sábado, 30 de novembro de 2024

Armas Não-letais como Potenciais Causas do Fenômeno Chupa-Chupa

 Aplicações Militares e Bioefeitos da Radiação Eletromagnética e de Tecnologias de Laser: Investigação das Armas Não-letais como Potenciais Causas do Fenômeno Chupa-Chupa em Populações de Regiões Remotas do Norte e Nordeste do Brasil

Marco Aurélio de Seixas



“Há também outros, maximè nas praias, que vivem a maior parte do tempo junto do mar e dos rios, e são chamados baetatá, que quer dizer “cousa do fogo”, o que é o mesmo como se dissesse “o que e todo fogo”. Não se vê outra cousa senão facho cintilante correndo daqui para ali; acomete rapidamente os índios e mata-os, como os curupiras: o que seja isto, ainda não se sabe com certeza”.


Padre José de Anchieta, em “Carta de São Vicente” (1560)


http://www.rbma.org.br/rbma/pdf/Caderno_07.pdf


O Padre José de Anchieta foi uma figura central na missão jesuíta de catequizar os povos indígenas no Brasil durante o século XVI. Como missionário, seu objetivo era consolidar a fé cristã nas colônias portuguesas, educando os nativos e, ao mesmo tempo, preservando e documentando suas crenças e mitos.


Para cumprir essa missão, Anchieta aprendeu as línguas indígenas e registrou muitos dos seus costumes, inclusive relatos de seres sobrenaturais, como o baetatá, uma figura mítica associada a fenômenos luminosos que, segundo os indígenas, perseguia e matava quem encontrasse pelo caminho.


Em um de seus textos, Anchieta descreve o baetatá como uma “cousa do fogo”, uma luz cintilante que se movia rapidamente pelas praias e florestas, atacando e matando indígenas de forma misteriosa, sem que se soubesse exatamente o que era. Esse relato reflete o esforço de Anchieta em compreender e reinterpretar o sobrenatural indígena a partir de uma perspectiva cristã, integrando esses fenômenos desconhecidos à narrativa de perigos espirituais e demoníacos com os quais os colonizadores se deparavam.


Há uma interessante correspondência entre esse relato de Anchieta e o fenômeno chupa-chupa de 1977, ocorrido no N/NE do Brasil, quando várias pessoas relataram ter visto luzes misteriosas no céu que perseguiram e, em alguns casos, causaram ferimentos e até a morte de moradores locais. Assim como no caso do baetatá, essas luzes foram descritas como rápidas, perigosas e inexplicáveis.


Ambos os fenômenos foram interpretados por suas respectivas populações como manifestações ameaçadoras, o que evidencia uma continuidade no modo como a cultura brasileira, desde os tempos coloniais até o século XX, lida com eventos paranormais e desconhecidos.


Assim, o elo entre a missão de Anchieta e esses fenômenos repousa na busca por explicações culturais e religiosas para o que é incompreensível. Tanto no século XVI quanto em 1977, as luzes misteriosas, vistas como forças perigosas, revelam a tendência humana de recorrer a explicações sobrenaturais diante do inexplicável, seja através do cristianismo colonial ou de crenças locais mais recentes.


Embora o homem do século XXI esteja amparado por uma ciência aparentemente infalível e insuperável, vivemos cercados por mistérios ainda impenetráveis. Fenômenos espetaculares e hipnóticos, que resistem aos tempos, insurgem-se e agitam-se bem diante dos nossos olhos. Fraudes? Delírio coletivo? Ilusões de ótica? Como admitir como verdadeiro algo que afronta de maneira acintosa as mais básicas leis da física? Busca-se no racionalismo ou na fé uma explicação que ponha fim à nossa busca ancestral pela definição do imponderável.


O ser humano é arrogante, pois acha que todas as leis da natureza lhe foram reveladas. Não leva mais em conta que possam existir algumas que lhes sejam desconhecidas. Deus é algo que pode ser resumido a uma fórmula matemática. Dá de ombros e sentencia: “Não é possível e, portanto, não pode existir”. 


Há quase 80 anos o fenômeno ufológico é motivo de debates acalorados entre duas correntes: os céticos e aqueles que acreditam que somos visitados por civilizações e naves extraterrestres. Cada um dos lados busca apresentar argumentos que justifiquem suas convicções, muitas vezes distorcendo fatos ou ignorando evidências em contrário.


Com o fenômeno dos corpos luminosos do Maranhão e Pará (e agora, como poderá ser visto nesta obra, igualmente no Piauí) e o seu subproduto, a Operação Prato, não foi diferente: ele foi fartamente documentado, tanto pela mídia impressa como pelos militares e entrou definitivamente para a história como um dos eventos ufológicos mais espetaculares de todos os tempos.


Um dos aspectos mais fascinantes - e aterradores - relacionados ao fenômeno está ligado a uma característica particular destes corpos luminosos: a sua capacidade de provocar paralisia imediata em seres humanos, intrigando ufólogos, cientistas e entusiastas de diversas áreas do conhecimento.


Esse tipo de emissão, muitas vezes relatado em contextos de avistamentos de OVNIs e outros eventos inexplicáveis, levanta questões sobre os possíveis mecanismos fisiológicos e neurológicos que poderiam ser ativados por tais estímulos.


Até onde este autor sabia (pelo menos até o momento em que iniciou as pesquisas que justificam o título deste texto), não existe uma luz específica ou emissão luminosa conhecida por causar paralisia e colapso imediatos em humanos. A paralisia pode ocorrer por várias razões, como trauma físico, condições neurológicas ou reações adversas a substâncias químicas; o colapso pode ser decorrente de um desastre hemodinâmico, como o causado por um acidente vascular cerebral agudo, um infarto do miocárdio fulminante ou uma parada cardio-respiratória. Não havia, porém, relato de uma luz específica que tivesse esse efeito instantâneo.


Uma condição que vagamente se aproximava das descrições das testemunhas dos ataques é a fotoluminescência, que é a capacidade de alguns corpos de emitir luz sob a ação da radiação ou de uma fonte de excitação externa. As substâncias fotoluminescentes quando expostas a fontes de luz armazenam energia através de um simples fenómeno de excitação dos átomos. A energia da luz que é absorvida, na maioria dos casos, provoca apenas o aquecimento do corpo, estando longe de fechar a questão sobre a natureza dos eventos.


https://m.sinalux.eu/pt/produtos/o-que-e-o-fotoluminescente/


Além das implicações biológicas, a possibilidade de uma luz com tal poder de imobilização desperta especulações sobre uma tecnologia avançada e suas origens, seja ela de natureza terrestre ou exógena. Estudar e entender essas emissões luminosas não apenas expande nosso conhecimento sobre os limites da interação entre luz e organismos vivos, mas também nos aproxima de desvendar mistérios que desafiam nossa compreensão atual da ciência.


Neste momento, cabe um breve resumo dos acontecimentos, para poder contextualizar o que virá logo em sequência. No final da década de 1970, o norte e nordeste do Brasil foram palco de uma série de eventos que causaram grande comoção entre os habitantes da região e chamaram a atenção das autoridades militares brasileiras. Conhecidos como o fenômeno chupa-chupa, esses incidentes envolveram relatos de luzes intensas que desciam dos céus e atacavam as pessoas, deixando-as debilitadas e, em alguns casos, até feridas. A repercussão desses acontecimentos levou a Força Aérea Brasileira (FAB) a instaurar uma operação militar específica para investigar os casos, a chamada Operação Prato. Porém, o encerramento súbito e inexplicável dessa operação após apenas alguns meses de investigações deixou muitas perguntas sem resposta.


Desde épocas antigas, o ser humano nutriu o desejo em controlar e dirigir a energia. Em 214-212 a.C., é creditada a Arquimedes a façanha de reduzir o avanço da frota naval romana ao concentrar a luz solar em refletores de cobre para iniciar incêndios nos navios. Com essa história, a ideia de armas de energia mudou das mãos dos deuses para a mente dos mortais. Ao longo das décadas, muitos cientistas reivindicaram haver inventado as armas de energia direcionada, ou AED (do inglês, directed energy weapons, DEW), incluindo Nikola Tesla, que afirmou haver desenvolvido uma “arma de teleforça”, através da qual jatos concentrados de partículas seriam capazes o suficiente de derrubar um avião. Em 1959, Gordon Gould publicou um trabalho intitulado “The LASER, Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation”, que um ano depois foi demonstrado e criado na prática o primeiro aparelho por Theodore Harold Maiman, nos laboratórios de pesquisa da Hughes Research.


