gosto do público
Digamos que você esteja interessado
em OVNIs. É um passatempo divertido, mas você quer monetizar seus esforços. O
que você faz?
Historicamente, suas opções eram
limitadas. Havia o setor do entretenimento, filmes de ficção científica como Contatos
Imediatos do Terceiro Grau (1977) ou E.T. (1982), supostos livros de
não-ficção como Eram os Deuses Astronautas? (1968) ou As Profecias do
Homem-Mariposa (1975). Havia jornalismo, às vezes sério, mas principalmente
sensacionalista. Havia conferências e festivais onde você podia ganhar dinheiro
com taxas de participação e vendendo produtos com temática ufológica.
A rota final e muito menos comum era
conseguir que alguém, de preferência alguém com muito dinheiro, pagasse para
você estudar o assunto.
Em 1995, esse alguém era o empresário
de Nevada, Robert Bigelow. Ele já havia financiado vários ufólogos autônomos,
mas, naquele ano, ele decidiu criar sua própria organização de pesquisa, o
Instituto Nacional de Ciência da Descoberta (NIDS). Ele convidou vários nomes
de destaque da pesquisa ufológica para participar, incluindo Hal Puthoff,
Jacques Vallée e John Mack. Não apenas uma organização de ufologia, o NIDS
também questionou se existe vida após a morte. Sua linha direta (e
posteriormente o site) receberia relatos de misteriosos triângulos negros
voadores, mas também pedia relatos de mutilações de gado e visitas de
"entidades" — basicamente fantasmas.
Em uma decisão bastante estranha do
governo, a Administração Federal de Aviação (FAA) disse aos pilotos que queriam
relatar um avistamento de OVNI que fizessem isso diretamente ao NIDS.
Em 1996, o NIDS começou a se
concentrar em um lugar chamado Rancho Skinwalker. Uma área de criação de gado
sem muitos atrativos no nordeste de Utah, a propriedade pertencia à família
Sherman, que por um ano contou histórias incríveis de avistamentos de OVNIs,
mutilações de gado e visitas de entidades misteriosas. Havia os três tipos,
então Bigelow comprou o rancho e instalou nele uma equipe de pesquisadores do
NIDS em tempo integral.
Por um ano, eles não observaram nada.
Os relatos variam quanto ao que aconteceu depois disso, mas aparentemente foi o
suficiente para interessar um senador dos Estados Unidos.
Programa de Cunho Político e
Paranormal
O senador Harry Reid, democrata do
estado de Nevada, então em seu segundo mandato, estava interessado em OVNIs há
anos, quando o jornalista de Las Vegas George Knapp lhe contou sobre o NIDS.
Reid já conhecia Bigelow, tendo-o representado como advogado, e os dois
começaram a se comunicar sobre o projeto de Bigelow. No final do ano, Reid
participou de sua primeira reunião do conselho do NIDS, que incluiu uma apresentação
de Vallée e discussões de outros ufólogos. Reid foi fisgado.
O interesse de Reid cresceu ao longo
dos anos e ele continuou a participar de eventos de ufologia, embora sua equipe
tentasse afastá-lo de algo que eles suspeitavam que o público consideraria
frívolo. Então, em 2007, Bigelow entrou em contato com o senador sobre James
Lacatski, um cientista de foguetes da Agência de Inteligência de Defesa
interessado em OVNIs. E assim uma nova via para monetizar esse interesse
começou a se abrir: a torneira dos gastos do governo.
Lacatski tinha acabado de ler Caça
ao Skinwalker, um livro de 2005 sobre os fenômenos que supostamente
ocorriam no rancho. Ele leu sobre OVNIs, vacas mortas, esferas misteriosas
semelhantes a espíritos, estranhos efeitos na saúde e criaturas bizarras
emergindo de portais. Fascinado, deu o livro a colegas da comunidade de
inteligência. Segundo ele, foi lido com avidez — especialmente na Zona Verde de
Bagdá, onde havia muito tempo livre.
Lacatski começou a visitar o Rancho
Skinwalker. Em uma viagem, ele relatou ter visto uma espécie de aparição
tecnológica flutuando no ar na cozinha do rancho. Parecia, disse ele, o objeto
na capa do álbum Tubular Bells, de Mike Oldfield.
