quarta-feira, 25 de junho de 2025

Era sucata ou uma nave alienígena?

  O Exército pediu que um laboratório de defesa de elite investigasse

Os crédulos do Pentágono exploraram as fronteiras da ciência, de espiões psíquicos a teletransporte e material antigravitacional.



O homem do Pentágono reuniu os principais executivos de tecnologia das seis maiores empreiteiras de defesa em 2022 para fazer uma pergunta incomum: Alguma de suas empresas já teve acesso à tecnologia alienígena?

“Meu trabalho ficaria mais fácil se um de vocês confessasse, me entregasse o OVNI ou me ajudasse a encontrá-lo”, disse Sean Kirkpatrick, que havia sido designado pelo Departamento de Defesa para investigar se Washington já teve um programa alienígena secreto.

O comentário foi feito em tom meio de brincadeira, mas para uma empresa, a Lockheed Martin, a resposta era... complicada.

O laboratório Skunk Works da Lockheed — uma instalação lendária conhecida por seu trabalho em alguns dos projetos mais secretos do país — tinha, de fato, acabado de testar e tentado replicar um pedaço de metal que teria sido coletado de um OVNI que caíra nos arredores de Roswell, Novo México. O Exército dos EUA queria saber se poderia usar o material para construir veículos que quebrassem as regras convencionais da gravidade.

Alerta de spoiler: a ideia não decolou. Mas a história não contada por trás do metal espacial falso acabou se revelando quase tão estranha quanto a ficção científica sobre OVNIs. O metal percorreu uma jornada de três décadas, de uma lenda marginal alimentada por uma personalidade do rádio para as mãos de um astro do rock dos anos 90 e, finalmente, para o laboratório de testes de elite de uma importante empreiteira de defesa.

Este foi apenas um de uma série de episódios que a equipe de Kirkpatrick descobriu enquanto investigava alegações de que Washington estava escondendo o que sabia sobre um programa secreto para fazer engenharia reversa de naves extraterrestres que caíram.

Ao longo do caminho, a investigação de Kirkpatrick o colocou em contato com um grupo crescente de crédulos em OVNIs do Pentágono. Entre eles, homens cujas carreiras os levaram a lugares não convencionais nos confins da comunidade de inteligência americana, onde exploraram os possíveis usos de poderes psíquicos e teletransporte em guerras — sem mencionar os lobisomens. As supostas evidências que sustentavam as teorias dos denunciantes pareceram desaparecer assim que Kirkpatrick se aproximou delas.

Quando o inquérito de Kirkpatrick foi concluído — culminando em um relatório do Departamento de Defesa no ano passado que concluiu que as alegações de um encobrimento do governo eram infundadas — suas testemunhas o viam também como parte do vasto acobertamento dos OVNIs.

Em um comunicado, a porta-voz do Pentágono, Sue Gough, afirmou que a investigação “não descobriu nenhuma informação verificável que sustente alegações de que programas relacionados à posse ou engenharia reversa de materiais extraterrestres tenham existido no passado ou existem atualmente” e “determinou que alegações envolvendo pessoas específicas, locais conhecidos, testes tecnológicos e documentos’ que afirmem o contrário “são imprecisas”.

Este relato se baseia em entrevistas com duas dúzias de autoridades, cientistas e contratados militares americanos, atuais e antigos, envolvidos na investigação, bem como em milhares de páginas de documentos, e-mails, mensagens de texto e gravações.

Os fragmentos de Art

Em 1996, Art Bell, um apresentador de rádio de fim de noite cujo programa sobre o paranormal era um dos mais populares do país, recebeu um pacote misterioso pelo correio. Continha fragmentos de metal de um ouvinte anônimo que escreveu que seu avô os havia coletado como parte de uma equipe militar de resgate de recuperação de quedas em Roswell.

Roswell há muito tempo é um marco na cultura ufológica. Em 1947, o Exército anunciou ter recuperado os restos de um disco voador perto de uma base de lá. Embora o governo tenha revelado que se tratava, na verdade, de um balão espião americano, não houve como convencer muitos entusiastas de OVNIs de que os militares não estavam em posse de tecnologia alienígena.

“Eles são de metal, estão carbonizados, muito carbonizados, por fora, seja resultado da reentrada ou entrada na atmosfera, e do calor resultante, ou de uma queda. Eu não teria como saber”, disse Bell no programa, antes de passar a discutir avistamentos de uma criatura mítica conhecida como chupa-cabra, que supostamente suga o sangue de cabras.