Collateral Damage Effects of Directed Energy Weapons | U.S. Air Force T&E Days Conferences


https://arc.aiaa.org/doi/10.2514/6.2010-1713


Essas aspirações tecnológicas e o crescente desenvolvimento de armas de energia direcionada nos Estados Unidos ao longo do século XX nos levam a questionar a natureza do fenômeno chupa-chupa. Em meio à Guerra Fria (1947-1991), quando o desenvolvimento de tecnologias militares avançava rapidamente, o uso de armas a laser era uma das frentes de pesquisa prioritárias dos norte-americanos. Investiam-se amplamente em tecnologias de alta energia que poderiam, em um futuro próximo, oferecer vantagem estratégica.


É inegável que populações inteiras sofreram com o terror psicológico das luzes misteriosas, que muitas vezes infringiam lesões físicas, temporárias ou permanentes. Determinados a entender os objetivos, os processos e a natureza dos ataques, forçoso é considerarmos a possibilidade da atuação de toda sorte de fenômenos, desde os mais corriqueiros até os mais exóticos. E, nesse vasto campo de especulações, cabe uma reflexão acerca das influências potenciais das forças energéticas e eletromagnéticas nos seres humanos.


Ao considerar os eventos documentados pela Operação Prato durante a investigação do fenômeno chupa-chupa e os ferimentos associados aos ataques, algumas similaridades marcantes surgem quando comparadas às tecnologias de micro-ondas e armas de energia direcionada descritas. Vamos analisar cada um dos pontos listados e relacioná-los aos relatos e efeitos observados na época.


Em um trabalho inicialmente reservado,  intitulado “Bioeffects of Selected Nonlethal Weapons (fn 1)” (Bioefeitos de Armas Não Letais Selecionadas), do Exército norte-americano, datado de 17/02/1998 e tornado público através do FOIA (Freedom of Information Act), em 13/12/2006, os autores abordam em resumo algumas das perguntas mais frequentes sobre tecnologia de armas não letais.


Alguns trechos deste interessante e potencialmente revelador trabalho foram selecionados por este autor que irá analisá-los criticamente e procurar relacioná-los aos relatos e efeitos observados na época.


1. Aquecimento controlado para obter vantagem psicológica e física: Relatos de vítimas do fenômeno chupa-chupa descreveram uma sensação de calor intenso, muitas vezes acompanhada de fraqueza e confusão. O conceito de aquecimento controlado através de micro-ondas, capaz de induzir um aumento de temperatura corporal sem ser letal, poderia explicar essa sensação. Esse tipo de efeito teria o potencial de causar um impacto psicológico profundo, gerando medo e pânico. A vantagem de uma arma não letal com esse propósito é justamente o efeito psicológico sobre o alvo, sem danos diretos, mas com desconforto suficiente para enfraquecer a vítima e gerar submissão.

2. Previsibilidade e atraso no início do aquecimento: A experiência de um aquecimento gradual e aparentemente inofensivo, com um período de início de 15 a 30 minutos, lembra os relatos de ataques que demoravam para serem percebidos. Testemunhas do chupa-chupa relataram um desconforto crescente que se intensificava com o tempo. Esse atraso poderia fazer com que as vítimas não percebessem a natureza do ataque de imediato, aumentando o elemento surpresa e o impacto psicológico

3. Dependência do tempo e dos níveis de potência para efeitos variados: A capacidade de modular o tempo e a potência de uma arma de micro-ondas seria crucial para causar desde desconforto leve até um aquecimento intenso e mais rapidamente detectável. Esse controle sobre o tempo e a intensidade pode refletir o motivo pelo qual algumas vítimas sentiram sintomas mais intensos que outras. As descrições das testemunhas da Operação Prato incluíam desde queimaduras leves até efeitos mais fortes, sugerindo que níveis diferentes de intensidade podem ter sido aplicados de maneira estratégica.

4. Reversibilidade dos sintomas após a cessação do calor: O fato de que os efeitos de aquecimento desapareceriam após a remoção da fonte de micro-ondas é interessante quando pensamos na ausência de sequelas mais severas ou duradouras em alguns dos relatos do fenômeno chupa-chupa. Muitas vítimas relataram melhora dos sintomas após o desaparecimento das luzes, o que poderia indicar que o efeito era temporário e controlado, sem danos permanentes.

5. Ausência de imunidade à tecnologia: A ideia de que nenhuma pessoa seria imune a esse tipo de arma pode explicar por que o fenômeno chupa-chupa afetou um grande número de pessoas em diferentes condições, idades e estados de saúde. Isso tornaria as armas de micro-ondas particularmente úteis para fins de controle de multidões ou para fins de intimidação generalizada em áreas populacionais vulneráveis.

6. Risco de dano localizado aos órgãos com baixa vascularização: Os relatos de vítimas mencionando danos na região dos olhos e dor de cabeça são consistentes com a descrição de aquecimento localizado em áreas com baixa vascularização. O aquecimento das têmporas e dos olhos poderia causar cefaleia e manifestação de opacificação das lentes oculares, similar ao que ocorre em exposições intensas, e explicaria alguns relatos de visão embaçada ou desconforto ocular após os ataques.

7. Fenômeno de audição de micro-ondas: Nao obstante a maioria das testemunhas não mencionarem nenhum ruído proveniente dos corpos luminosos observados à distância, algumas vítimas do fenômeno relataram ouvir sons estranhos, o que é semelhante ao fenômeno de audição de micro-ondas, onde as pessoas expostas sentem zumbidos ou sons semelhantes a batidas dentro da cabeça. Esse efeito ocorre devido à expansão termoelástica de tecidos internos quando expostos a micro-ondas de alta frequência. Tal sensação poderia ser interpretada como parte da experiência do chupa-chupa, intensificando o terror psicológico ao gerar sons “vindos de dentro da cabeça”.

8. Imediatismo dos efeitos sonoros e sua reversibilidade: Esse fenômeno acústico ocorre instantaneamente e cessa assim que a exposição à fonte de micro-ondas termina. Essa característica é coerente com os relatos das vítimas que afirmaram que o desconforto sonoro cessava quando a luz desaparecia, indicando uma relação direta e imediata entre o contato com a fonte e os efeitos percebidos.

9. Aplicabilidade à distância: A possibilidade de se direcionar micro-ondas a uma pessoa a distância, sem contato direto, é uma das características que explicam como os ataques do chupa-chupa poderiam ser realizados sem a presença física de equipamentos visíveis nas proximidades das vítimas. Essa tecnologia também permite controle direcional, o que pode explicar a precisão dos ataques às pessoas, que frequentemente relatavam que as luzes se direcionavam especificamente a elas.

10. Controle sobre a intensidade e tipo de efeitos: Com a possibilidade de escolher entre efeitos leves, como interrupções momentâneas na concentração, até sintomas mais graves, como espasmos e perda de consciência, a descrição se alinha com os relatos de vítimas variando desde desconforto leve até colapsos físicos mais intensos. Esses sintomas variados poderiam ser resultados de ajustes na intensidade da radiação direcionada.


Assim, ao comparar essas tecnologias de armas não letais de micro-ondas e energia direcionada com os eventos investigados na Operação Prato, é possível perceber uma série de paralelos e similaridades. Esses paralelos levantam a hipótese de que tais tecnologias poderiam ter sido testadas na região, de forma encoberta, sob condições reais. A natureza dos efeitos relatados e as lesões sofridas pelas vítimas parecem coincidir com os efeitos conhecidos de armas de energia direcionada, o que adiciona uma camada de complexidade e mistério aos eventos da Operação Prato e ao fenômeno chupa-chupa, sugerindo a possibilidade de uma intervenção militar oculta e experimental na região amazônica durante o período.


A escolha da Amazônia e do norte / nordeste do Brasil como local de testes, embora polêmica, pode fazer sentido ao considerarmos algumas variáveis estratégicas. Primeiramente, a região era de baixa densidade populacional e composta por vastas áreas de selva densa, o que garantiria um certo isolamento e a baixa visibilidade internacional de tais operações. Além disso, a escassa presença de infraestrutura sofisticada na área à época diminuía a probabilidade de detecção e registro detalhado dos fenômenos.