Após essa visão sobrenatural,
Lacatski se convenceu de que havia um fenômeno que valia a pena investigar. Ele
sabia que era improvável que seus chefes do Pentágono autorizassem tal coisa.
Também não podiam solicitar financiamento publicamente para investigar um
rancho mal-assombrado. Então, ele e alguns aliados inventaram um novo programa,
o Programa Avançado de Aplicação de Sistema de Armas Aeroespaciais (AAWSAP).
Bigelow, cuja empresa aeroespacial
também lançou com sucesso dois protótipos de habitats espaciais infláveis
durante esse período, apresentou Lacatski a Harry Reid. Reid convenceu os
senadores Ted Stevens, republicano do Alaska, que disse ter visto um OVNI
quando era piloto na Segunda Guerra Mundial, e Daniel Inouye, democrata do
Havaí. Os três legisladores pressionaram o Subcomitê de Defesa de Apropriações
do Senado para obter fundos, eles conseguiram 22 milhões de dólares para cinco
anos e um edital público foi aberto.
O AAWSAP era para ser uma fachada. No
papel, foi criado para estudar novos possíveis desenvolvimentos em armamento
aeroespacial. O edital público não fez menção a OVNIs ou fantasmas. Ele
simplesmente falava da tecnologia aeroespacial e listava uma variedade de
campos que precisavam ser investigados, como "propulsão",
"elevação", "geração de energia" e a única coisa realmente
estranha, os "efeitos humanos" expressos de forma ambígua.
Apenas uma oferta foi dada ao edital
do programa elaborado por Lacatski, Bigelow e Reid. A oferta veio de uma nova
organização, Bigelow Aerospace Estudos Especiais Avançados (BAASS). O NIDS foi
encerrado e a BAASS tomou seu lugar. A oferta da BAASS não escondeu o fato de
que seus pesquisadores estudariam OVNIs e que fariam isso na sede da BAASS, em
Las Vegas, e no Rancho Skinwalker.
Parte do 22 milhões de dólares foi,
através da BAASS, para a Rede Mútua de OVNIs (MUFON), uma organização
voluntária que compila relatos de OVNIs, o que pagou pela atualização do banco
de dados do grupo e pelo acesso às suas investigações. A BAASS finalmente
montou seu próprio banco de dados de OVNIs, trazendo o trabalho do NIDS. Seus
pesquisadores fizeram prolongadas investigações no Rancho Skinwalker, tentando
observar tanto a atividade sobrenatural quanto os OVNIs que eles achavam estar
relacionados. Eles também investigaram outros casos de OVNIs fora do rancho,
como o agora famoso incidente "Tic Tac", envolvendo o porta-aviões
Nimitz em 2004, no qual um caça a jato da Marinha registrou um misterioso
fenômeno aéreo na costa da Califórnia.
O que apresentaram foi uma mistura de
artigos científicos especulativos sobre motores de dobra e histórias cada vez
mais malucas de esferas voadores e atividade poltergeist. Isso deve ter dado um
basta aos superiores da Agência de Inteligência de Defesa: quando o dinheiro
destinado ao AAWSAP acabou, o programa não foi renovado.
Desacobertamento
Tudo isso era desconhecido do público
em geral e provavelmente da maior parte do Pentágono. Então, em 2017, o jornal The
New York Times publicou um artigo intitulado "Auras Brilhantes e
'Investimento Secreto'", contando algumas das partes mais mundanas da
história do AAWSAP. (Os OVNIs foram incluídos. Os portais interdimensionais
não.) O artigo apresentou o mundo a Luis Elizondo, que havia sido chefe do
AAWSAP em determinado momento.
Elizondo havia acabado de se demitir
do Pentágono, citando sua frustração com o ritmo lento das investigações de
OVNIs. Ele também se uniu a um aliado improvável: Tom DeLonge, ex-vocalista da
banda Blink-182.