Mais de uma década depois, dois cientistas que haviam trabalhado com o Pentágono ajudaram a executar um programa de pesquisa que examinava as possibilidades da tecnologia alienígena e exploraram “metamateriais”, um tipo de substância sintética. O programa publicou pesquisas especulando que os metamateriais poderiam conferir às aeronaves poderes exóticos, como a invisibilidade.



Art Bell descreveu em seu programa de rádio o pacote misterioso que recebeu de um ouvinte

Será que a amostra de Bell seria uma prova do conceito?

Um grupo fundado por Tom DeLonge, vocalista da banda pop-punk Blink-182, acreditava que sim. O grupo, chamado To The Stars, comprou os fragmentos de metal de um ufólogo em 2019 por 35 mil dólares para testar essa possibilidade.

Naquela época, o To The Stars já havia reunido um grupo de pesos pesados, incluindo os dois cientistas e um ex-funcionário do Pentágono. O ex-funcionário, Luis Elizondo, juntou-se ao grupo após deixar o Departamento de Defesa e tornar pública a alegação de que ele havia ajudado a administrar um programa do governo que lidava com OVNIs.

Um dos cientistas, Hal Puthoff, virou vice-presidente do grupo. O outro, Eric Davis, que também virou conselheiro do grupo, disse ao New York Times em 2020 que os testes da amostra revelaram que ela não era da Terra. “Nós não conseguiríamos fabricá-la”, disse ele ao Times.

O To The Stars argumentou com o Exército que a replicação desse material poderia desbloquear sistemas de armas futuristas. O Exército logo assinou um acordo para testar o metal quanto a potenciais propriedades antigravitacionais e de camuflagem.

Lasers espaciais

Descobriu-se que Davis, um astrofísico, foi a fonte de muitos dos relatos das testemunhas de Kirkpatrick. Davis era um personagem histórico na história dos OVNIs e passou mais de 20 anos investigando ideias para os militares que a maioria consideraria incompreensíveis, incluindo teletransporte, dispositivos antigravitacionais e a possibilidade de viagens espaciais interestelares usando buracos de minhoca.

Durante anos, Davis, agora com 64 anos, fez parte de um pequeno grupo de especialistas em defesa que alegavam ter conhecimento de um programa ultrassecreto na Skunk Works, da Lockheed, para acumular tecnologia extraterrestre que um dia poderia ser convertida em armas temíveis. Suas alegações ganharam credibilidade em parte devido à natureza isolada do sistema de segurança nacional dos EUA, o que pode tornar quase impossível, mesmo para pessoas de dentro, determinar a verdade sobre alguns dos programas mais secretos do país.

Quando Davis foi conversar com Kirkpatrick, ele disse que sabia tanto sobre um programa alienígena dos EUA quanto sobre um similar de Moscou. Membros da CIA, no final dos anos 2000, haviam lhe pedido para investigar um OVNI que caiu décadas antes na Rússia, ele contou à equipe de Kirkpatrick. Segundo Davis, Moscou estaria realizando engenharia reversa em um sistema de laser extraído da nave, um sistema que poderia ameaçar os ativos espaciais dos EUA.

A CIA informou à equipe de Kirkpatrick que não tinha registro de Davis ter sido incumbido de tal tarefa. Mas os investigadores descobriram outra informação surpreendente: a informação que Davis tinha era de um programa russo de laser real e secreto. A equipe de Kirkpatrick determinou que a parte da história envolvendo OVNIs era, provavelmente, desinformação russa criada para despistar os Estados Unidos — não muito diferente dos próprios mitos da Força Aérea sobre a Área 51.

Instituto Arlington

Puthoff, que também tinha um longo histórico com programas exóticos dos EUA — tendo criado um para a CIA na década de 1970 para ter espiões psíquicos lutando contra a União Soviética — contou à equipe de Kirkpatrick sobre outro incidente misterioso que alimentou a crença em OVNIs.

Ele disse ter sido convidado para um painel em 2004 em Arlington, Virgínia, do tipo que o governo costuma financiar discretamente por meio de laboratórios de ideias para apresentar novos conceitos. Este, Puthoff disse ter sido informado, foi patrocinado pela Casa Branca e recebeu uma mensagem muito específica: ajudar o presidente a decidir se ele deveria ou não finalmente revelar a existência de um programa de recuperação de quedas e avaliar a possível reviravolta que a revelação provocaria. Qual seria o efeito no mercado de ações? Na religião? As empresas aeroespaciais processariam o governo até falir ao descobrirem que seus rivais haviam tido acesso à tecnologia alienígena décadas atrás?