As ondas eletromagnéticas, ao interagirem com o corpo humano, dependendo da frequência e da potência, podem produzir algum tipo de efeito biológico, que nem sempre implica em perigo. A maioria dos efeitos biológicos conhecidos está associada a efeitos térmicos, resultantes da interação dos campos eletromagnéticos. Como consequência da absorção da onda incidente, o organismo se aquece, e, neste momento, brotam à memória os relatos de vítimas que afirmaram sentir intenso calor ao serem atingidas pelas luzes. Tecidos menos vascularizados são mais susceptíveis de sofrer danos térmicos em razão da pouca habilidade de dissipar o calor. Como consequência, esse aquecimento pode trazer riscos significativos para os olhos. 


BIOLOGICAL EFFECTS OF ELECTROMAGNETIC RADIATION (RADIOWAVES AND MICROWAVES) - EURASIAN COMMUNIST COUNTRIES. DEFENSE INTELLIGENCE AGENCY. PREPARED BY U.S. ARMY MEDICAL INTELLIGENCE AND

INFORMATION AGENCY. OFFICE

OF THE SURGEON GENERAL. DATE OF PUBLICATION: March 1976. Information Cut-off Date: 10 October 1975


As lentes internas dos olhos (chamadas de “cristalino”), estruturas extremamente sensíveis, podem sofrer opacificação, processo conhecido como catarata. Outros danos térmicos incluem queimaduras internas e externas, particularmente em casos de exposição prolongada a intensidades elevadas de radiação.


Além desses efeitos térmicos, há também efeitos fisiológicos e comportamentais decorrentes da exposição a campos eletromagnéticos de alta intensidade. Por exemplo, micro-ondas podem causar uma série de distúrbios no sistema nervoso, que incluem dores de cabeça, fadiga, tontura, amnésia e insônia. Esses sintomas refletem alguns dos relatos colhidos durante a Operação Prato, onde as vítimas do fenômeno chupa-chupa descreveram sentir-se estranhas e debilitadas após o contato com as misteriosas luzes.




Com esses fatores em mente, é intrigante considerar que a teoria de uso de armas de energia direcionada experimentais poderia explicar uma parcela desses fenômenos. A exposição a esses campos eletromagnéticos pode oferecer uma nova perspectiva sobre as experiências das vítimas, fornecendo uma possível correlação com as descrições de calor, lesões e sintomas persistentes.


A teoria de que as luzes intensas e ataques atribuídos ao fenômeno chupa-chupa poderiam ter sido causados, por exemplo, por armas a laser experimentais, ganha força se considerarmos o tipo de lesão e fadiga relatados pelas vítimas, que incluíam marcas de queimaduras e um estado debilitado generalizado. Tais efeitos são consistentes com a exposição à radiação de alta intensidade, que poderia ser um subproduto de armas de laser direcionadas. É claro, porém, que a humanidade ainda está distante do desenvolvimento de “rifles a laser”. No entanto, com o constante progresso no desenvolvimento do laser ao longo das últimas 60 décadas, armas a laser estão lentamente se tornando uma realidade.


History of military laser technology development in military applications. History of science and technology, 2022, vol. 12, issue 1


No contexto da Guerra Fria, onde espionagem, experimentação tecnológica e conflitos ideológicos marcavam as relações internacionais, é plausível considerar que os Estados Unidos viam o Brasil como um território propício para conduzir experimentos militares sob a névoa do sigilo. A Amazônia, com seu valor estratégico e abundância de recursos naturais, era uma região sensível para os interesses de potências estrangeiras, e isso certamente contribuiu para a proliferação de teorias sobre o possível envolvimento de tecnologia avançada norte-americana nesses fenômenos.


Com o repentino fim da Operação Prato e a ausência de explicações oficiais, abriu-se um espaço propício para interpretações que ligam o fenômeno chupa-chupa a operações secretas envolvendo armas de energia direcionada. A falta de continuidade nas investigações e a sensação de que algo estava sendo “encoberto” reforçam a ideia de que um conflito diplomático pode ter surgido entre Brasil e EUA, resultando no encerramento da operação. Esse enigma permanece até hoje, intrigando ufólogos e levantando questionamentos sobre os limites da cooperação e influência entre países aliados, especialmente em temas de alta sensibilidade militar e científica. Essa hipotética intervenção poderia ser uma tentativa de abafar uma operação militar que corria o risco de ser exposta publicamente, caso os dados fossem compartilhados com a imprensa ou a comunidade científica.


Diante de tudo que foi amplamente divulgado, posso afirmar com convicção que os acontecimentos foram reais, físicos e inteligentes em grande medida. Para o investigador menos informado ou para aquele curioso que caiu de paraquedas neste incidente, é inevitável que se levante um escudo de ceticismo, creditando as ocorrências na conta da lenda urbana, da histeria coletiva, da auto-mutilação e do fanatismo religioso de populações com baixíssimo nível sócio-cultural.


Não se trata aqui de forçar a barra a favor desta ou daquela hipótese, pois o assunto é complexo. O mais sensato seria criar “pastas” e em cada uma delas nós poderíamos anexar elementos adicionais à favor e contrários, sem que no entanto eles consigam esgotar o assunto e se tornar definitivos.


As pastas que agrupam os problemas de ordem psicológica e aqueles de âmbito estratégico / diplomático / militar já foram extensivamente comentadas. Na terceira e última pasta, aqui rotulada como “pasta da HET” (ou Hipótese Extraterrestre), que de forma quase unânime é aquela que reúne maior quantidade de investigadores e simpatizantes, vamos colocar seus dois principais sustentáculos: primeiramente, o depoimento de Luiz Pereira Rodrigues, o funcionário da Olaria Keuffer, que alegou ter sido perseguido por um humanoide às margens do rio Içui-Guajará, na noite de 02/11/1977; e o segundo, foi a famosa bola de futebol americano do Ten. Cel. Hollanda (então, capitão), avistada na mesma localidade ou próximo dela, mencionada nas entrevistas dele para o jornalista norte-americano Bob Pratt e para os ufólogos Ademar José Gevaerd e Marco Antonio Petit.


Nossa dificuldade em admitir a visita de seres de outras estrelas prende-se ao fato que as viagens interplanetárias ainda se encontram em seu estado embrionário, tendo que se render ao âmbito da ficção científica. O mais próximo que conseguimos chegar deste intento atende pelos nomes de Voyager 1 e 2 e Pioneer 10 e 11, as quatro espaçonaves lançadas ao espaço no final dos anos 1970 e que já se encontram no espaço interestelar.


A questão que se coloca é que em nosso atual estágio tecnológico, jamais poderíamos atingir outros mundos ou civilizações no intervalo de muitas existências. A realização prática de viagens interestelares dependeria de avanços significativos em várias áreas do conhecimento científico, da sociologia, da biologia, da astronáutica e da Medicina, atualmente disponíveis apenas nos campos da conjectura e da ficção científica. Estamos falando do desenvolvimento de tecnologias hipotéticas, recursos energéticos ilimitados, biologia diferenciada que proporcione longevidade, motivação para a exploração e expansão da própria civilização e uma física além do concebível.


A possibilidade de viagens interestelares para outros mundos é uma questão de grande debate e especulação na comunidade científica. Se para nós elas são atualmente impossíveis, é possível que outras civilizações mais avançadas tenham encontrado soluções para os desafios envolvidos. A ausência de evidências não é evidência de ausência, e a exploração contínua do espaço pode eventualmente fornecer respostas mais concretas.


E é isso que torna esse incidente irresistivelmente apaixonante. Neste livro, eu pretendo reconstruir e ampliar a memória desses acontecimentos extraordinários através da pesquisa documental sobre a densa produção de material impresso da época, sempre preservando a originalidade e força dos relatos daqueles que foram vítimas de um fenômeno que mesmo após quase cinco décadas ainda desafia qualquer tentativa de explicação.


Objetivei também justificar a impressão de investigadores que, como este autor, adotaram uma linha mais voltada ao questionamento honesto e imparcial, da afirmação de que a Ufologia está estagnada e sobrevivendo “com ajuda de aparelhos”, inserindo contrapontos importantes. Embora o tema UFO esteja em pauta atualmente, inclusive em audiências no Congresso americano, o debate está concentrado em questões de segurança nacional, com foco político e militar, e sem um avanço significativo nas áreas de pesquisa científica. Isso se deve, em parte, ao fato de que, para a comunidade científica, falta à Ufologia métodos rigorosos e replicáveis, essenciais para que o tema seja tratado com a seriedade que outras áreas acadêmicas desfrutam.