DeLonge havia começado a To The
Stars Academy of Arts and Sciences (TTSA), uma organização que parecia
projetada para usufruir de quantas opções fossem possíveis para a monetização
dos OVNIs. Nos planos ambiciosos de DeLonge, a TTSA teria uma divisão
científica, que estudaria os OVNIs e descobriria como eles funcionam. Teria uma
divisão aeroespacial, que pegaria essa ciência e a usaria para construir
espaçonaves com propulsão de dobra. E teria uma divisão de entretenimento, que
faria filmes e programas de TV sobre tudo isso. Os objetivos do grupo pareciam
ridiculamente implausíveis, e as únicas coisas reais que acabaram criando foram
produtos de entretenimento, principalmente uma série do History Channel sobre
OVNIs. A ciência nunca se materializou e a TTSA agora se descreve apenas como
uma empresa de entretenimento.
Ao longo do caminho, o grupo foi
pioneiro em uma nova maneira de ganhar dinheiro com OVNIs: a primeira
conferência da empresa foi, entre outras coisas, uma chamada para investidores
públicos. Muitos na comunidade ufológica ficaram entusiasmados com esse novo
empreendimento. A TTSA não é uma entidade com negociações públicas (é uma
"corporação de utilidade pública") e o futuro do dinheiro dos
investidores é incerto.
A academia de DeLonge também tentou
obter fundos do governo. Não conseguiu exatamente dinheiro (até onde sabemos),
mas assinou um acordo com o Exército dos EUA que permitia ao grupo o uso
gratuito de laboratórios do Exército para examinar supostos fragmentos de
discos que caíram em troca de algum compartilhamento de tecnologia vagamente
definido. Mais uma vez, tudo isso parece ter dado em nada. A chamada por
investidores mais recente da TTSA apresenta DeLonge falando liricamente sobre
fazer um longa-metragem baseado em uma versão fantasmagórica do Pé-Grande que
espia pelas janelas das pessoas.
Mas algo foi posto em movimento. O
artigo do The New York Times permitiu que jornalistas de todos os
lugares escrevessem sobre OVNIs, e os esforços da TTSA deram ideias a outras
pessoas. Os documentaristas se prepararam para examinar o assunto. As empresas
de educação e entretenimento começaram a divulgar ideias. E mais pessoas
começaram a fazer lobby junto ao governo.
Existe um conceito na subcultura
ufológica chamado "desacobertamento". A ideia sobre isso não é
simplesmente um apelo por mais transparência do governo; é uma suposição sobre
o que essa transparência revelará. Há tantas evidências de contato
extraterrestre, continua o argumento, que o governo certamente deve saber muito
mais sobre isso do que deixa transparecer.
A crença é baseada em duas coisas.
Primeiro, há os dados e testemunhos publicamente disponíveis sobre OVNIs. Isso
inclui três vídeos da Marinha dos EUA que foram divulgados por Elizondo e
Christopher Mellon, ex-Subsecretário Adjunto de Defesa para Inteligência. Esses
vídeos deveriam mostrar coisas incríveis, mas – como é o caso de muitos outros
vídeos promovidos por lobistas de OVNIs – uma análise mais detalhada sugere uma
variedade de explicações mundanas. Por exemplo, o vídeo "GoFast"
parecia mostrar algo se movendo muito rápido, sem meios visíveis de propulsão,
mas descobriu-se que se movia bem devagar e provavelmente era um balão. O vídeo
"Gimbal", muito alardeado por mostrar o que parecia ser um disco
voador giratório, também se assemelhava a um artefato de câmera que girava por
causa da câmera montada no cardã (gimbal).
Em segundo lugar, há informações
privilegiadas. Os militares americanos adotam o sigilo em uma vasta gama de
circunstâncias, mas especialmente quando se trata de tecnologia no campo de
batalha, como sensores. Portanto, os entusiastas de OVNIs costumam afirmar que
existem evidências significativas de tecnologia não-humana avançada, se
pudéssemos realmente vê-la.