“Somamos todos os números e dissemos: ‘de jeito nenhum’, não vamos conseguir ligar com o desacobertamento”, disse Puthoff em uma entrevista. A equipe de Kirkpatrick investigou se a Casa Branca realmente patrocinou tal evento. O diretor executivo do laboratório de ideias que sediou a discussão, John Petersen, disse a Kirkpatrick que um ex-funcionário de alto escalão do Pentágono o havia notificado de que o presidente George W. Bush estava se preparando para tornar públicos todos os segredos sobre alienígenas mantidos pelo governo.

“Disseram-me que era real, que estava acontecendo”, disse Petersen em uma entrevista. Mas, meses depois, quando Petersen perguntou ao ex-funcionário sobre a verdade monumental prestes a ser revelada, a resposta foi: “Eu nem sei do que você está falando.”

O chefe de gabinete de Bush na época disse a Kirkpatrick que ele não sabia sobre o painel ou qualquer plano semelhante para revelar segredos alienígenas. Tanto Kirkpatrick quanto Petersen acabaram com a única explicação que conseguiram pensar: o Instituto Arlington e os integrantes do painel haviam sido enganados. O motivo permanece um mistério.

O cofre

O ex-funcionário do Pentágono que se juntou ao To The Stars, Elizondo, também tinha experiência com alguns dos programas mais estranhos do Pentágono.

O veterano de combate e especialista em contrainteligência esteve envolvido em um projeto de 22 milhões de dólares, defendido pelo falecido senador Harry Reid, que levantava hipóteses sobre tecnologia que poderia ser usada por alienígenas. O programa também investigou supostos avistamentos de orbes brilhantes, visitantes interdimensionais e criaturas bípedes semelhantes a lobos que, supostamente, estariam ocorrendo em um rancho remoto no nordeste de Utah. Em 2017, ele deixou o Departamento de Defesa e disse em uma carta de demissão que “mentalidades inflexíveis” estavam fazendo com que o Pentágono possivelmente ignorasse “uma ameaça existencial à nossa segurança nacional”.

Foi Elizondo quem forneceu uma das pistas mais instigantes de Kirkpatrick. Tatuado e musculoso como o segurança que ele já foi em um bar de Miami, Elizondo disse a Kirkpatrick que estava preparado para compartilhar com ele o que sabia sobre um programa secreto do governo que havia coletado “materiais biológicos” extraterrestres. Ele disse ter provas concretas das descobertas de OVNIs que havia coletado para o Pentágono — informações que ele se recusou a tornar públicas alegando segurança nacional.

“Onde podemos encontrar mais informações sobre isso?”, perguntou Kirkpatrick.

Há um cofre no meu antigo escritório que contém todos os arquivos em um disco rígido, respondeu Elizondo. Um ex-colega do Pentágono havia acabado de confirmar, alguns dias antes, que o dispositivo ainda estava lá, disse ele.

Horas depois de ouvir as evidências de Elizondo, agentes do FBI e da unidade de investigações da Força Aérea cercaram o escritório e se reuniram com uma furadeira para arrombar o cofre. Ao se aproximarem, perceberam que a gaveta não estava trancada. Ao abri-la, encontraram outra surpresa: estava vazia.

Kirkpatrick entrou em contato com o ex-chefe de Elizondo no gabinete do Subsecretário de Defesa para Inteligência, que também parecia ter pouco a compartilhar. O funcionário disse nunca ter ouvido falar de nenhum projeto alienígena durante os anos em que trabalharam juntos.

Nas semanas que antecederam sua renúncia em outubro de 2017, Elizondo enviou uma série de e-mails que posteriormente utilizou para fundamentar sua história.

“Não posso deixar de ressaltar o quão importante acredito que seja essa pasta para a nossa Segurança Nacional coletiva”, escreveu Elizondo em um deles, pedindo apoio para o projeto não identificado.

O ex-chefe respondeu: “Em algum momento, preciso saber o que isso realmente é”. Em outro, enviado dez dias antes de sua saída, Elizondo anexou um breve memorando que fazia referência a ameaças de drones. Os e-mails foram posteriormente divulgados pelo Pentágono em resposta a solicitações de registros públicos.

Elizondo disse a outro supervisor, após sua renúncia, que não o havia informado sobre o projeto porque era muito secreto e estava sendo orientado pelo próprio Secretário de Defesa.

Em um e-mail, Elizondo informou ao Wall Street Journal que havia informado o supervisor. Ele disse que se reuniu com os investigadores por várias horas e forneceu informações sobre os esforços históricos do governo dos EUA em relação a fenômenos anômalos não identificados.