A popularidade do tema, evidenciada por seu alto número de buscas no Google, reflete um interesse público genuíno, mas não implica, necessariamente, progresso científico. A curiosidade popular, embora válida, não substitui o avanço de uma ciência robusta e aceita, e muitas vezes remete ao entretenimento e ao fascínio pelo desconhecido. Por outro lado, os ufólogos de campo desempenham um papel relevante na coleta de dados, mas as evidências que conseguem reunir, em grande parte, ainda não possuem o rigor necessário para satisfazer os padrões científicos. Na ausência de análises consistentes e replicáveis, há uma lacuna significativa em relação ao uso de métodos mais robustos, utilizados amplamente em outras áreas da ciência.


Enquanto isso, a “teleufologia” é frequentemente criticada, mas desempenha um papel importante ao engajar o público e ao promover a difusão do tema. Entretanto, sem embasamento sólido em dados concretos, o alcance dessa divulgação é limitado, o que contribui para a percepção de estagnação dentro da Ufologia. Diferentemente de outras áreas científicas que avançam por meio de teorias testadas e revisadas, a Ufologia carece de uma base teórica estruturada e amplamente aceita. Por isso, muitos cientistas mantêm uma posição cética e defendem que o campo está, de fato, em um estado de estagnação.


Um exemplo que ilustra essa situação é o fenômeno chupa-chupa e a Operação Prato, que marcou uma tentativa de lidar com o desconhecido de forma institucional e documentada. Em meio a tantos relatos ufológicos, a Operação Prato se destaca por ter sido uma investigação formal conduzida pela Força Aérea Brasileira (FAB), o que confere ao caso uma legitimidade rara. A operação envolveu oficiais treinados, relatórios detalhados e métodos estruturados de coleta de dados, embora o fenômeno continue sem uma explicação conclusiva. Além disso, este autor, em parceria com o investigador paraense Heitor Costa e com a colaboração da acadêmica Clara Costa, da Universidade do Piauí, trouxeram uma nova perspectiva ao regredir o início dos eventos para 1976, um ano antes do que o oficialmente registrado. Isso sugere que o verdadeiro ponto de partida do fenômeno chupa-chupa possa ser mais amplo e anterior ao que inicialmente se acreditava.


Diferente de outros avistamentos, o caso chupa-chupa teve o envolvimento de militares, autoridades e civis, sendo marcado pela recorrência dos eventos e pelos relatos de ferimentos físicos na população, o que obrigou as autoridades a tratar o caso com seriedade. No entanto, cinco décadas depois, o fenômeno continua sem explicação científica, evidenciando uma lacuna que a ciência ainda não conseguiu preencher. Investigar tais fenômenos pode abrir novas possibilidades de entendimento e expandir o conhecimento científico para áreas inexploradas.


O impacto social e psicológico sobre as comunidades atingidas pelo fenômeno também é um aspecto importante. Os relatos de medo e ansiedade entre os habitantes locais mostram que esses eventos vão além da curiosidade popular, afetando o bem-estar de uma população. Isso reforça que investigar fenômenos como o chupa-chupa é, também, uma questão de saúde pública e de respeito pela experiência vivida por essas pessoas.


Sob uma ótica cultural e antropológica, a Operação Prato e o fenômeno chupa-chupa tornaram-se parte da memória coletiva. Estes casos refletem como uma sociedade responde ao desconhecido e como isso pode influenciar as crenças e valores de uma comunidade. Para antropólogos e sociólogos, esses estudos são valiosos, pois revelam o impacto de eventos anômalos sobre a psique coletiva e o tecido cultural de uma região.


Desta forma, a Operação Prato pode servir como um modelo para a Ufologia e para a ciência moderna, ao propor protocolos de investigação rigorosos que poderiam ser úteis para outras pesquisas de fenômenos anômalos. Um modelo estruturado como esse poderia ajudar a Ufologia a se tornar mais científica, integrando-a mais legitimamente em pesquisas oficiais e fornecendo dados que mantêm sua relevância até hoje.


A investigação do fenômeno dos corpos luminosos transcende o mero interesse popular, tratando de temas de importância científica, militar, social e cultural. Esses casos reforçam a necessidade de atenção contínua e de novas abordagens de pesquisa, para que o campo da Ufologia supere a aparente estagnação e avanços concretos possam ser feitos no entendimento de fenômenos anômalos e tecnologias ainda desconhecidas do público. A Operação Prato, portanto, talvez tenha testemunhado um conflito tecnológico indireto, onde o aparato militar brasileiro foi subitamente retirado para evitar um incidente diplomático. Tal conclusão abre espaço para uma investigação aprofundada sobre o papel dessas armas e os verdadeiros objetivos por trás de operações aparentemente misteriosas.


A pesquisa que está diante dos olhos do leitor transcende o jornalismo investigativo, ao tentar situar os leitores não apenas no momento histórico das publicações, mas elaborar o retrato dramático de brasileiros impotentes diante de um mal para o qual não havia uma rota de fuga. A preservação da memória dos eventos é fundamental para compreendermos nosso passado e suas consequências. À medida que o tempo avança, é vital reter essas histórias, muitas delas traumáticas. Manter viva essa memória é um ato de preservação cultural e histórica, permitindo que as gerações futuras entendam os impactos desses eventos nas vidas das pessoas envolvidas. 


Um olhar curioso sobre as fronteiras ainda não delimitadas entre estes dois mundos - a Ufologia e a Ciência - é o propósito do trabalho que o leitor tem em mãos. As cortinas estão se fechando. As pessoas estão partindo. As poucas que ficaram estão cada vez mais inacessíveis. Os crimes estão insolúveis e os culpados saíram impunes.


As palavras do barão Du Potet, nobre francês do século XIX, resume a motivação com a qual o texto a seguir deve ser lido: “Aquele que admite apenas o que seus olhos veem têm uma visão bem curta. Ele se parece com o homem que, ao ver um livro fechado, não o abre, não faz nenhum esforço para saber o que ele contém nem adivinhar seu conteúdo, mas afirma com convicção: ‘Não há nada escrito nele’”.


Este texto, de autoria de Marco Seixas, é fruto da colaboração intelectual com o pesquisador Heitor Costa, que contribuiu para a formulação das ideias aqui apresentadas, além do valioso compartilhamento de documentos cedidos por Luiz Lamarão, cujas informações enriqueceram a pesquisa e permitiram uma análise mais detalhada do tema abordado.

quinta-feira, 28 de novembro de 2024

A UFOLOGIA E A IDEIA DO ET

  A UFOLOGIA E A IDEIA DO ET

Por Ubirajara Rodrigues





Os ufólogos constroem um mundo que faz jus à metáfora de ser esférico. Fabricamos nossa bolha que flutua em um espaço imaginário, rodeada de galáxias e planetas que, ao que pareceu até agora, completamente vazios de vida. Ao menos de vida inteligente. Mas o grande número de avistamentos de UAPS, ou Ovnis, ou UFOs, ao gosto do freguês da ufologia, demonstra o contrário. Ledo engano. O aparente aumento de casos não passa de ampliação do fascínio, por parte do público, pelo fenômeno que é, antes de tudo, de natureza sócio-cultural. Isto é um marco indelével da mera alegoria que fazemos com nossa ideia de nave extraterrestre, a superar as hipóteses mais plausíveis. É uma alegoria desprovida de exigências do rigor científico. Alegoria que já era demonstrada no Relatório Nash-Fotemberry de 1952 (THOMPSON, 1993).


Ideias renitentes

É improvável que nós ufólogos aceitemos explicações mundanas, seculares, principalmente as que atribuem a ação puramente mental para a maioria dos avistamentos. Se por um lado não é necessário que uma testemunha de Ovni/UAP seja transtornada, é bem claro que o fenômeno parece preferir se transfigurar de alucinação, quando não ocorreu no mundo real. Nossa má informação coloca uma alucinação ao lado de ocorrências raras oriundas de distúrbios mentais, ou de fatores exotóxicos, quando é muito mais comum do que se pensa e ocorre com pessoas absolutamente normais. Alucinações e ilusões podem ocorrer na vida diária e interpretadas como sobrenaturais (SAGAN, 1997). No caso da ufologia, não há diferença do que seja sobrenatural ou mesmo incomum, “extraterrestre”, “não humano”, conforme ela mesma prefere.


O papel do ufólogo na produção do fenômeno

O problema a ser solucionado, portanto, não se complica na testemunha ou, se for o caso, no próprio fenômeno supostamente exterior. É antes de tudo questão de como a análise dos fatos é feita. Em uma análise de casos – a ufologia autointitulada “científica” sempre desejou viver disto –  o que mais interessa é o resultado apresentado com clareza. Do contrário não haverá compreensão desse resultado (ALVES, 1996). O que, obviamente, não se confunde com eventual complexidade que um método possa ter ou que o próprio evento sob análise seja em si composto de vários pontos de complexidade. Portanto isto não afronta o axioma da Navalha de Occam, no sentido de que, diante de várias hipóteses, ideias e até suposições, o que é mais simples costuma ser o correto.

