Uma Palavra Sobre Os Vídeos De OVNIs

    

Sou astrofísica, mas isso não significa que tenho motivação para desmascará-los.

Katie Mack – Scientific American

Não vou desmascarar os vídeos de OVNIs tornados públicos pelo Pentágono recentemente.

Não é que eu acho que eles são realmente alienígenas. Nem acho que eles sejam inexplicáveis, ou que, obviamente, são uma coisa ou outra em particular. E embora os especialistas em comunicação científica debatam frequentemente a eficácia do desmascaramento como estratégia, essa também não é a fonte da minha relutância. É porque para uma astrofísica como eu, há pouquíssima motivação para fazer isso.

Você pode se surpreender com isso. Eu sou uma cientista! Eu quero saber como as coisas funcionam! Estou interessada em mistérios, e isso é um mistério sobre o espaço, certo?

Bem, não. Este é um conjunto de vídeos gravados por instrumentos em uma aeronave militar, mostrando objetos indistintos na atmosfera da Terra. A explicação real para eles quase certamente será algo bem fora da minha principal área de especialização, que inclui fenômenos cósmicos, como o comportamento da matéria escura nas galáxias e as condições extremas do universo primitivo. Embora eu esteja interessada em tecnologia e física em geral, não sou uma aficionada por tecnologia militar e, embora efeitos ópticos atmosféricos estranhos sejam interessantes, não é isso que me tira da cama todas as manhãs.

Não sei ao certo se a explicação será direta, mas qualquer tentativa de descobrir certamente envolverá uma compreensão profunda de ambos os domínios. Porque eu estaria trabalhando com vídeos feitos por instrumentos complicados e especializados em um quadro de referência extremamente incomum (viagens de alta velocidade pelo ar), e eu teria que explicar a geometria de tudo isso, sem mencionar os efeitos instrumentais que acompanham qualquer tecnologia que essas câmeras estejam usando. Isso vai dar muito trabalho.

As pessoas estão fazendo isso, é claro, incluindo alguns dos mais aventureiros de nós, os astrônomos. Existem algumas postagens muito boas em fóruns, vídeos e outros locais, nos quais os interessados estão detalhando as linhas de visão, os vetores de velocidade e os movimentos das câmeras, explicando como aeronaves ou balões de criação humana podem parecer erráticos e sinistros em vídeo exatamente dessa maneira . Você pode ler essas postagens e ter uma ideia do que a análise aborda. Talvez você esteja convencido, talvez não. Mas é improvável que você veja muitos astrônomos entrando na briga, pelas mesmas razões acima; essa não é a nossa praia.

Não é que pensemos que alienígenas não existem. Que eu saiba, a maioria de nós pensa que sim. A vida parece ter surgido em nosso planeta como resultado das condições extremas da Terra primitiva, possivelmente nas proximidades de uma chaminé hidrotermal submarina, onde substâncias químicas voláteis e energia abundante provavelmente ajudaram aminoácidos perdidos a se unirem para criar as primeiras formas de vida simples.

Temos boas razões para acreditar que essas condições podem existir em outras partes do universo - talvez até em outras partes do nosso próprio sistema solar. Embora Marte possa ser o garoto-propaganda da possibilidade de vida alienígena na vizinhança, dadas as crescentes evidências de que já teve uma atmosfera mais espessa e água líquida em sua superfície, a lua Europa, de Júpiter, e as luas Titã e Encélado, de Saturno, podem ser ainda mais promissoras.

Essas, juntamente com um punhado de outras luas dos gigantes gasosos, parecem ter água líquida presa sob suas superfícies congeladas, aquecida pelos movimentos de marés induzidos por suas órbitas próximas ao redor dos mundos gigantes. Encélado tem famosas plumas gigantes de água rica em compostos de carbono que escapam de sua superfície através de rachaduras. Há até evidências de que algumas dessas luas ocultam suas próprias chaminés hidrotermais submarinas, fornecendo todos os ingredientes que atualmente consideramos necessários para a vida como a conhecemos.

E isso está em nossa vizinhança cósmica. Sabe-se que milhares de outras estrelas em nossa galáxia Via Láctea possuem seus próprios planetas, e as estimativas sugerem que algo como um em cada dez desses planetas pode ter os tipos de superfícies e temperaturas que podem, potencialmente, sustentar água líquida. O que significa que eles também podem abrigar vida. E isso sem contar as exoluas.

A ideia de que a Terra é única, o único mundo habitado no universo, ou mesmo na Via Láctea, parece um pouco absurda.

Mas eu divaguei. Estávamos falando sobre filmes embaçados de objetos não identificados no ar, não estávamos?

Até onde eu sei, o único tópico que liga esses vídeos a qualquer coisa que envolva alienígenas é a ficção científica. Temos uma longa história cultural de contar histórias de civilizações avançadas que vivem entre as estrelas - civilizações que têm naves espaciais muito mais rápidas do que nós e que optam por usá-las para vir nos ver e vagar por aí um pouco. Afinal, se tivéssemos a capacidade de visitar planetas em torno de outras estrelas, poderíamos fazer algo semelhante.