A porta-voz do Pentágono disse que Elizondo não tinha responsabilidades atribuídas ao programa de OVNIs no qual alegava ter trabalhado.

Enquanto isso, os investigadores de Kirkpatrick continuaram na busca pelo metal. Eles descobriram que o Exército o havia enviado para possível replicação na Skunk Works da Lockheed Martin — o mesmo local que uma série de testemunhas havia dito estar tentando fazer engenharia reversa em naves alienígenas.

O mito de que o governo tinha um programa secreto para explorar tecnologia extraterrestre parecia ter se transformado em algo próximo da realidade.

A equipe de Kirkpatrick adquiriu o metal e o enviou para outra rodada de testes no Laboratório Nacional de Oak Ridge, uma das principais instalações de pesquisa do Departamento de Energia. Os cientistas de lá determinaram que a liga não é do espaço sideral e não possui propriedades antigravitacionais. A equipe de Kirkpatrick descobriu que provavelmente se tratava de um teste de fabricação de uma peça de aeronave ou de um armamento, como um invólucro de míssil, feito durante a Segunda Guerra Mundial.

A Lockheed se recusou a comentar e encaminhou as perguntas ao Exército.

Nave do tamanho de um campo de futebol

A relação de Kirkpatrick com a comunidade ufológica logo se tornou controversa.

Em abril de 2023, Kirkpatrick atualizou publicamente os legisladores: ele “não havia encontrado nenhuma evidência confiável até o momento de atividade extraterrestre, tecnologia extraterrestre ou objetos que desafiassem as leis conhecidas da física.”

Alguns meses depois, um ex-oficial de inteligência da Força Aérea, David Grusch, afirmou publicamente que o governo possuía naves espaciais do tamanho de um campo de futebol e criticou Kirkpatrick. “Ele deveria conseguir fazer as mesmas descobertas investigativas que eu”, disse Grusch em uma entrevista na televisão.

Após as alegações, Kirkpatrick entrou em contato com um amigo de Grusch para ver se ele conversaria. O amigo disse que Grusch estava relutante porque acreditava que o próprio Kirkpatrick poderia ser alvo de uma investigação criminal pelo suposto acobertamento. Em vez disso, Grusch compareceu ao Congresso e à mídia, acusando o governo de retaliar contra denunciantes em seus órgãos.

Desde então, Grusch passou a trabalhar como assessor do deputado Eric Burlison (Republicano do Missouri), membro da bancada da Câmara sobre fenômenos anômalos não identificados, ou UAPs, e nessa função se reuniu recentemente com o sucessor de Kirkpatrick na investigação.

As ameaças contra Kirkpatrick começaram a aumentar. Autoridades de segurança do Pentágono o notificaram de que pessoas estavam postando seus endereços e de familiares em fóruns de ufologia na internet. Vários meses antes, um homem havia dirigido centenas de quilômetros até a casa de campo de Kirkpatrick no topo de uma montanha e esperou a noite toda antes de ser enxotado pelos vizinhos. O Pentágono concedeu a Kirkpatrick um nível de segurança normalmente reservado a alguns altos funcionários, incluindo o Secretário de Defesa.

Em novembro de 2023, Kirkpatrick anunciou sua aposentadoria. Em um ensaio na revista Scientific American, dois meses depois, ele escreveu que a narrativa fornecida pelos ex-funcionários “é um exemplo clássico de relatos reciclados, com cada pessoa relatando o que ouviu, mas a informação muitas vezes, por fim, tendo origem do mesmo pequeno grupo de indivíduos.”

No dia seguinte, Elizondo escreveu em uma aparente referência indireta a Kirkpatrick nas redes sociais: “Deixei meu emprego em protesto, outros saem por vergonha.”

Em particular, Elizondo enviou uma série de mensagens de texto a Kirkpatrick, levantando a possibilidade de ação legal e acusando o escritório do cientista de conspirar com um repórter do New York Post, Steven Greenstreet, que havia escrito críticas sobre os ex-funcionários com alegações de OVNIs. “As pessoas estão ficando agitadas”, escreveu ele. “Se isso chegar ao Departamento de Defesa ou ao Congresso, sua reputação será um lixo.”

Após a eleição de Trump, Elizondo levou sua mensagem de volta a Washington.

“Tecnologias avançadas não fabricadas pelo nosso governo, ou por qualquer outro governo, estão monitorando instalações militares sensíveis ao redor do mundo”, disse ele em uma audiência no Congresso em novembro.

Em janeiro, ele conseguiu uma audiência com o filho do novo presidente, Donald Trump Jr., que dedicou um episódio de seu podcast ao tema de um acobertamento de alienígenas pelo governo. “Parece que há evidências de inteligência não-humana por aí interagindo com o nosso planeta”, afirmou Trump.