Contudo os ufólogos adotamos uma imagem mitológica do fenômeno que tentamos estudar. Ele é um mito muito antigo, ao inverso do que argumentou JUNG (1957). Buscamos nos recônditos do tempo uma explicação definitiva, que se tornou imutável desde os primeiros adventos de grupos de estudo ufológico. A origem extraterrestre. A nave espacial que chega até a Terra, pilotada por seres inteligentes, atualmente tratados de “não humanos”, uma expressão sofística para disfarçar o que sempre entendemos como “seres de outros planetas”. Ainda que não se possa duvidar de que outras crenças vêm adotando o fenômeno, tais como em seres “dimendionais” (de dimensões, o que aliás é de uma obviedade risível), ou espíritos, ainda anjos e, claro, demônios. A origem em outros planetas continua a eleita.


A ufologia erra na sua própria conceituação

A hipótese ET é de tal forma arraigada, que é costume as pessoas acharem que “a ufologia é o estudo da vida extraterrestre”, o que se vê inclusive em canais da Internet frequentados por mentes fantasiosas e alimentados por gente ainda mais fantasista. Confundindo de forma patética o que é objeto de estudo da Astrobiologia, ramo da Astronomia. Não se contenta a ufologia por ser “apenas” o estudo de fenômenos aéreos, ou anômalos, não identificados.

O fato é que, para isto, as pessoas sempre compararam o que viram em revistas em quadrinhos, em livros de ficção e em filmes, transpondo a figura do astronauta ou do extraterrestre para o que a própria Humanidade já conseguiu – viajar ao espaço e usar trajes espaciais. É uma boa e salvadora analogia para nossa ignorância, até porque esse é um método utilizado pela própria Mitologia (CAMPBELL, 2002).

Então discos voadores são necessariamente naves, que viajam pelo universo, vindo até a Terra pois que aqui é um planeta habitado e nele mora o homem, modelo para extraterrestres evoluídos (porque os mais similares a bichos tal como em alguns casos só podem ser os “pets dos seres inteligentes”). Não é humor meio sem graça. Um ufólogo declarou isto recentemente em um “Podcast” dos mais festejados. Eis então a ufologia vivendo de refletir em torno de analogias Universo/Terra/Homem (KAISER, 1971).


Recusa de aceitar explicações

O recente aumento do interesse popular pela ufologia deve-se ao sucesso de canais da Internet. Em razão disto, os ufólogos temos sido mais ufanistas do que nunca. Daí emitimos opiniões e disparamos comentários com uma firmeza e segurança jamais vistas. Essas ideias já constituem padrões de declarações com os ares de que são fulminantes dos argumentos em contrário. Como exemplo, quase todos acham que avistamentos deflagrados por questões meramente psíquicas, ou em virtude de má informação, não servem à explicação de muitos casos. A razão é de ordem puramente material, física, ainda que muitos ufólogos se gabem de adotar uma postura “holística” quando misturam suas crenças religiosas, sua fé em um plano espiritual, com ocorrências ufológicas. Qual seja, os UAPs ou UFOs são objetos físicos, palpáveis, concretos, porque materiais e são em muitas ocasiões detectados por radar.  E se assim o são, não podem ser atribuídos apenas a fatores puramente humanos da testemunha. No que têm total razão, porque nem todo avistamento ou manifestação tida por ufológica é resultante de alucinações, de sonhos ou de ilusões. 

Todavia nem tudo deve ser necessariamente uma coisa ou outra. Pode ser que nada realmente esteja perceptivamente presente, mas que é detectado pelo radar. Não julgue que esta observação seja loucura. Pesquise sobre “anjos de radar”. É o insuperável SAGAN quem expõe, ao comentar algumas hipóteses naturais para alegados Óvnis: 

Também é possível que fossem pequenos cometas dissipando-se na atmosfera superior. Pelo menos algumas informações de radar eram causadas por  ´propagação anômala´- ondas de rádio viajando em trajetórias curvas devido a inversões da temperatura atmosférica. Tradicionalmente, eram também chamadas “anjos” de radar – algo que parece estar ali mas não está. Era possível a ocorrência de visões percebidas simultaneamente pelas pessoas e pelo radar, sem que nada houvesse ´naquele ponto´”.

Muitas explicações são cabíveis. Até o espanto que alguns têm diante de relatos que narram objetos passando a aparente baixa altitude, em grande velocidade e se desviando de obstáculos. Entra em campo o famoso “só pode”. Só pode ser um UFO (sempre com a ideia de um disco voador). Entretanto o que antes era experimento bélico secreto, na década de 1960, hoje é fartamente conhecido. Mísseis com dispositivos capazes de detectar e fazê-los se desviarem de obstáculos. E em voo a baixa altitude, como convém a um míssil eficaz. 

Dessa forma a alegação de ufólogos de que UFOs detectados por radar confirmem algo fisicamente presente, tal como entendemos, torna-se vazia. 


Seres humanos “não humanos”

Ausente de sustentação a crença de que seres evoluídos, capazes de pilotar naves interplanetárias, são antropomórficos. Na realidade esses seres são antropomorfizados por nossa crença de que um ser evoluído tenha cabeça, tronco e membros e, de preferência, com uma compleição física e feições fisionômicas harmônicas e bonitas. Puro fruto do condicionamento óbvio de que não conhecemos outros seres inteligentes. E, como os mais inteligentes por aqui somos nós, então os de fora também devem ser bem parecidos. Afinal,estamos acostumados a ser educados sob as imagens mitológicas de que fomos criados à imagem e semelhança de uma Entidade superior ao próprio Universo que criou. Ora, admitimos que uma espécie de ser magro, (ainda que nitidamente humano), com olhos esbugalhados e vermelhos, com pele viscosa e veias saltadas, com três dedos nas mãos e pés bifurcados, faça parte da tripulação de uma nave que, sabe-se lá como e com que tecnologia, atravessou o cosmo e veio cair por aí. São os “pets”, só pode. Só se esquecem de que, se são seres extraterrestres, não quer dizer que sejam humanos. Ou humanoides, pouco importa nossa tentativa capenga de achar que os termos comportem muita diferença. Ainda que falemos de “bichos” de estimação de tripulantes de UFOs, mas mesmo assim lhes damos a composição antropomórfica.


Alguém sabe o que é um extraterrestre?

Claro que vida extraterrestre não quer dizer vida humana (NÁUFEL, 1979). O que aliás seria um tanto incongruente, segundo algumas correntes da Biologia, porque ser humano habita é a Terra. Pouco importando se em outros orbes houve condições de desenvolvimento da vida que rumava para um ser antropomórfico. Ou se, ao inverso, não é admissível ser humano nativo e habitando outros planetas. Uma coisa é inegável. Que se note aqui também a obviedade do raciocínio – se tem cabeça, troco e membros, é humano. Ufólogos devem considerar isto com maior carinho.

Ficarmos restritos à hipótese extraterrestre, que já superou uma das maiores dúvidas científicas da História, a de que se existem mesmo seres extraterrestres. Sem essa ideia a ufologia fica sem graça. Nós que lidamos com pseudociências, experimentamos um prazer e um fascínio muito maior, quando nos é exposto o resultado científico e bem fundamentado de um estudo. É algo que deve ser experimentado. Há fatos extraordinários da própria natureza que dão à ciência aspectos fascinantes (DAWKINS, 2005).


Trata-se de um aprendizado bem maior do que simplesmente registrarmos supostos avistamentos de pessoas do meio rural, muitas singelas e por isto achamos que não mentiriam ou, pasmo, que não narrariam algo que somente um “civilizado” conseguiria. E nosso ufanismo se amplia por acharmos que esse nosso método científico seja imbatível. 


A imagem de uma imaginária nave extraterrestre foi-se amoldando com o tempo, caindo nos registros quantitativos, mudando suas formas e se tornando ainda mais furtiva a despeito do sensível aumento de relatos, devido à facilidade oferecida pela Internet. Tal como acontece em outras áreas, como a da antes chamada paranormalidade (hoje também anomalia psíquica), o próprio fenômeno foi diminuindo com o desenvolvimento das técnicas de observação e de fotografia e filmagem (PRACONAL, 2004).