Em 2020, Mellon convenceu o senador
Marco Rubio, republicano da Flórida, a inserir solicitação em um projeto de lei
que estabelece uma Força-Tarefa de UAPs, despertando ainda mais interesse da
mídia e instigando mais lobby. ("UAP" significa "Fenômenos
Aéreos Não Identificados", em inglês, e se tornou o termo preferido para
OVNI nos círculos oficiais.) Em junho de 2021, a força-tarefa produziu um
relatório. Nenhuma tecnologia alienígena foi discutida, e os relatos de OVNIs
foram em sua maioria considerados como tendo explicações bastante mundanas. Mas
as pessoas leram nas entrelinhas e ficaram muito animadas. Assim, o ciclo de
não revelação, especulação e legislação continuou.
A Corrida do Ouro dos OVNIs
Quando o governo começa a fazer
apropriações e aprovar legislações, o dinheiro aparece. Existe agora a chamada
"startup de UAPs". Uma dessas startups, a UAPx, inicialmente se
ofereceu para testar o equipamento de detecção de UAPs, depois se transformou
em uma espécie de turismo de UAPs. A pandemia tornou isso impraticável, por
isso limitou-se a filmar um documentário com William Shatner.
Mais recentemente, o Enigma Labs
entrou na briga, com o objetivo de criar um banco de dados sofisticado para
rastrear avistamentos de OVNIs e, em seguida, usar I.A. para separar o sinal do
ruído. Possivelmente uma ação preventiva para firmar presença nessa área antes
que contratos governamentais possivelmente lucrativos estejam disponíveis, a
fonte de financiamento do grupo não é clara. Um boato sugere que ele recebe
dinheiro do controverso capitalista de risco e financiador político Peter Thiel,
cujo nome também foi cogitado como um possível financiador secreto da pesquisa
de OVNIs nas universidades de Stanford e Harvard. (Thiel não respondeu a um
pedido de comentário.)
Outras empresas parecem estar
apostando que os UAPs são uma rota para futuras tecnologias que os militares
desejarão. A Quantum Generative Materials, cujo CEO falava muito sobre OVNIs no
Twitter, contratou um ex-piloto de caça que havia informado o Congresso sobre
seus encontros com OVNIs. Ele agora é o diretor de desenvolvimento de negócios
da empresa. A operação espera que seus estudos de OVNIs levem a novos
desenvolvimentos em computadores quânticos e inteligência artificial.
A própria Força-Tarefa de UAPs deu
uma volta pela porta giratória. Em 2022, a empreiteira do governo Radiance
Technologies contratou o diretor da força-tarefa, John F. Stratton Jr., e seu
cientista-chefe informal, Travis S. Taylor, especula-se para algo relacionado
ao governo e os UAPs. Taylor já é muito conhecido na indústria de
entretenimento dos OVNIs, interpretando um cientista empolgado em programas
como Alienígenas do Passado e, claro, O Segredo do Rancho Skinwalker.
A ação recente do governo quanto aos
OVNIs parece ser impulsionada principalmente por três conjuntos de incentivos.
Primeiro, há questões que praticamente todos reconhecem como legítimas, como
novas tecnologias aéreas (especialmente drones) que podem representar uma
ameaça à segurança nacional quando usadas por um adversário (humano). Outro
problema real surge quando sistemas, equipamentos ou pessoal não conseguem
identificar objetos voadores. Esses são problemas genuínos que precisam ser
investigados e resolvidos.
O segundo conjunto de preocupações é
mais esotérico. Contratos governamentais foram concedidos para que
investigassem um rancho supostamente sobrenatural. Cientistas do governo
investigaram poltergeists. As pessoas que pensam que uma "inteligência não
humana" está brincando conosco têm informado os políticos. Essas
atividades peculiares não estão mais limitadas a pequenos programas de cunho
político como o AAWSAP. Algo muito estranho está crescendo no Pentágono.
Aqueles que avançam nessa direção podem muito bem acreditar na missão deles,
mas certamente estaremos melhor quando a ação do governo for baseada em
evidências científicas reais.
Então, há dinheiro envolvido. Todas
essas coisas estranhas infundadas estão criando novas oportunidades financeiras
no complexo militar-ufológico. E quando as oportunidades financeiras
aparecerem, personagens de todos os tipos correrão para agarrá-las e
expandi-las.
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Tradução: Tunguska
https://reason.com/2022/11/15/the-military-ufo-complex