“Seu pai vai entrar para a história como aquele que realmente trouxe verdade e transparência a este assunto”, disse Elizondo. “Ou eles irão barrá-lo completamente.”

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https://www.wsj.com/politics/national-security/pentagon-ufo-investigation-lockheed-martin-1bac3d41


quarta-feira, 11 de junho de 2025

A Desinformação do Pentágono que Alimentava a Mitologia Americana dos OVNIs

 

As Forças Armadas dos EUA fabricaram evidências de tecnologia alienígena e permitiram que rumores se alastrassem para acobertar programas secretos de armas reais.

Um pequeno escritório do Pentágono havia passado meses investigando teorias da conspiração sobre programas secretos de OVNIs, em Washington, quando descobriu uma verdade chocante: pelo menos uma dessas teorias havia sido alimentada pelo próprio Pentágono.

A investigação ordenada pelo Congresso levou os investigadores de volta à década de 1980, quando um coronel da Força Aérea visitou um bar próximo à Área 51, um local ultrassecreto no deserto de Nevada. Ele deu ao proprietário fotos do que poderiam ser discos voadores. As fotos foram penduradas nas paredes e, no folclore local, surgiu a ideia de que as Forças Armadas dos EUA estavam testando secretamente tecnologia alienígena recuperada.

Mas o coronel estava em uma missão — de desinformação. As fotos foram adulteradas, confessou o agora aposentado oficial aos investigadores do Pentágono em 2023. Todo o exercício foi um estratagema para proteger o que realmente estava acontecendo na Área 51: a Força Aérea estava usando o local para desenvolver caças furtivos ultrassecretos, vistos como uma vantagem crucial contra a União Soviética. Os líderes militares temiam que os programas pudessem ser expostos se os moradores locais, de alguma forma, vislumbrassem um voo de teste, digamos, do caça furtivo F-117, uma aeronave que realmente parecia de outro mundo. Melhor que acreditassem que veio de Andrômeda.

Este episódio, relatado agora pela primeira vez, foi apenas uma de uma série de descobertas que a equipe do Pentágono fez ao investigar décadas de alegações de que Washington estava escondendo o que sabia sobre vida extraterrestre. Esse esforço culminou em um relatório, divulgado no ano passado pelo Departamento de Defesa, que concluiu que as alegações de um encobrimento do governo eram infundadas.

Na verdade, uma investigação do Wall Street Journal revela que o próprio relatório equivalia a um encobrimento — mas não da maneira como a indústria da conspiração sobre OVNIs quer que as pessoas acreditem. A declaração pública omitiu a verdade por trás de alguns dos mitos fundamentais sobre os OVNIs: o próprio Pentágono, por vezes, deliberadamente atiçou as chamas, o que equivalia ao governo dos EUA direcionar desinformação aos seus próprios cidadãos.

Ao mesmo tempo, a própria natureza das operações do Pentágono — uma burocracia opaca que mantinha programas secretos embutidos dentro de programas secretos, disfarçados de histórias de fachada — criou um terreno fértil para a disseminação dos mitos.

Essas descobertas representam uma nova reviravolta impressionante na história da obsessão cultural dos Estados Unidos por OVNIs. Nas décadas seguintes à transmissão de rádio de “A Guerra dos Mundos”, de H. G. Wells, em 1938, que espalhou o pânico por todo o país, as especulações sobre visitantes alienígenas permaneceram, em grande parte, domínio de tabloides de supermercado, sucessos de bilheteria de Hollywood e conferências fantasiadas em Las Vegas.

Mais recentemente, as coisas tomaram um rumo sinistro quando um grupo de ex-funcionários do Pentágono tornou públicas as alegações de um programa do governo para explorar tecnologia extraterrestre e escondê-la dos americanos. Essas alegações levaram à investigação do Pentágono.

Agora, surgem evidências de que os esforços do governo para propagar a mitologia dos OVNIs remontam à década de 1950.



A “Rodovia Extraterrestre”, perto da Área 51, vista à noite

Este relato é baseado em entrevistas com duas dúzias de autoridades americanas atuais e antigas, cientistas e empreiteiros militares envolvidos na investigação, bem como em milhares de páginas de documentos, gravações, e-mails e mensagens de texto.