Há pouco menos de um ano, este Autor expôs na ufologia a súplica de que algum ufólogo lhe dissesse o que é afinal uma nave espacial de outro planeta. E indagou quem teria condições de atestar o que seria uma nave dessas ou mesmo descrevesse uma antigamente chamada “Entidade Biológica Extraterrestre”. Certamente não seria qualquer ufólogo ou alguma testemunha travestida de arauto de seres evoluídos. Se a ufologia se sente à vontade para comparar imaginários ETs com o ser humano, isto adota um frescor e uma refrescante ausência de limites de imaginação.


Narrativas e registros flutuam no tempo


Ao contrário do que pensam os que preferem a observação de seres do espaço pelo homem da Idade do Bronze e de outras mais antigas eras, a similaridade de deuses desenhados ou esculpidos, com astronautas modernos, veio somente depois. Isto é, depois dos deuses. Depois que confeccionamos trajes espaciais e lançamos homens ao espaço. Como quer que tenha sido, o homem antigo antropomorfizou seus deuses, tal como nós damos aos nossos deuses (astronautas) a compleição humana.  Por causa de nossas viagens e trajes espaciais, aprendemos a correlacionar e a associar os deuses antigos com astronautas extraterrestres.


A imagem do ser extraterrestre humano é atraente, fascinante. Atualmente é difícil separar tal imagem do fenômeno, apesar das vãs tentativas de se apartar uma ocorrência hoje chamada “anômala”, do clássico disco voador/nave extraterrestre. Tal ícone do grande mistério supera qualquer discussão a respeito de viagens interestelares, sobrevivência de um organismo vivo no espaço por longo tempo e tudo o que torna a hipótese extraterrestre para os UFOs algo ainda distante do que possa ser provável. E é exatamente isto que torna a hipótese atraente para o leigo, para o público em geral. Poucos se dão ao luxo de ao menos tentar imaginar o quanto de inúmeras ciências são implicadas em uma hipótese desse tipo. 

Por isto ufólogos não desistem, nem querem desistir, dessa ideia antes de tudo perplexa. Se acabar o mistério, acaba-se a ufologia. Ou prefeririam alguns pragmáticos de atualmente chamá-la de algo como “Uapologia”? É uma sugestão pobre. Todavia, quando o impacto da mensagem acaba por predominar sobre o seu conteúdo, o real se enfraquece (PRACONAL, 2004).

Mesmo que a ufologia anuncie se dedicar a um fenômeno recente, ele a supera de forma perdida no tempo. Avistamentos não são atuais, abduções sempre foram reportadas, pousos marcaram o solo através das eras e tudo o que constitui a miscelânea da casuística ufológica apenas mostra que, tal como hoje em dia, as pessoas moldam tais ocorrências quando tentam registrá-las ou interpretá-las. 

A insistência na crença em extraterrestres

É consenso que atribuir-se o início das aparições de UFOs com Kenneth Arnold é um erro (THOMPSON, 1993). Bem como é um equívoco achar que somente seitas modernas pregam que seres angelicais virão do espaço para nos salvar de alguma hecatombe. 

O arrebatamento é uma concepção antiga, mas que adquiria feições de graças concedidas pelos deuses por diversos meios e em vários aspectos da vida humana e coletiva (CAMPBELL, 2002). O entendimento de que pessoas seriam escolhidas para irem ao céu no final dos tempos derivou dessa espécie de conceito.

Quer como ocorrência luminosa ou no espaço, voando ou apenas flutuando pela sua aparência de movimentos, quer como uma projeção maior dos entendimentos coletivos, como o arrebatamento ou vinda de seres superiores para salvar um percentual da Humanidade, o fenômeno ufológico acaba por se firmar na crença dos que a ele dedicam seu estudo ou sua aceitação incondicional. Adotado universalmente como modelo de uma nave espacial extraterrestre, o UFO recebeu uma definição quase impossível de ser demovida. Não fosse isto, talvez observações do que se consideram UFOs nem seriam registradas ou dadas como relevantes, porque produzidas por fatores conhecidos pela física, pela astronomia, pela geologia, pela meteorologia, enfim por diversas das áreas científicas afetas. 

Causas construídas pela imaginação

O fenômeno é atualmente caracterizado a partir de conceituações que, se não tivessem sido elaboradas, nem teria assumido o poder de atração a partir do mistério. Asserções intelectuais sobre as coisas permitem perceber e observar fatos que sem elas nem são notados (CHALMERS, sd). Por um lado, isto permite sabermos que certos fenômenos realmente acontecem, porém essas asserções podem servir de produtoras dos mesmos tipos de acontecimento,  portanto imaginários.

Essa dicotomia reflete-se também em chavões e frases de cunho filosófico-científico. Talvez o maior exemplo seja o uso do axioma “não há efeito sem causa”. Utilizado inclusive para argumentar que prova a existência de Deus (VALDAMERI, 2013). No entanto a caracterização da causa torna-se o maior problema, pois que não é o efeito que serve à evidência de algo que o gerou. Diz-se de algo específico, em nexo causal com esse efeito. Somente para ilustrar, as coisas não surgem, não passam a existir, apenas porque foram “criadas”, o que implica necessariamente em uma inteligência criadora. Surgem inclusive pelo acaso e, o que é mais comum, pela junção de fatores, elementos e condições absolutamente naturais, portanto espontâneas. Quando se pensa em Ufologia, o axioma é ainda mais usado de forma equivocada, enviesada. Isto é, uma ocorrência, tal como manifestada por luz, no espaço, em movimento, ou mesmo alegadamente conduzindo algo ou alguém, então “só pode” ser uma nave espacial. Mais ainda, extraterrestre. É uma forma pobre de sofismar.

No caso da Ufologia, o efeito é nitidamente confundido com uma suposta, imaginada, causa. Não se conhece a causa para que o efeito desejado seja estabelecido. O que se conhece é mesmo, nos raros casos considerados com possiblidade de serem autênticos, o próprio fenômeno ainda que percebido fisicamente, materialmente, concretamente. Contudo não a causa apartada do viés ufológico costumeiro, de maioria. A causa adotada como verdade absoluta, portanto, torna-se uma premissa de pensamento e de proposição completamente inválidos. Não se sabe o que é uma nave espacial extraterrestre, do que é composta, que tecnologia detém, que técnica usa para transpor as distâncias espaciais e, principalmente, o que é a “entidade biológica” que a construiu e pilota. Muito menos que tal entidade exista. Sendo mais incisivo, sequer se seres extraterrestres realmente existam. A causa afirmada pela Ufologia, então, é inválida, irreal, insustentável.

Comportamento humano no ET

Mas é comum que as pessoas misturem seus próprios comportamentos com o comportamento que vislumbram em UFOs/UAPs. Uma vez mais a antropomorfização transpõe o humano para o que a própria ufologia considera “não humano”, o que em si mesmo já é uma flagrante contradição. As relações de causa e efeito são um princípio que pode levar a muitos caminhos diferentes (ALVES, ‘996). Assim podemos sem susto entender que se a Ufologia restringe o efeito que deseja (manifestação de extraterrestres) a uma causa que acredita estar diretamente ligada a ele, o chamado nexo causal, direciona seu pensamento para uma causa isolada, preferida, reinante – a vinda até a Terra de naves espaciais de fora. Esta linha coloca o ufólogo no conceito de um pensador sujeito a estímulo e a resposta, diretamente advindos da sua crença. É o que a Psicologia dos reflexos, inspirada em Skinner e em Pavlov (ALVES, 1996) considera.  O ufólogo perde um literal universo de hipóteses e de explicações tão fascinantes quanto sua inabalável convicção na visita de verdadeiros deuses astronautas.

Não é difícil de entender. Se a ufologia alega que trabalha com fatos, evocando o equivocadíssimo adágio de que “contra fatos não há argumentos”, ela o faz “narrando narrativas”, ou seja, quase sempre, descrevendo o que protagonistas de casos ufológicos disseram ou alegaram. Por exemplo, “Antonio Vilas Boas foi paralisado por um objeto luminoso, levado à força para o interior deste e manteve relação sexual com uma eteia”. Há aqui apenas a narrativa de um fato. E reproduzida de um terceiro, no caso a testemunha. Para sair desse campo restrito de raciocínio, a Ufologia precisaria estudar um caso em que seria possível descrever tecnicamente a suposta “nave”, de que coordenadas e de que astro era teria vindo, que combustível ou força utiliza para se movimentar no espaço a velocidades vertiginosas e inimagináveis até agora, que conhecimento de astronáutica usou para entrar em nossa atmosfera, qual a constituição orgânica, biológica, dos seres que levaram a testemunha à força para o interior e, principalmente, que probabilidade existe, em termos biológicos, de o sêmen humano interessar a uma eteia “não humana”. Tudo isto é possível? Sim, a resposta mais afoita. Mas completamente improvável.