Mas esse é um argumento sobre a natureza humana, não sobre astrofísica. Não há nada conectado ao nosso entendimento atual do mundo real que nos indique a "tecnologia de inteligências originárias de um planeta diferente" como uma explicação para as coisas que vemos nas nuvens. Quando os astrônomos buscam vida no universo, começamos não com ficção científica, mas com uma lógica fundamentada no que sabemos sobre as estrelas.

Uma coisa que sabemos: o espaço é grande. A distância da estrela mais próxima de nosso sol, Proxima Centauri, é tão grande que até a luz leva mais de quatro anos para atravessar essa extensão, e a espaçonave mais rápida que já construímos levaria mais de 70 mil anos. Qualquer que seja a tecnologia que uma civilização alienígena possa ter, é razoável supor que eles aceitem a opção mais simples primeiro e enviem um sinal eletromagnético. Ou talvez eles construíssem alguma estrutura grande e óbvia que absorva radiação eletromagnética em sua própria vizinhança. Em programas como SETI (Busca Por Inteligência Extraterrestre), pesquisamos os dois. Até agora, não tivemos sorte.

Ao longo dos anos, houve algumas dicas tentadoras de coisas que astrônomos legítimos propuseram que poderiam ser construções alienígenas - um estranho escurecimento de uma estrela antes bem-comportada, por exemplo, ou de um asteroide interestelar. Estamos abertos às possibilidades. Nós as discutimos e fazemos os cálculos, porque vemos coisas reais e estranhas no cosmos. Até agora, infelizmente, parece que a ciência planetária comum pode explicar melhor as observações do que sendo tecnologia alienígena, mas se surgirem outras evidências, vamos agarrá-las.

Enquanto isso, continuamos a procurar alienígenas que não estão transmitindo ou construindo nada. A maneira mais provável de encontrarmos vida extraterrestre é através da observação de exoplanetas - esses numerosos planetas orbitando outras estrelas. Estamos chegando ao ponto em que podemos fazer observações detalhadas da química das atmosferas de exoplanetas. Se conseguirmos obter a imagem direta de um exoplaneta, ou vê-lo passar na frente de sua estrela, podemos procurar no espectro de sua luz assinaturas de equilíbrios químicos que apenas organismos biológicos podem produzir, sejam micróbios, cogumelos ou megafauna.

Esses estudos estão em seus estágios iniciais, mas a busca por bioassinaturas está se transformando em um dos projetos mais emocionantes da astronomia atualmente. Quando finalmente encontrarmos outra vida no cosmos, a evidência provavelmente estará na forma de um conjunto incomum de linhas espectrais vistas na luz esticada das estrelas refletindo ou filtrando a atmosfera de um mundo distante e intocável.

Não acho que seja completamente impossível que alienígenas hiperavançados possam vir nos visitar na Terra - tomando cuidado, por algum motivo, para fugir de todos os sistemas de monitoramento do céu que temos, e sem deixar vestígios observáveis além de alguns pilotos da Marinha confusos.

Acho incrivelmente improvável, e acho que, ao começar com apenas alguns vídeos embaçados e difíceis de interpretar, dar esse salto e dizer que são alienígenas é tão extremo que seria necessário algo muito mais convincente do que o que alguém já viu até agora para tentarmos começar a aventar essa possibilidade. Mesmo que eu quisesse dedicar algum tempo para estudar manuais de câmeras de aeronaves da Marinha e a geometria de voo, minha recompensa provavelmente seria um debate longo e tedioso com um público dedicado, abrangendo o espectro daqueles que pensam que os OVNIs são uma ideia divertida para pessoas dedicadas a provar que eles são reais.

Então, me desculpando com aqueles que gostariam que eu e meus colegas pulássemos nessas águas, acho que, por enquanto, a maioria de nós ficará apenas com o espaço. Há um universo vasto por aí e muitos mundos para escolher. Talvez um deles tenha algo incrível.

Katie Mack é uma astrofísica teórica que estuda matéria escura, buracos negros, galáxias primitivas e pequenos mistérios estranhos do cosmos. Ela é Professora Assistente de Física na North Carolina State University, no Programa de Excelência para Liderança em Ciências Públicas da Chancellor's Faculty. Você pode encontrá-la no Twitter @AstroKatie ou em seu site. Ela é autora de The End of Everything (Astrophysically Speaking) [O Fim de Tudo (Astrofisicamente Falando)], com lançamento previsto para agosto de 2020.

Artigo original:

https://blogs.scientificamerican.com/observations/a-word-about-those-ufo-videos/?fbclid=IwAR1wORj8eSCVM8IFeb6j3lQR5exBPohG6yTuFzIWk3Hazkv69aRv4ziNwik

Tradução: Tunguska Legendas