Às vezes, como no caso da fraude envolvendo a Área 51, oficiais militares espalharam documentos falsos para criar uma cortina de fumaça para programas reais de armas secretas. Em outros casos, oficiais permitiram que mitos sobre OVNIs se enraizassem no interesse da segurança nacional — por exemplo, para impedir que a União Soviética detectasse vulnerabilidades nos sistemas de proteção de instalações nucleares. As histórias tendiam a ganhar vida própria, como a da jornada de três décadas de um suposto pedaço de metal espacial que se revelou não ser nada disso. E uma prática recorrente era mais como um ritual de trote de fraternidade que saiu completamente do controle.

Os investigadores ainda estão tentando determinar se a disseminação de desinformação foi obra de comandantes e oficiais locais ou de um programa institucional mais centralizado.

O Pentágono omitiu fatos importantes na versão pública do relatório de 2024 que poderiam ter ajudado a dissipar alguns rumores sobre OVNIs, tanto para proteger segredos confidenciais quanto para evitar constrangimentos, segundo a investigação do Wall Street Journal. A Força Aérea, em particular, pressionou para omitir alguns detalhes que acreditava poderem comprometer programas secretos e prejudicar carreiras.

A falta de transparência apenas alimentou ainda mais as teorias da conspiração. Membros do Congresso formaram uma bancada, composta principalmente por republicanos, para examinar fenômenos anômalos não identificados, ou UAPs, na linguagem burocrática. A bancada exigiu que a comunidade de inteligência revelasse quais agências “estão envolvidas com programas de recuperação de UAPs acidentados”.

O ceticismo do movimento MAGA sobre o “estado profundo” alimenta ainda mais a noção de que os burocratas do governo têm ocultado esses segredos do povo americano. Em uma audiência em novembro de duas subcomissões de Supervisão da Câmara, a deputada Nancy Mace, republicana da Carolina do Sul, questionou o relatório do Pentágono. “Não sou matemática, mas posso dizer que os cálculos não conferem”, disse ela.



Um guarda na entrada do Campo de Testes e Treinamento de Nevada, perto da Área 51, em 2019

“Estúpido o suficiente”

Sean Kirkpatrick, um cientista preciso e de óculos que passou anos estudando vibrações em cristais de laser, estava se aproximando da aposentadoria do serviço público quando recebeu o chamado que mudaria sua vida.

Em 2022, ele havia alcançado o posto de cientista-chefe do Centro de Inteligência Espacial e de Mísseis no Arsenal de Redstone, perto de Huntsville, Alabama. Às 6h30 da manhã, sentado à sua mesa, tomando café e folheando relatórios de inteligência recebidos durante a noite, seu telefone de mesa Tandberg — basicamente uma versão confidencial de uma chamada de vídeo — tocou.

Era um subsecretário adjunto do Pentágono, que estava colocando uma gravata enquanto contava a Kirkpatrick sobre um novo escritório que o Congresso ordenou que o departamento criasse para examinar fenômenos anômalos não identificados. “O subsecretário e eu elaboramos uma lista de quem poderia fazer isso, e você está no topo”, relatou o funcionário, acrescentando que eles haviam escolhido Kirkpatrick porque ele tinha formação científica e havia criado meia dúzia de organizações dentro da comunidade de inteligência.

Será esse o verdadeiro motivo, respondeu Kirkpatrick, “ou sou o único estúpido o suficiente para aceitar?”

Em pouco tempo, Kirkpatrick colocou em funcionamento o Escritório de Resolução de Anomalias de Todos os Domínios. Apenas o mais recente de uma sopa de letrinhas de projetos governamentais especiais criados para estudar OVNIs que remontam a mais de meio século, o AARO, como é conhecido, operava em um escritório sem identificação perto do Pentágono, com algumas dezenas de funcionários e um orçamento confidencial.

A missão se dividia em duas áreas. Uma era coletar dados sobre avistamentos, particularmente em torno de instalações militares, e avaliar se eles poderiam ser explicados pela tecnologia terrestre. Em meio à crescente atenção pública, o número desses relatos disparou nos últimos anos, de 144 entre 2004 e 2021 para 757 nos 12 meses após maio de 2023. O AARO relacionou a maioria dos incidentes a balões, pássaros e à proliferação de drones que tomavam os céus.

Muitos relatos de pilotos sobre orbes flutuantes eram, na verdade, reflexos do Sol vindos dos satélites Starlink, descobriram os investigadores. Eles ainda estão examinando se alguns eventos inexplicáveis podem ser tecnologia estrangeira, como aeronaves chinesas usando métodos de camuflagem de última geração que distorcem a aparência delas.