Se fosse provável – vale dizer, contar-se com evidências (quase sempre confundidas por ufólogos ufanistas com indícios), a ufologia estaria enunciando relações válidas para os fatos. Ao exemplificar, citar casos, o discurso está calcado apenas nestes. É o que continua ensinando Rubem Alves. Talvez por isto o falecido professor da UnB, Alberto Francisco do Carmo, ufólogo cientista, costumava destilar seu inconformismo dizendo que ufólogos são apenas “doutores cata-casos”. Ora, se a ufologia puder, conseguir, lograr, ultrapassar a aparência superficial dos fatos, quem sabe enunciará relações perfeitamente válidas para eles (ALVES, 1996).

Intelecto ufológico e o terror do cético

A Ufologia acabou por enviesar-se de tal forma inspirada na ideia disco voador/ET, que se transformou rapidamente a partir da Década de 1940, em uma espécie de comunidade mundial repleta de desníveis e de distúrbios entre seus membros, todos sem perceber que lutam por uma ideia única, pobre. É um efeito que se alastrou sociologicamente por todas as bandas do mundo, um vírus de fascínio pelo materialmente desconhecido; o universo material e mesmo assim invisível, o que mantém um mistério sem o qual nada teria graça. O comportamento desse enorme colégio veio de uma espécie de “bola de neve”, marcando a dinâmica dos grupos humanos. Apelido derivado de uma novela escrita por Catherine Mac Lean, dinâmica que parece perigosa inclusive quando surgem movimentos parareligiosos (BERGIER, 1981). A ufologia é visivelmente um movimento “pararreligioso”. 

Contra suas acepções não há desculpas perdoáveis. Até nisto a ufologia se assemelha a um movimento religioso. Somente uma espécie de “casta cientificamente privilegiada” surgiu com o passar do tempo, em reação contrária à credulidade em torno do tema. Os autointitulados e orgulhosos Céticos. De todo lamentável que a própria ufologia tenha contribuído não apenas para o surgimento de pessoas cujo ceticismo seja absolutamente necessário, indispensável. Mas criou seus monstros destruidores, ao menos em sua ofendida visão. Na realidade o ceticismo é postura científica, diante de experimentos, no enfrentamento de hipóteses, na constituição do raciocínio metodológico. Mas que se tornou o monstro contrário à visão enviesada da qual a ufologia não abre mão – a nave extraterrestre como “indiscutível”, “irrefutável” causa dos fenômenos.

Hoje ser chamado de cético é ser confundido inexoravelmente com alguém geralmente dotado de formação científica, que vive para estudar e para combater fenômenos anômalos, na expressão bem moderna adotada para campos comprometidos no meio acadêmico, tal como a parapsicologia e a ufologia. Quando na verdade, para qualquer estudo ou experimento, o ceticismo é virtude. Sem a qual nenhuma ciência se faz. O ceticismo é o fiel da balança entre o pensamento científico e a tendenciosidade das ideias sobrenaturais. Ele retrata uma das frases feitas mais conhecidas em debates estabelecidos emtre céticos e crédulos - “Eu quero muito ter o espírito aberto, mas não ao ponto de ter um buraco na cabeça”. Ditos esses adaptados e  atribuídos ao falecido prestidigitador James Randi (PRACONAL, 2004).

A ojeriza que a ufologia tem pelo termo ceticismo é tão arraigada, que até ufólogos que se consideram da “linha científica” alardeiam que “não somos céticos!”. O que implica dizer que são crédulos. Tão crédulos quanto os da linha chamada “mística”, ou “holística” que na verdade é puramente místico-religiosa, por pregar que ciência e fé religiosa possam se misturar, ao invés de conviver. A ufologia tem agido como verdadeira religião, ou uma seita mundial baseada na crença em detrimento do raciocínio científico. Isto tem implicações inegáveis: “A ciência considera o ceticismo profundo uma virtude essencial. A religião frequentemente o vê como um obstáculo à iluminação” (SAGAN, 1998).

Céticos cometem pecados imperdoáveis ao apresentarem hipóteses alternativas para a crença generalizada de que o fenômeno seja necessariamente extraterrestre. A pena é, no mínimo, um ataque pessoal em redes sociais sem qualquer critério no uso de palavras ou no cometimento de injúria. Ufólogos o fazem sem constrangimento ao afirmarem que a origem extraterrestre está provada. Isto foi expressamente afirmado em pleno Senado Federal por um ufólogo notoriamente formado em boa técnica. Ufólogos rechaçam o ceticismo em favor do que consideram virtuoso, qual seja, a crença que não admite ideias contrárias ou contrapontos tão úteis a uma boa análise de casos ou de pensamentos. John Selden, advogado que viveu no Século XVII, enfatizou que um cético nunca declararia ter encontrado uma verdade, mas atuaria em favor da liberdade de investigação, único caminho que pode levar ao santuário da verdade, em qualquer tipo de estudo (BURKE, 2003).

Na trilha das reflexões de SAGAN (1997), cientistas não pregam sobre um conhecimento completo ou a verdade. Mas há ufólogos que chegam a produzir vários livros orgulhosos de empregarem a palavra verdade em seus títulos de pouco conteúdo. 

Dentre várias hipóteses, apelidadas eficazes, a que permanecer convincente tem probabilidade de ser a correta. O difícil seria como colocar dentre as hipóteses plausíveis que uma nave pilotada por seres de fora possa ter viajado até aqui. Todavia têm sido encontradas explicações mais convincentes do que essa fascinante causa que no final das contas é simplesmente insondável. Pelo menos até agora.

A postura cética é característica do raciocínio científico. Ela tem os braços dados com o espírito de isenção o mais possível. Dirigindo seus ensinamentos às pseudociências – a ufologia é a que mais se destaca atualmente – SAGAN (1997) alerta que “Devemos tentar não ficar demasiado ligados a uma hipótese, só por ser a nossa”.

Com maior ênfase, a ciência quer saber mais; os místicos querem manter o mistério (DAWKINS, 2007). No conhecimento inesgotável da ciência, conforme declarou Herbert Spencer, sempre haverá além a ser descoberto (GARDNER, 2002).

Um mito sagrado

O estudo dos UFOs ou UAPs já construiu um mito. Essa construção sim é que é moderna, com a erupção da própria ufologia. Porque o fenômeno é tipicamente mitológico, apesar de os ufólogos se alegrarem por se julgarem descobridores, ou defensores, de uma hipótese por si mesmo heroica. Poucos no entanto se dão ao trabalho de desconfiar de que em todos os sistemas mitológicas, como em todas as religiões, as mesmas imagens, os mesmos temas aparecem constantemente (CAMPBELL, 1997). Tudo conforme mostrou Adolf Bastian, antropólogo alemão, que a isto chamou de “ideias elementares”.

A maior prova disto são as coincidências de características nas esculturas, nas pinturas, de diferentes povos através dos tempos. Aqui também equivocando-se a ufologia (em sua vertente apelidada ufoarqueologia), quando se deslumbra com a representação antiga de astronautas e outros detalhes culturais. Existem esculturas, utensílios, objetos de cultos religiosos etc, contendo detalhes absolutamente idênticos, em imagem e na própria história que tentam ilustrar. Essas coincidências ocorrem em partes do mundo extremamente distantes.  

CAMPBELL (1997) exemplifica rapidamente, mencionando peças micenianas com detalhes de sepultamento idênticos aos de uma escultura chinesa. Páginas do Mahabharata narrando carros de guerreiros na Índia, idênticos ao carro de Tutancâmon representado em artes de 1340 a.C. Nem é preciso relembrar aqui a estatueta pré-histórica da voluptuosa Vênus de Willendorf, de formas e entalhes iguais a outras achadas em escavações de diversas regiões do globo. Veja-se CAMPBELL: “Eis o que se chama de difusão a partir de um centro criativo; uma ideia nova se espalha e leva consigo as divindades e os símbolos de energia a ela associados”.