Sean Kirkpatrick, o primeiro diretor do Escritório de Resolução de Anomalias em Todos os Domínios, aposentou-se em um retiro no topo de uma montanha

O escritório descobriu que alguns eventos aparentemente inexplicáveis não eram tão estranhos assim. Em um deles, um vídeo de 2015 parecia mostrar um objeto esférico passando zunindo por um caça a jato a uma velocidade quase impossível. “Minha nossa, cara”, pode-se ouvir o piloto dizendo no vídeo, rindo. Mas, posteriormente, os investigadores determinaram que não havia muito para ver — qualquer que fosse o objeto, o ângulo da câmera e a velocidade relativa do jato faziam com que ele parecesse estar voando muito mais rápido do que realmente estava.

A segunda missão do escritório provou ser mais peculiar: revisar os registros históricos que remontavam a 1945 para avaliar as alegações feitas por dezenas de ex-oficiais militares de que Washington operava um programa secreto para recuperar tecnologia alienígena. O Congresso concedeu ao escritório acesso sem precedentes aos programas mais sigilosos dos Estados Unidos para permitir que a equipe de Kirkpatrick investigasse as histórias.

À medida que Kirkpatrick prosseguia com a investigação, ele começou a descobrir uma sala de espelhos dentro do Pentágono, envolta em disfarces oficiais e não oficiais. Em certo nível, o sigilo era compreensível. Afinal, os EUA estavam travando uma batalha existencial com a União Soviética há décadas, com cada lado determinado a vencer na corrida por armas cada vez mais exóticas.

Mas Kirkpatrick logo descobriu que parte da obsessão com o sigilo beirava o ridículo. Um ex-oficial da Força Aérea ficou visivelmente aterrorizado ao contar aos investigadores de Kirkpatrick que havia sido informado sobre um projeto secreto de tecnologia alienígena décadas antes e que, se algum dia contasse o segredo, poderia ser preso ou executado. A alegação seria repetida aos investigadores por outros homens que nunca haviam falado sobre o assunto, mesmo com suas esposas.

Descobriu-se que as testemunhas haviam sido vítimas de um ritual bizarro de trote.

Durante décadas, certos novos comandantes dos programas mais secretos da Força Aérea, como parte de seus briefings de indução, recebiam uma folha de papel com uma foto do que parecia ser um disco voador. A nave era descrita como um veículo de manobra antigravitacional.



Um F-117 Nighthawk sobrevoa a cordilheira de Serra Nevada em 2002, perto da Base Aérea de Edwards, na Califórnia

Os oficiais foram informados de que o programa ao qual estavam se juntando, apelidado de Yankee Blue, fazia parte de um esforço para fazer engenharia reversa da tecnologia da nave. Foi dito a eles para nunca mais mencionarem o assunto. Muitos nunca souberam que era falso. Kirkpatrick descobriu que a prática havia começado décadas antes e parecia continuar até hoje. O gabinete do Secretário de Defesa enviou um memorando para as Forças Armadas na primavera de 2023 ordenando o fim imediato da prática, mas o estrago já estava feito.

Os investigadores ainda estão tentando determinar por que os oficiais enganaram subordinados, seja como algum tipo de teste de lealdade, uma tentativa mais deliberada de enganar ou algo mais.

Após essa descoberta em 2023, o assistente de Kirkpatrick informou a diretora de inteligência nacional do presidente Joe Biden, Avril Haines, que ficou perplexa.

Poderia ser essa a base para a crença persistente de que os EUA têm um programa alienígena que escondemos do povo americano? Haines queria saber, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto. “Qual era a extensão?”, ela perguntou.

O oficial respondeu: “Senhora, sabemos que isso durou décadas. Estamos falando de centenas e centenas de pessoas. Esses homens assinaram acordos de confidencialidade. Eles acharam que era real.”

A descoberta poderia ter sido devastadora para a Força Aérea. Esse braço das Forças Armadas era particularmente sensível às alegações de trote e solicitou que o AARO adiasse a inclusão da descoberta no relatório público, mesmo depois de Kirkpatrick ter informado os legisladores sobre o episódio. Kirkpatrick se aposentou antes que o relatório fosse concluído e divulgado.

Em um comunicado, uma porta-voz do Departamento de Defesa reconheceu que o AARO havia descoberto evidências de materiais falsos de programas confidenciais relacionados a extraterrestres e havia informado legisladores e oficiais de inteligência. A porta-voz, Sue Gough, disse que o departamento não incluiu essa informação em seu relatório do ano passado porque a investigação não foi concluída, mas espera fornecê-la em outro relatório agendado para o final deste ano.

“O departamento está comprometido em divulgar um segundo volume de seu Relatório de Registros Históricos, para incluir as conclusões do AARO sobre relatos de possíveis trotes e materiais inautênticos”, disse Gough.



Arte dramática com temática ufológica perto de Hiko, Nevada, nos arredores da Área 51

Um bunker em Montana

Kirkpatrick investigou outro mistério que remontava a 60 anos.

Em 1967, Robert Salas, agora com 84 anos, era capitão da Força Aérea sentado em um bunker do tamanho de um armário, controlando 10 mísseis nucleares em Montana.

Ele estava preparado para lançar ataques apocalípticos caso a Rússia Soviética atacasse primeiro, e recebeu um chamado por volta das 20h de uma noite, da guarita acima. Um objeto oval laranja-avermelhado brilhante pairava acima do portão da frente, Salas contou aos investigadores de Kirkpatrick. Os guardas estavam com seus rifles em punho, apontados para o objeto oval que parecia flutuar acima do portão. Uma sirene soou no bunker, sinalizando um problema com o sistema de controle: todos os 10 mísseis estavam desativados.

Salas logo soube que um evento semelhante havia ocorrido em outros silos próximos. Estariam eles sob ataque? Salas nunca obteve resposta. Na manhã seguinte, um helicóptero o aguardava para levá-lo de volta à base. Uma vez lá, recebeu a ordem: Jamais fale sobre o incidente.



Robert Salas, visto em casa em Ojai, Califórnia, acredita até hoje ter testemunhado uma intervenção do espaço sideral enquanto trabalhava em uma base de lançamento nuclear

Salas foi um dos cinco homens entrevistados pela equipe de Kirkpatrick que testemunharam tais eventos nas décadas de 1960 e 1970. Embora tivessem jurado segredo, os homens começaram a compartilhar suas histórias na década de 1990 em livros e documentários.

A equipe de Kirkpatrick investigou a história e descobriu uma explicação terrestre. As barreiras de concreto e aço que cercavam os mísseis nucleares americanos eram espessas o suficiente para lhes dar uma chance se fossem atingidos primeiro por um ataque soviético. Mas os cientistas da época temiam que a intensa tempestade de ondas eletromagnéticas gerada por uma detonação nuclear pudesse inutilizar o equipamento necessário para lançar um contra-ataque.

Modelo de um local de teste de pulso eletromagnético, mostrado em um documento do Pentágono de 1978.



Para testar essa vulnerabilidade, a Força Aérea desenvolveu um gerador eletromagnético exótico que simulava esse pulso de energia disruptiva sem a necessidade de detonar uma arma nuclear.

Quando ativado, esse dispositivo, colocado em uma plataforma portátil a 18 metros acima da instalação, acumulava energia até brilhar, às vezes com uma luz laranja ofuscante. Em seguida, disparava uma rajada de energia que poderia se assemelhar a um raio.

Um documento do Pentágono de 1973 mostra um close-up da parte do equipamento que dispara uma onda eletromagnética que pode parecer um raio durante o teste

Os pulsos eletromagnéticos serpenteavam por cabos conectados ao bunker onde comandantes de lançamento como Salas estavam sentados, interrompendo os sistemas de orientação, desativando as armas e assombrando os homens até hoje.

Mas qualquer vazamento público dos testes na época teria permitido à Rússia saber que o arsenal nuclear americano poderia ser desativado em um primeiro ataque. As testemunhas foram mantidas no escuro.

Até hoje, Salas acredita ter participado de uma intervenção intergaláctica para impedir uma guerra nuclear que o governo tentou esconder. Ele está parcialmente certo. A experiência deixou o octogenário profundamente cético em relação às Forças Armadas dos EUA e sua capacidade de dizer a verdade. “Há um gigantesco acobertamento, não apenas pela Força Aérea, mas por todas as outras agências federais que têm conhecimento deste assunto”, disse ele em entrevista ao Wall Street Journal. "Nunca fomos informados sobre as atividades que estavam acontecendo, a Força Aérea nos excluiu de qualquer informação.”

Ocultar a verdade de homens como Salas e esforços deliberados para atingir o público com desinformação desencadearam dentro dos corredores do próprio Pentágono uma força perigosa, que se tornaria quase imparável com o passar das décadas. A mitologia paranoica que as Forças Armadas dos EUA ajudaram a disseminar agora domina um número crescente de seus próprios oficiais superiores que se consideram crédulos.

A crise chegou ao ápice por causa de um pedaço de metal enviado a um apresentador de rádio em 1996, que, segundo o remetente, foi informado que fazia parte de uma nave espacial que caiu.

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https://www.wsj.com/politics/national-security/ufo-us-disinformation-45376f7e#selection-2649.4