Por consequência, esses aspectos materiais se transferem para o campo das ideias, para a filosofia, no que o mesmo autor lembra chamar-se “filosofia perene”. A mitologia alimenta a filosofia com as ideias recorrentes que se incorporam a esta. Leve-se também em conta que representações primárias, elementares, em esculturas e desenhos antigos, advêm da própria natureza do cérebro humano, atuando a partir de seus sistemas de vida e de sobrevivência, envolvendo desejos e necessidades. Agindo tudo isto como padrões a gerar figuras iguais em povos que jamais tiveram contato entre si.

Existem padrões na Humanidade, seja de visão, de sensações outras, de interpretação, da própria sensibilidade intelectual ou artística. A espécie humana contém padrões até na música e, claro, na religião e na construção dos mitos. Comportamentos culturais gerais podem até ser herdados (ALPER, 2008). 

A luta pela ideia e o exército dos contatados

A concepção do autor do presente trabalho é a de que o fenômeno tem sido provocado, produzido, pelos próprios ufólogos. Obviamente, nos termos aqui expostos. Os critérios não são científicos na busca do que consideram verdade. Na busca, não. Na certeza do que já consideram verdade, desde o perplexo início da ufologia. Para a maioria dos ufólogos, a verdade apresenta-se com um caráter irredutível, indefinível e indemonstrável (ANDRADE, 1970) pelo raciocínio legitimamente científico. O raciocínio tem regras e a ufologia não comunga delas.

Ao fazer questão da origem extraterrestre dos fenômenos anômalos ligados à ufologia, esta se comporta no mesmo patamar de outros fascinados pelo tema, os contatados. Estes são tão arautos de extraterrestres perante a Humanidade, quanto um grande número de ufólogos. As redes sociais vêm demonstrando isto, ainclusive quando ufólogos participam de “podcasts” ou de “lives”, em que não titubeiam enfrentar discussões com pessoas formadas em áreas científicas e filosóficas. O resultado é previsível. Diante de perguntas ou de trato específico de algum desses campos científicos, comportam-se exatamente como os contatados. Tentando escapar ou oferecendo respostas totalmente errôneas. Os contatados, estes que jamais apresentaram qualquer evidência de seus colóquios com imaginários seres extraterrestres, são ainda mais escapistas ou simplesmente se recusam ao debate. Muito menos a se submeterem a análises ou testes. 

Mais desagradável ainda para quem estuda tais temas, é quando testemunhas, principalmente de casos famosos, comportam-se como estrelas ao ponto de não admitirem qualquer ilação que fuja à hipótese do ser extraterrestre. Em tempos recentes uma testemunha de rumoroso caso deu ares disto, diante do comentário em uma reportagem de TV, feito por um jornalista que sempre gozou do maior respeito por parte da Ufologia, porque sempre por sua vez a respeitou. Ao dizer o jornalista que em sua opinião a testemunha avistara uma pessoa, ao invés de um extraterrestre, a testemunha com um sorriso amarelo misto de arrogância e ar de superioridade, disse à reportagem que iria processar o jornalista. É inacreditável, mas correu.

Quando ufólogos se confundem com contatados, por vezes tentando se transformar também em testemunhas (tema para outra oportunidade), devem perceber que os contatados contribuem para a queda de credibilidade do tema (THOMPSON, 1993). Todo crédulo é incapaz de distinguir a verdade do que gostaria que fosse (DAWKINS, 2007).

Separar a credulidade do método científico é imprescindível. A História e a Ciência registram notáveis casos de grandes pensadores e pesquisadores que o lograram, a exemplo de Darwin, que concluiu contrariamente à sua fé (SAGAN, 1997).

Deve-se porém tomar o mesmo cuidado de Randi, de não deixar que seja aberto um buraco no cérebro, na adoção de hipóteses tão inconsistentes como a extraterrestre, a exemplo de criaturas similares à avistada no Caso Varginha nos estudos de Whitley Strieber ou a demônios da Idade Média (SAGAN, 1997). 

Dogma na ufologia

O que se faz hoje é a constituição de um típico dogma.

O dogma tem uma função orgânica e uma função social. Como sustentáculo de uma ideia, não admite interpretações, contestações nem mesmo possibilidade de ser substituído por outro resultado da reflexão. Então ele significa uma crença firmada pela maioria das pessoas, simbolizando uma realidade aceita por este consenso (FROMM, 1967). Por causa do dogma, estudiosos da área ufológica chegam ao cúmulo de inverter o que se considera como ônus da prova. Enviesam ainda mais seu raciocínio, ao declararem, como é comum, que jamais encontraram qualquer evidência de que o fenômeno não seja extraterrestre. Ou alguma prova de que o processo de acobertamento por Forças Armadas não exista. Tudo à maneira do pensamento juvenil de que, se alguém diz que algo não exista, então que prove não existir. Risível, não fosse de lamentar.

Dom Quixote achou que seus gigantes até podiam estar sendo transformados em moinhos de vento por algum feiticeiro, que não tinha poderes para lhe retirar a coragem e a determinação de continuar em sua aventura (CAMPBELL, 2002). A fábula ilustra a conhecida e errada compreensão do que deva ser provado. Contudo alguns vivem sob o alento de fazer afirmações sem que, no final das contas, possam ser refutadas. Porque também é impossível provar que algo não exista, se não se consegue refutá-lo (SAGAN, 1997). É preciso duvidar de tudo (FROMM, 1967). Ou seja, a ufologia necessita adotar o refrão latino omnibus est dubitandum.

O dogma representa o pensamento ufológico reinante. A ufologia, até sob esse aspecto, é uma religião.

Visão paranoide na pareidolia

A ufologia age com monomania, como se tivesse apenas uma ideia, fixa, imutável e sustentadora de tudo. Quando foi escrito em uma epígrafe que “triste não é ter de mudar de ideia. Triste é não ter ideia para mudar” (REIS & RODRIGUES, 2010), pensava-se na lastimável condição que teoricamente assola algumas mentes na ufologia. Para quem até óbvias imagens de pareidolia parecem ruínas, instalações e até formas de fungos ou parasitárias.


Esse tipo de ilusão geralmente pertence a quem trilha por um tipo de pensamento que o faz adaptar tudo o que vê e percebe. Tais como formações de nuvens, desenhos disformes em superfícies de cimento e pinturas aleatórias em ladrilhos ou superfícies enferrujadas de outros planetas.

O argumento basilar desse tipo de entendimento é o de que a natureza não gera formas perfeitas, simétricas. Se estas são descobertas é porque são artificiais, foram geradas por alguma inteligência. Outro engano. 

Formas aparentemente simétricas, extremamente diversas e variadas são sim esculpidas pela natureza, com o que Rupelt Sheldrake chamou de “campos morfogenéticos”. A amostragem é farta, abrangendo partículas, cristais, moléculas, células, plantas, árvores (PRACONAL, 2004). Bem como formações geológicas, dentre elas as trabalhadas pelo vento e pela chuva. O fato é que, em termos de pareidolia, o cérebro humano tende a identificar formas no que geralmente é à primeira vista disforme. A pareidolia faz com que o cérebro transforme objetos e pessoas, com padrões de comparação. 

É assim, antes de tudo, um fenômeno psicológico, de tendência normal (GIL, 2024). Haja vista o muito praticado Teste de Rorschach, quando o paciente é levado a interpretar manchas e tinta em dez lâminas, com uma delas gerada por um papel dobrado ao meio. Serve para psicodiagnóstico no método desenvolvido pelo psicanalista Hermann Rorschach. Quem na ufologia não se lembra do rosto na montanha de Marte, como uma gigantesca cabeça de esfinge olhando para cima, na região batizada de Cydonia Mensae? O problema é quando a pessoa passa por muito tempo dedicando-se à descoberta de formas aparentemente artificiais, praticando a pareidolia. Se os resultados começam a ser constantes, recorrentes, teoricamente seria até aconselhável procurar um neurologista.

Estas acepções fazem parte da ufologia. Torna-se a cada dia mais difícil separar o que seja uma tentativa isenta de estudo, de um completo conteúdo de fé, de inegável identidade com a postura religiosa, tal como antes comentado. Se na ciência há pesquisadores que, eventualmente, tomam posições absurdas, em áreas como a ufologia isto é ainda mais evidente. Ou melhor, é um campo bem mais profícuo à atuação de autointilados pesquisadores que, assumindo posições enganosas, não podem mais retroceder (KOLOSIMO, 1972). 

É o que se pode considerar como uma tentação da transcendência, que a bem da verdade assola filósofos, pensadores e crentes que não conseguem evitá-la (GARDNER, 2002).


Referências Bibliográficas


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Artigo de Carola Gil, La Nacion, 18/09/2024 .